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Atleta profissional de futebol não tem direito a adicional noturno

O contrato de trabalho desportivo tem características especiais que reivindicam um diploma especial para sua regência, que não se amolda à CLT. Com efeito, é a Lei Geral do Desporto que irá regular a atividade do atleta profissional. Somente na hipótese de omissão e mesmo assim, desde que não haja incompatibilidade com os princípios do desporto é que a legislação trabalhista será aplicada, tendo em vista que é esta a interpretação que se extrai do art. 28, parágrafo 4º da Lei Pelé.    

Ninguém duvida que o atleta está submetido a uma rotina estressante de trabalho com atividades físicas no limite da resistência muscular, mas isso faz parte das características que cercam o trabalho do atleta profissional. Desde o início de sua carreira ele já está ciente deste fato.

Determinadas obrigações a que o atleta se submete extrapolam sua vida profissional, o que não seria admitido e tolerado em um contrato de trabalho ordinário. O atleta profissional deverá observar: a) aspectos desportivos, relacionados a treinos, concentração, preparação física e disciplina tática em campo; b) aspectos pessoais e íntimos, como limitação na ingesta de álcool, alimentação equilibrada, controle de peso, qualidade do sono, uso de medicamentos e comportamento sexual; c) aspectos convencionais, como o uso de brincos e vestimenta apropriada; e d) aspectos disciplinares relacionados a ofensas a árbitros, dirigentes, colegas, adversários e torcedores, ou recusa em participação em entrevistas após o jogo.

A Consolidação das Leis Trabalhistas estabelece que é devido o adicional noturno ao trabalhador que desempenhar o seu ofício entre as 22 e 5 horas do dia seguinte.

Não se desconhece que a Constituição Federal de 1988, prevê em seu art. 7º, inciso IX, que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais a remuneração do trabalho noturno superior à do diurno. Contudo, a atividade do atleta é peculiar e é indene de dúvidas que o empregador do atleta (o clube de futebol) não vai querer, nunca, que o seu jogador participe de jogos ou treinos que invadam a madrugada, aumentando o risco de graves lesões em razão da fadiga e de grandes esforços.

Em determinadas situações a participação em jogos após às 22 horas decorre de exigência das empresas que transmitem o espetáculo, não cabendo ao empregador alterar esta programação. É claro que para isso poderá haver uma compensação remuneratória, devendo ser ressaltado que o atleta será exposto a um público considerável de telespectadores.

A atividade do atleta profissional é um trabalho, porém um trabalho diferenciado em virtude de sua própria natureza, razão pela qual as previsões constitucionais são observadas com cautela. Caso contrário, atletas profissionais de 16 e 17 anos estariam proibidos de jogar após às 22:00hs., o que poderia significar a sentença de morte da carreira do jogador. Afinal, ninguém poderia imaginar a substituição do Neymar, no auge de sua carreira no Santos, em um jogo às quartas-feiras em razão de uma interpretação cartesiana da Constituição Federal que proíbe o trabalho noturno para menores de 18 anos.  

A Jurisprudência trabalhista não é uníssona, pois há aqueles que defendem a ausência de previsão legal para a aplicação desse dispositivo ao atleta, valendo citar. Verbis:

“As condições peculiares do contrato do atleta profissional de futebol não toleram incursão no adicional noturno, em louvor dos critérios universalmente consagrados na exibição profissional do atleta. Esse tipo de prestação noturna participa visceralmente do contrato e se há de tê-la como abrangida na remuneração estipulada”.

(TST – 1ª Turma – RR 3.866/82 – 16.12.83 – Rel. Min. Ildélio Martins)

Com efeito, nada obstante a época em que a decisão foi proferida, compartilhamos desse entendimento. Conforme já mencionado anteriormente o atleta profissional não pode ser tratado como um trabalhador comum. Sua atividade é específica e clama por uma atenção especial.

Decisão mais moderna foi proferida nesse sentido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Verbis:

ATLETA PROFISSIONAL

Em face das peculiaridades que envolvem a profissão de atleta, este não se beneficia das normas da CLT e aquelas extravagantes, que regulamentam a dobra dos domingos trabalhados sem a folga compensatória e nem o trabalho no horário noturno.

(TRT – 4ª Região – RO 11400-51.2008.5.04.0662 – Rel. João Alfredo Borges Antunes de Miranda – 29/07/2009)

Em acórdão da lavra do eminente Desembargador Celso Moredo Garcia, profundo conhecedor e estudioso do Direito Desportivo, as peculiaridades da atividade do atleta foram tratadas com desvelo e espelha o nosso posicionamento acerca do tema, conforme se infere do acórdão cuja ementa se transcreve. Verbis:

ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. HORAS DE CONCENTRAÇÃO

O tempo destinado à concentração, observada a limitação legal de 03 dias semanais, não se trata de tempo à disposição, mas sim, de uma característica peculiar do contrato do atleta, que visa garantir o melhor rendimento do trabalhador durante as competições. Igualmente, a ocorrência de eventos esportivos durante o período noturno não depende exclusivamente da vontade do réu, mas também de forças de ordem social e econômicas alheios ao contrato de trabalho, de modo que, por força da autonomia privada, as partes contratantes prevejam no contrato especial de trabalho desportivo um pagamento adicional tanto pelo tempo destinado à concentração como pelo labor noturno, valendo-se da faculdade autorizada pelo art. 28, § 4º, III da Lei 9.615/98. Considerando a realidade da prática desportiva profissional no futebol e, conforme infere-se da legislação específica, os acréscimos remuneratórios em razão do período de concentração ou por partidas realizadas em horário noturno dependerão de prévio ajuste individual ou coletivo. Ausente a prova desse ajuste, cujo ônus é do Autor, reforma-se a r. sentença para excluir o pagamento pelo labor noturno e horas extras por períodos de concentração.

(TRT – 18ª Região – RO 11608-46.2017.5.18.0010 – Rel. Celso Moredo Garcia – Rte.: Juliano Real Pacheco – Rdo: Goiás Esporte Clube – Publicado no DJU – 06/02/2020)

No ano de 2016, ao julgar o AIRR-442-86.2012.5.04.0008, a 6ª Turma do TST teve a oportunidade de afirmar que a atividade futebolística é incompatível com a fixação de horário de trabalho, razão pela qual não caberia falar em duração diária de trabalho, desde que respeitados o intervalo entre jornadas de 11 horas consecutivas e a duração máxima do trabalho, de 44 horas semanais. Assim, cabendo ao empregador a distribuição do trabalho durante a semana, também não incide adicional noturno. A referida decisão foi proferida em ação ajuizada em face ao Grêmio de Porto Alegre, na qual se discutia validade da previsão em norma coletiva que estabelecia remuneração que englobava pagamento de horas extras e adicional noturno a integrante de comissão técnica (responsável técnico da equipe), devidos em caso de viagem.

Por se tratar de norma que diz respeito à saúde e higidez física e mental do atleta, o adicional noturno somente será devido quando houver treinos habituais depois das 22:00hs., como forma de se evitar que tal situação ocorra (e que não é o que acontece na prática). Na hipótese de partidas esporádicas por conta de disputas de campeonatos, o adicional noturno não será devido.

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