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Ataque ao ônibus do Fortaleza Esporte Clube: há responsabilidade laboral perante seus atletas empregados?

A coluna de hoje não pretende analisar critérios penais, civis ou desportivos entre o Fortaleza Esporte Clube (FEC) ou seus jogadores e o Sport Club do Recife (SCR) na violência acontecida no último clássico nordestino estre eles, jogado no dia 22 de fevereiro de 2024, tão somente se discorre sobre a responsabilidade civil do tricolor cearense na relação de emprego com os respectivos atletas empregados acidentados.

Segundo o plenamente noticiado ao longo dos recentes dias, teria uma certa torcida organizada da referida entidade desportiva pernambucana atacado com pedras e bombas caseiras o ônibus de transporte da delegação do FECSAF (Sociedade Anônima do Futebol do Fortaleza Esporte Clube), provocando a lesão de seis atletas profissionais.

O deslocamento e o transporte de jogadores profissionais para as partidas pelo FECSAF são considerados trabalho efetivo, contabilizados como duração laboral, suavizados pelo art. 28, § 4o, III, da Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé) e o art. 97, III, da Lei n. 14.597/23 (Lei Geral do Esporte-LGE) com monetarização, compensação financeira para não ultrapassar a jornada máxima semanal a ensejar horas extras, considerando-se que as horas in intinere foram revogadas pela Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/17) e os sindicatos no setor profissional desportivo sempre foram inoperantes quanto à movimentação de normas coletivas.

Reporte-se, mesmo antes da Reforma Trabalhista, a jurisprudência e a doutrina laboral quase nunca tiveram chance de se pronunciar sobre as horas de percuso dos jogadores profissionais, fossem internamente ou para laborar em partidas fora do Brasil.

Entretanto, as lesões sofridas pelos jogadores empregados do FECSAF se constituem claramente acidente de trabalho, basta verificar o arts. 19 e 21, IV, a), c), d), da Lei n. 8.213/91 c/c arts. 4o, § 1o, da CLT, doutrina, jurisprudência trabalhistas e civis predominantes em relação à matéria acidentária laboral. Resta saber até que ponto a instituição desportiva cearense detém responsabilidade civil, enquanto empregadora desportiva, em derredor das agressões ocorridas.

Recorde-se, consoante reiteradamente este colunista já reportou em textos jurídicos diversos, a incluir esta coluna semanal, que no Informativo n. 156/2017 o Colendo Tribunal Superior do Trabalho (C.TST) proferiu decisão de uniformização de jurisprudência, através da sua Subseção Especializada em Dissídios Individuais 1 (SBDI-1), afirmando que a atividade profissional desportiva é de risco, portanto, atrai a responsabilidade civil objetiva para as entidades empregadoras desportivas sobre seus atletas empregados (art. 927, parágrafo único, do CC).

Esta decisão da SBDI-1 do C.TST consolida a responsabilidade civil objetiva em caso de lesão sofrida nas atividades de campo, devendo ser estendida para os infortúnios ocorridos no transporte de atletas empregados, fora de campo, pois é sabido por toda a sociedade os perigos iminentes diversos que a atividade econômica do futebol provoca, até mesmo para quem não labuta no segmento, mediante o amplamente divulgado na mídia.

Nessa linha, não apenas a empregadora desportiva cearense pode ser responsável objetiva pelos danos causados aos seus jogadores, mas qualquer outra entidade empregadora do esporte na mesma situação poderia. Adite-se, no caso desta instituição esportiva do Ceará, transformada em Sociedade Anônima do Futebol (SAF), envidenciando-se mais ainda esse tipo de responsabilidade, pois a sua atividade trabalhista adveniente do seu objeto empresarial é considerada de risco – prática do futebol profissional (art. 1o da Lei n. 14.193/21).

Em decisão atual de setembro de 2019, o Excelso Supremo Tribunal Federal (E.STF), sob a relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, no Recurso Extraordinário (RE) 828040 de repercussão geral, também fixou o entendimento de que em atividades econômicas de risco recai sobre o empregador a responsabilidade civil objetiva,[1] devendo abranger o mercado do futebol a responsabilizar da mesma maneira os empregadores do esporte.

Ressalve-se, há de se averiguar pormenorizadamente nos atos agressores quem realmente foram os autores, a quantidade e a intensidade da organização para as condutas infratoras, bem como se houve conivência do Sport e falha no sistema de segurança pública. Esses fatores primordiais podem influenciar na detecção de responsabilidade civil do FECSAF.

Adicione-se, pelas informações da mídia, os jogadores do FECSAF não reclamam ou se voltam contra a sua entidade empregadora até o momento, ao contrário, manifestam-se nos meios de comunicação culpando outras instituições do futebol.

Não obstante, esta atividade profissional alivia em cima do empregador casos de acidente como o ocorrido, uma vez que o sentimento de equipe mais impulsiona os jogadores empregados a favor de seu empregador do que em outras profissões. Isto revela um privilégio para as entidades empregadoras deste mercado, pois em outros campos, muito provavelmente, os empregados iriam buscar ressarcimento sobre o empregador.

A própria atividade econômica do futebol também estimula que a entidade empregadora recupere bem os atletas empregados, já que é um mercado o qual vive acentuadamente sobre a força física dos jogadores. Um time só vai a campo com energia total se todos os atletas estiverem à disposição da comissão técnica com a integridade física e mental completa para o desforço que a profissão exige. Nesses termos, evidentemente, o FECSAF presta toda a assistência possível aos seus jogadores empregados, consoante se depreende das notícias.

Retomando a responsabilidade civil objetiva nessas ocasiões, para responsabilizar a entidade empregadora desportiva basta comprovar a relação de causalidade entre o comportamente agressor e o dano ocorrido, prescindindo de prova de dolo ou culpa, se os jogadores lesionados assim almejassem.

A única forma de exclusão da responsabilidade civil objetiva do empregador esportivo é a comprovação de culpa exclusiva da vítima, caso fortuito e força maior, seguindo a teoria do risco criado na relação de emprego, que é a dominante na jurisprudência do C.TST em matéria de acidente laboral, afastando-se a teoria do risco integral.

Uma apuração mais detida sobre os fatos decorridos pode mudar a conclusão para a resposta de saber se o FECSAF é responsável pelos danos patrimoniais e extrapatrimoniais.

Presume-se ter existido um sistema de segurança esperado de um empregador desportivo de série A do campeonato brasileiro e da envergadura atual do FECSAF no transporte de jogadores empregados na saída de mais um trabalho, ao passo que inexiste no noticiado qualquer indício de coluio dos próprios atletas do FEC com terceiros praticantes das agressões.

O caso fortuito interno não excluiria a responsabilidade objetiva do FECSAF. Esta modalidade de responsabilização se traduz no domínio completo que qualquer empregador deve ter sobre a operação interna de sua atividade econômica, incluindo a avaliação de possíveis ocorrências de riscos.

São exemplos que não excluiriam o empregador desportivo de responsabilidade objetiva no transporte de jogadores empregados: uma roda sacar com o ônibus em movimento, causando acidente que atinge gravemente os atletas; o motorista ter um ataque cardíaco que provoca um acidente na pista, resultando em várias lesões nos atletas em transporte; um fã/torcedor isolado consegue se infiltrar entre os seguranças privados e agride delinquentemente um ou alguns praticantes esportivos profissionais do time.

Nessas ocasiões o FECSAF continuaria com a responsabilidade objetiva absoluta na reparação dos danos patrimoniais e extrapatrimonias sobre os seus jogadores empregados acidentados.

Todavia, o caso parece mesmo demonstrar o rompimento do nexo de causalidade pelo fortuito externo, que significa não poder se exigir da empregadora desportiva o controle total das condutas humanas externas e extraordinárias contra os serviços mínimos de operação da atividade econômica desportiva.

Mesmo baseada na responsabilidade civil objetiva de transporte do art. 734 do CC aplicado ao campo trabalhista, onde se prevalece o afastamento de culpa de terceiro como ruptura da referida responsabilização do empregador (art. 735 do CC), pensa-se, particularmente, existir uma especificidade do labor desportivo, qual seja, impossibilidade razoável de se exigir e esperar do FECSAF (ou qualquer empregador desportivo) um batalhão de seguranças privados que evitassem o atentado de uma quantidade extensa de torcedores do time adversário, fosse ou não com a condescendência deste e a falha de atuação da inteligência de segurança pública na contenção da criminalidade, violência pertinente.

Neste ponto, por via de excepcionalidade proveniente da especificidade desportiva, admite-se a jurisprudência esparsa de Egrégios Tribunais de Justiça (E.TJs) e do Colendo Superior Tribunal de Justiça (C.STJ) a permitir em algumas situações a aplicação do fortuito externo para afastar a responsabilidade civil objetiva do empregador esportivo transportador (FECSAF).

Assevere-se, todavia, que na dimensão trabalhista comum, a admissão do entendimento exposto no parágrafo anterior seria inconcebível, mas adite-se ser impensável decorrer a mesma realidade específica desta ocorrência sobre a delegação do FECSAF em outros campos laborais.

Enfim, o ocorrido se constitui acidente de trabalho, em via de regra o FECSAF teria responsabilidade civil objetiva nos moldes do arts. 734, 735, 927, parágrafo único, do CC, porém, esta se encontra excluída pelo rompimento do nexo causal por via de fortuito externo, intensificado pela falha de segurança pública, absolvendo a entidade empregadora da obrigação de ressarcimento por danos patrimonias e extrapatrimoniais sofridos pelos jogadores e demais empregados no âmbito do transporte de trabalho desportivo.

Crédito imagem: Fortaleza/Divulgação

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[1] Verifica-se em Supremo Tribunal Federal STF. STF decide que empregador tem responsabilidade civil objetiva em acidentes de trabalho nas atividades de risco. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=422689>. Acesso em: 04 mar. 2024.

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