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Atleta em formação não é menor aprendiz

O Brasil trilhou todos os caminhos naturais para a elaboração do seu Direito do Trabalho e percorreu todas as etapas intermediárias e iniciais da legislação, da mesma forma como ocorreu em países mais adiantados e industrializados, como Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos e França.

Tal qual se registrou naqueles países, os primeiros passos da legislação trabalhista se deram em temas como sindicalização, duração do trabalho, acidentes de trabalho e trabalho do menor.

O Código de Menores do Brasil é do ano de 1927, portanto, bem anterior à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

No ano de 1964 foi enviado um Projeto de Código do Trabalho ao Congresso Nacional. O referido projeto foi capitaneado pelo jurista Evaristo de Morais Filho e teve como membros o Ministro Mozart Victor Russomano e o advogado José Martins Catharino notório entusiasta do Direito Desportivo e que já naquela época escrevia acerca do tema.

No Projeto de Código do Trabalho havia menção expressa ao atleta profissional, com previsão de luvas[1] e passes para os jogadores de futebol e restrição do horário de trabalho a 48 horas semanais (previsão então vigente para o trabalhador comum) e permissão de concentração no período máximo de três dias quando houvesse competições oficiais programadas.

Já naquela época havia uma grande preocupação em relação as condições de transferências dos atletas para entidades desportivas, materializada pelo passe e luvas, pois a legislação desportiva não poderia impedir o livre exercício da profissão segundo os ditames da Constituição Federal.

O atleta poderia prestar os seus serviços a partir dos 16 anos e deveria comprovar que estava quite com o serviço militar.

Para Evaristo de Morais Filho[2] o conceito de aprendizagem e de formação profissional é o mais inclusivo possível, abrangendo a educação integral do aprendiz, preparando-o para a vida, como cidadão, através de uma formação polivalente, que o habilite profissionalmente para as necessidades do mercado de trabalho, sem os excessos de uma especialização prematura.

O jovem atleta não pode ser comparado a um aprendiz. Ele não exerce um ofício. Com efeito, o jovem atleta desempenha uma atividade, de caráter lúdico, sendo que a prática reiterada não guardará ligação com o seu aprimoramento no futuro na medida em que o talento para a prática desportiva é algo inato ao atleta.

O contrato especial de aprendizagem desportiva (no qual é assegurado assistência educacional, psicológica, médica, odontológica, alimentação, transporte, convivência familiar, além de seguro de vida e acidentes pessoais) não se confunde com contrato de aprendizagem profissional de que trata o art. 428 da CLT.

A aprendizagem profissional está relacionada a um ofício o qual poderá ser aprimorado com a prática reiterada e supervisionada. Na aprendizagem desportiva, práticas reiteradas podem qualificar o profissional tecnicamente, porém, o talento e a habilidade são características inatas. Como diz o ditado popular: “é pelo dedo que se conhece o gigante”.

No ano de 2018 o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (que tem jurisdição em Santa Catarina), rejeitou o pedido de arguição de inconstitucionalidade do contrato de formação desportiva previsto no art. 26, § 4º a Lei n.º 9.615/1998[3].

Naquela decisão se afirmou que o contrato especial de aprendizagem desportivo difere do contrato de aprendizagem profissional de que trata o art. 428 da CLT, o que assegura a autonomia e relevância do direito desportivo e ressalta a forma como essa disciplina deve ser encarada pelos profissionais de direito. Ou seja, não se pode interpretar as normas de direito desportivo da mesma forma com que se interpreta o direito comum.

No referido acórdão foram demonstradas as peculiaridades que envolvem a formação do atleta profissional e o fomento da prática desportiva como meio de estimular o desenvolvimento físico, psíquico e social da criança e do adolescente, autorizam a celebração de um contrato especial de aprendizagem desportiva, nos moldes preconizados pela lex sportiva.

A arguição de inconstitucionalidade surgiu durante o julgamento de uma Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho contra o Figueirense Futebol Clube (ArgInc 423-72.2018.5.12.0000). Na ação foi postulado que o time se abstivesse de manter em sua base crianças e adolescentes menores de 14 anos, celebrando com os demais atletas não-profissionais de 14 a 20 anos contrato de aprendizagem nos moldes do Art. 428 da CLT, cuja modalidade prevê anotação na CTPS, remuneração não inferior ao salário mínimo hora e existência de vínculo empregatício.

O pedido formulado pelo Ministério Público do Trabalho é um desestímulo à prática desportiva por jovens que já encontram um limitador legal, pois a formação desportiva somente é possível a partir dos 14 anos de idade. E nessas situações não estamos diante de um menor aprendiz e muito menos um atleta profissional.

Por fim, naquela decisão restou consignado que a Lei Pelé estabelece uma modalidade especial de aprendizagem, voltada aos atletas em formação, diferente do contrato de aprendizagem previsto na CLT, em razão das peculiaridades que envolvem a própria formação do atleta profissional e o seu tempo de atuação. Para tanto, é exigido por parte dos clubes benefícios e condições apropriadas, até porque estes poderão futuramente cobrar por seu investimento. Essa Lei tem por finalidade fomentar a prática desportiva, como meio de estimular o desenvolvimento físico, psíquico e social da criança e do adolescente.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já teve a oportunidade de se manifestar acerca da formação desportiva e destacou a diferença existente entre o contrato de trabalho do menor aprendiz e a aprendizagem desportiva.

No ano de 2015, ao julgar recurso em Ação Civil Pública movida em face do América Futebol Clube de Minas Gerais, a 6ª Turma do TST fixou premissa na qual o contrato de trabalho do menor aprendiz da CLT não é aplicável para a formação desportiva em face da legislação especial que trata da matéria.[4]

Em razão da tese constante naquela decisão, na qual assegura a especificidade da lex sportiva, o atleta aprendiz de 14 anos não está sujeito à limitação de 2 anos de contrato a que se refere o art. 428 da CLT, tendo em vista que o dispositivo consolidado remete ao contrato de trabalho do menor aprendiz.

A decisão foi categórica em rejeitar a afronta ao art. 7º XXXIII da Constituição Federal[5], pois a idade mínima estabelecida para o contrato de aprendizagem foi respeitada naquele caso levado ao TST.

……….

[1] A manutenção das luvas e passes tinha o objetivo de impedir que países de moeda mais forte promovessem uma verdadeira fuga de jogadores talentosos, a começar por Pelé e Garrincha e chegando mesmo às revelações dos clubes menores.

[2] MORAIS FILHO, Evaristo de Morais In Arquivos do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, Diretor Gilson Amado. Ano XXII, n.º 92, Dezembro de 1964. p. 11.

[3] RO – 0000423-72.2018.5.12.0000, Relatora: Desembargadora Lília Leonor Abreu.

[4] ARR – 166400-29.2009.5.03.0018 – Relator Ministro Augusto César Leite de Carvalho

[5] XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.

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