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Atleta empregado vs. Atleta torcedor

O Lei em Campo noticiou essa semana que o Cuiabá Esporte Clube multou o atleta Deyverson, que apesar de integrar o elenco do time, celebrou a vitória do Palmeiras sobre o Flamengo, pela Supercopa.

A manifestação ocorreu nas redes sociais do atleta, e aduz a questionamentos envolvendo as restrições do poder potestativo do empregador, e os limites da manifestação de ideias, pensamentos e opiniões.

Em primeira análise, vale citar que o poder diretivo e o poder disciplinar do empregador compreendem uma prerrogativa a qual, a partir do princípio da reserva legal, permitem, respectivamente, a imposição de regras e consequente fiscalização acerca do cumprimento destas. Com isso, autoriza-se ao empregador a imposição de advertência, suspensão, demissão por justa causa, observadas as ressalvas previstas em lei, súmulas e jurisprudenciais.

O poder disciplinar, guiado pelos preceitos constitucionais da livre iniciativa, direito de propriedade, direito de empresa, liberdade de constituição, organização e exercício da atividade empresarial, atribui ao empregador o direito de determinar regras para organização interna da empresa, objetivando a correta prestação laboral do empregado diante dos interesses econômicos da companhia.

Já o poder disciplinar alcança a forma de fiscalizar a atividade laboral e não se trata de um direito absoluto, já que os limites do conjunto de prerrogativas conferido ao empregador para impor medidas capazes de assegurar a direção, fiscalização e disciplina de seus empregados se esbarram nas premissas da Declaração Universal dos Direitos Humanos, nos princípios constitucionais fundamentais, e em Súmulas como, por exemplo, nº 51, 77, 443 do Tribunal Superior do Trabalho.

Quanto às entidades desportivas empregadoras, não há menção expressa na Lei Geral sobre o Desporto determinando a forma de aplicação do poder disciplinar, dispondo apenas sobre sanções disciplinares competentes à Justiça Desportiva e aos regulamentos emanados pela entidade de administração desportiva.

Por não haver previsão específica de sanções derivadas das relações de trabalho desportivas, a aplicação destas se fundamentam pela regra geral da Consolidação das Leis do Trabalho, podendo ocorrer a sanção na esfera trabalhista concomitantemente a uma pena administrativa desportiva, oriunda de uma condenação exarada pela Justiça Desportiva, uma vez que a relação de trabalho do atleta profissional se pauta na ordem jurídica desportiva e na ordem jurídica trabalhista, e a pena emanada por cada uma dessas ordens não incorre em “bis in idem”.

A esse respeito, o Lei em Campo já noticiou o caso de demissão de atleta por ter se manifestado utilizando expressões de cunho racista durante uma partida de um jogo eletrônico. A situação suscitou a questão de punições passíveis de serem aplicada, ainda que ocorreu fora da prestação laboral, onde a especificidade da relação de trabalho desportiva se encontra, sobretudo quando se trata de um atleta, sendo este uma personalidade notória, cujo expressivo alcance tornou sua conduta contrária à dignidade humana e preceitos constitucionais fundamentais ainda mais inapropriados, afetando diretamente à imagem da agremiação desportiva que o emprega.

Se ao trabalhador comum, a demissão por justa causa consiste em causa de extrema exceção, aos empregados atletas, ainda mais. Dado que nos contratos especiais de trabalho desportivo há previsão de cláusula compensatória e indenizatória, ou seja, multa pela rescisão antecipada do contrato de trabalho, além do fato de que as agremiações desportivas deixam de obter receitas de uma possível transação futura deste atleta, a rescisão motivada por não ser uma decisão acertada do ponto de vista financeiro.

Vale mencionar que em situações em que o atleta incorre em manifesta contrariedade aos Princípios da Igualdade e da Dignidade da Pessoa Humana, de encontro ao crescente movimento de erradicação da discriminação ou preconceito em razão da raça, consagrado na Constituição Federal, em seu art. 3º, inciso IV e art. 5º , inciso XLII, facilita a compreensão sobre os motivos que justificam a aplicação de sanção pela agremiação desportiva empregadora, sendo esta integrante do movimento esportivo, e como tal, intendente do alcance e influência que o esporte desempenha em uma sociedade, e responsável pela manutenção da finalidade social do esporte, o torna incumbido de assegurar o espírito esportivo e a adequada conduta de seus membros.

Contudo, dificulta-se quando o motivo que poderia ensejar a atuação do poder disciplinar do empregador é pautado em um critério subjetivo, onde não é tão claro inferir se houve ofensa em face à entidade, sobretudo por tratar-se de uma opinião pessoal, emitida em na rede social do próprio atleta. Dessa forma, afirma-se que o poder disciplinar do empregador imprime o devido balanço entre a intimidade e vida privada do empregado e o direito de propriedade e livre iniciativa privada do empregador.

Para tanto, menciona-se que no esporte, o controle disciplinar da relação de trabalho se amplia. Enquanto ao trabalhador comum o ordenamento jurídico se apoia na “Teoria dos Efeitos Reflexos”, no desporto, a aplicação do art. 482 (justa causa), alínea k (ofensa à honra do empregador), da Consolidação das Leis do Trabalho se respalda na “Teoria dos Efeitos Reflexos Acentuados”, tendo como objetivo as especificidades da relação laboral desportiva.

Outro ponto a ser levantado refere-se aos limites legais ou contratuais do direito de expressão dos trabalhadores durante a vigência do contrato de trabalho.

Tendo em vista a função precípua do esporte, a entidade de prática desportiva, como empregadora, deve assegurar a sua honra, de forma que se torna inviável a manutenção da relação de trabalho com aquele que age em desconformidade com os parâmetros mínimo de boa conduta moral, ética, em respeito aos valores humanos.

No entanto, a situação em questão não parece tratar-se algo diretamente contrária à moral, ética ou valores humanos, tão pouco contrário à lei.

Por outro lado, a liberdade de expressão, embora constitucionalmente assegurada, não constituí um direito absoluto, devendo ser respeitados, além dos limites legais, éticos e direitos de terceiros, também os princípios, missão, visão e valores norteadores da organização empregadora.

Em vista disso, destaca-se a previsão do art. 482, alíneas “j” e “k”, da CLT, o qual dispõem, respectivamente:

Art. 482. (…)

j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

(…) –

Ainda, sublinha-se a possibilidade de indenização pelo dano causado, conforme dispõe o art. 462 da CLT, §1º, permitindo o desconto em caso de prejuízos causados pelo empregador, por dolo ou culpa e desde que haja essa previsão em contrato em contrato de trabalho, vejamos:

Sob a ótica jurídica, parecem ser pragmáticas as restrições do poder potestativo e disciplinar, e os limites da liberdade de expressão do empregado. Contudo, resta saber, diante da imensidão de subjetividade que envolve  o esporte, o envolvimento passional do torcedor, o peso de um escudo que estampa a camisa, se uma manifestação por uma outra equipe incorre em efetiva ofensa, ou se a ofensa aqui tratada seria do direito de liberdade de expressão do atleta.

Crédito imagem: Asscom Cuiabá

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