Por Rafael Teixeira Ramos e Ana Cristina Mizutori[1]
Foi citado o art. 3º da Lei Pelé na coluna da semana passada o qual elucida como o desporto pode se manifestar: educacional, de participação, de rendimento e de formação.
Mencionado artigo, embora não muito claro, estabelece um esboço e alcance de cada espécie.
O desporto educacional não acentua a competitividade, uma vez que visa alcançar “o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer”, direcionado ao sistema de ensino e formas assistemáticas de educação.
Já o desporto de formação é “caracterizado pelo fomento e aquisição inicial dos conhecimentos desportivos que garantam competência técnica na intervenção desportiva, com o objetivo de promover o aperfeiçoamento qualitativo e quantitativo da prática desportiva em termos recreativos, competitivos ou de alta competição”
O desporto de participação objetiva a saúde, reveste-se de um aspecto social, educacional, agregando através da prática do esporte, a disciplina, a lealdade do espírito esportivo e a interação também com o meio ambiente.
Por sua vez, a norma regulatória do desporto especifica o desporto formal (de rendimento ou alto rendimento), o qual se submete às regras, nacionais e internacionais, e se direciona necessariamente para a competição, dentro de uma estrutura organizada, associada em prol da valorização da competição.
O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado como profissional e não-profissional. A diferença, como já explanado na coluna anterior, consiste na remuneração estabelecida em contrato formal de trabalho entre a entidade de prática desportiva e o atleta, disposta no parágrafo único do art. 26, da Lei 9.615/98.
Tal formulação legal mais confunde o profissionalismo da modalidade esportiva com o profissionalismo do atleta, ocasionando uma verdadeira confusão de quais relações desportivas entre praticantes e clubes podem ser consideradas relação de trabalho ou emprego desportivo.
Apesar das categorizações genéricas, sem levar em conta modalidade desportiva, a Lei Pelé descreve em sua parte final, artigo 94, um forçoso direcionamento do profissional apenas para o futebol.
Na prática, a norma exposta resulta em afastar o conceito profissional à atletas que atuam profissionalmente em outras modalidades desportivas que não o futebol, já que deixam exclusivamente nas mãos das federações a facultatividade de adotar o modelo profissional.
Aos que não se atém às normas jusdesportivas, costuma-se atrelar esta qualificação a todos os atletas que vivem do desporto (exceto o futebol) para a sua subsistência, e que, através de treinos intensivos e competições, direcionam integralmente o seu labor.
Retirando-se a tecnicidade do termo profissional, e incluindo o princípio trabalhista protetor da primazia da realidade, de fato, pode-se dizer que se tratam de atletas profissionais.
De forma diversa, o art. 2º do Regulations for the Status and Transfer of Players (RSTP) emanado pela Federation Internacional Football Association (FIFA), o qual versa sobre jogadores profissionais e não profissionais, determina que para um atleta ser considerado profissional, além de possuir um contrato de trabalho formal com a entidade de prática desportiva, deve receber, por sua atividade, mais do que incorrer em despesas.
Apesar do desporto estar inserido em um sistema associativo piramidal, também se encontra incorporado nas regras associativas nacionais. No Brasil, forçosamente, a Lei Pelé intenta que atleta profissional é considerado tão somente àqueles guiados pelos ditames de suas rédeas inconstitucionais.
Isso resulta, na prática, em uma imensidão de atletas que vivem do desporto, que dedicam suas vidas plenamente às atividades esportivas, garantindo o seu sustento de tais atividades, mas que conceitualmente não são considerados profissionais à luz dos arts. 3º, §1º, inciso II, 26, parágrafo único, 28 e 94 da Lei n. 9.615/98.
Trata-se de uma lacuna legislativa, não pela omissão em sua previsão, mas quanto ao alcance que se é dado frente à realidade.
Em razão deste hiato, temos atletas de vôlei, basquete, futebol feminino, ciclismo, atletismo, natação, à margem da devida cognição legal. Recorde-se que em março deste ano a Confederação Brasileira de Skate (CBSK) conseguiu incluir o atleta de skate na classificação brasileira de ocupação da Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia, o que acentua a deformidade superada da Lei Pelé quanto ao profissionalismo esportivo e de atletas.
Muito se pondera, entre os operadores do direito desportivo a necessidade de se atualizar e aprimorar a lei geral sobre o desporto (Lei Pelé).
Entre outros pontos que necessitam de um olhar mais contemporâneo por parte do legislador, este certamente compreende um tema de importante modificações e aprimoramento.
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[1] Mestranda em Direito Desportivo na PUC/SP; Advogada desportiva no escritório Manssur, Belfiore, Gomes e Hanna Advogados; Membro da Comissão Jovem da Academia Nacional de Direito Desportivo; Auditora Vice Presidente da 01ª Comissão Disciplinar do STJD do Futsal; Auditora auxiliar do STJD do Futebol.