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Atletas, clubes e patrocinadores precisam se unir para combater as ofensas e ameaças nas redes sociais

Por Florence Berrogain

A pandemia acelerou um processo que já há algum tempo enviava sinais de que iria dominar o planeta: a troca do ambiente físico pelo virtual. Em um momento no qual não é permitido que o torcedor acompanhe o time presencialmente, a interatividade online é mais importante do que nunca.

E se por um lado marcas e departamentos de marketing dos clubes estão estudando e se adaptando ao “já não tão novo normal”, o maior ente do futebol não precisa se preocupar com as mudanças, proteção de dados, streamings e outras novidades. O maior ente do futebol tem apenas uma única função desde os tempos de Charles Miller. A mais árdua, porém, a única infalível: torcer.

A problemática é antiga: futebol é sinônimo paixão, que por sua vez é a inimiga da razão.  Em time que está ganhando não se mexe, e também não critica. Porém quando o time está naquela situação “e o cara jantando” … Dentro do estádio todos conhecem o clima: ninguém é perdoado. Sobra para jogadores, técnicos, árbitros, bandeirinhas, suas respectivas famílias, e até mesmo o torcedor ao lado. O futebol é capaz de trazer à tona o que há de mais profano no ser humano.

Com a ausência de público in loco, os torcedores estão canalizando toda a mágoa nas redes sociais dos jogadores, e também das famílias dos atletas. Na última semana de março, o jogador galês Gareth Bale se manifestou após receber mensagens de ódio na internet, assim como seus companheiros de seleção, Ben Cabango e Rabino Matondo, mesmo após o País de Gales ter vencido o México em amistoso. Depois do episódio, que certamente não foi o primeiro, Bale sugeriu uma campanha de boicote às redes sociais.

Na semana anterior, o ex-jogador Thierry Henry já havida suspendido o perfil em todas as redes sociais, afirmando que “O enorme volume de racismo, intimidação e tortura mental resultante para as pessoas é tóxico demais para ser ignorado. Tem que haver alguma responsabilização”.

No Brasil, o jogador Fagner, do Corinthians, já exibiu mensagens enviadas para seu filho de apenas 10 anos, nas quais um torcedor ameaçava invadir sua casa. No início do ano de 2021, o brasileiro Everton Cebolinha e o uruguaio Darwin Nuñez, ambos jogadores do Benfica, suspenderam suas contas no Instagram após serem alvos de duras críticas, e até ameaça de morte, em razão de derrota no campeonato português. Detalhe: Cebolinha sequer havia atuado naquela partida, pois havia sido diagnosticado com Covid-19.

Muitos jogadores já afirmaram que desativam os comentários de desconhecidos em suas redes, justamente para evitar esse tipo de situação. No entanto, a interatividade nas redes sociais é uma ferramenta importante para aumentar o engajamento e atrair patrocinadores, o que faz com que muitos atletas suportem o ônus das ofensas.

No caso citado de Cebolinha e Darwin, a suspensão da conta do Instagram pode ter feito com que eventual marca patrocinadora dos atletas tenha perdido a exposição contratada. Cabe multa? Rescisão contratual? Há flexibilidade do patrocinador, em respeito ao sofrimento do atleta?

A Inglaterra mais uma vez atua como pioneira. Em fevereiro de 2021, dez entidades do futebol inglês apresentaram uma carta conjunta para Jack Dorsey, CEO do Twitter, e a Mark Zuckenberg, proprietário do Facebook e do Instagram, exigindo medidas para frear o abuso em suas redes. A atitude foi tomada após reiteradas ofensas discriminatórias à atletas do futebol inglês através das redes sociais.

Mikel Arteta, atual técnico do Arsenal também revelou que ele e sua família foram alvo de ameaças nas redes, e afirmou ter deixado a situação nas mãos do clube. Mas como o clube pode ter esse controle?

Aparentemente só as campanhas pontuais de combate ao racismo, machismo, ou qualquer tipo de discriminação não estão sendo suficientes. O anonimato da internet ainda torna o ambiente mais confortável para o ofensor, pois não há risco de ser detido, capturado pelas câmeras, ou coibido pelo colega. No mundo virtual, os insultos podem se esconder atrás de um perfil falso e o agressor sai impune. O psicológico do atleta, não.

O STJD já admite que os clubes possam ser punidos com multa ou perda de pontos em razão de cantos homofóbicos, racistas, ou em qualquer tom discriminatório entoados pela torcida. A punição tem base no artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, incluindo os torcedores na previsão do § 1º:

Art. 243-G. Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

PENA: suspensão de cinco a dez partidas, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de cento e vinte a trezentos e sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais). (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

§ 1º Caso a infração prevista neste artigo seja praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva, esta também será punida com a perda do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e, na reincidência, com a perda do dobro do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente; caso não haja atribuição de pontos pelo regulamento da competição, a entidade de prática desportiva será excluída da competição, torneio ou equivalente. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

§ 2º A pena de multa prevista neste artigo poderá ser aplicada à entidade de prática desportiva cuja torcida praticar os atos discriminatórios nele tipificados, e os torcedores identificados ficarão proibidos de ingressar na respectiva praça esportiva pelo prazo mínimo de setecentos e vinte dias. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

§ 3º Quando a infração for considerada de extrema gravidade, o órgão judicante poderá aplicar as penas dos incisos V, VII e XI do art. 170. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

O dispositivo determina que os torcedores identificados terão sua entrada no estádio vetada por no mínimo 720 dias. Mas no mundo virtual é muito mais difícil localizar o ofensor. Além da gravidade do tema, em um momento que sequer é permitida a presença do público nos estádios, é preciso pensar em outras formas de penalização, como a expulsão do quadro de sócios, além da remoção da conta do usuário, ou até mesmo medidas mais severas.

É utópico imaginar que basta uma campanha para que torcedores entendam que suas ofensas (além de todo o caráter ético e educacional), prejudicam muito mais do que estimulam. Então é necessário um atalho. Algumas medidas são mais acessíveis, como seguir o exemplo da Inglaterra e buscar apoio das maiores redes socais do mercado para que as contas dos autores de ofensas sejam imediatamente removidas. No entanto, em manifestação recente, o presidente do sindicato inglês dos jogadores afirmou que as empresas têm sido lentas na resposta.

A Premier League já adotou algumas outras iniciativas, orientando como reportar abuso e racismo nas redes sociais, e através da ONG Kick It Out, instituição inglesa criada pelas entidades do futebol no país para combater a discriminação racial. A federação nacional ainda foi mais além: cobrou atitudes do governo britânico, que afirmou já estar estudando mudanças na legislação para que as empresas sejam responsabilizadas de alguma forma. No Brasil temos a Lei nº 12.965/14 (“Marco civil da Internet”) e Lei 12.737/2021 (“Lei Carolina Dieckmann”), que tratam dos delitos informáticos.

A FIFPro (sindicato internacional dos atletas), também emitiu um comunicado oferecendo suporte pra que as instituições públicas e governamentais acelerem a regulamentação e adotem medidas urgentes para coibir o abuso. Em 2020, um estudo feito pela entidade aponta que houve um aumento relevante no número de atletas que relataram sintomas de depressão e ansiedade principalmente após a pandemia.

Um boicote às redes sociais como sugerido por Bale seria interessante, pois no atual contexto, com o aumento significativo da “vida virtual”, as redes são uma das maiores fontes de renda dos patrocinadores, que exibem suas marcas através do perfil de clubes e jogadores. Apenas Cristiano Ronaldo, Messi e Neymar juntos somam mais de 600 milhões de seguidores no Instagram.

Caso os atletas optem por aderir ao movimento e suspendam suas contas por algum tempo, há grandes chances de as marcas intervirem, pois vão perder seus maiores expositores. Dizem que por trás de toda boa ação há uma intenção, mas se for para combater os ataques, que assim seja.

O aumento da punição aos clubes também pode servir como uma forma de incentivo para que os próprios torcedores tenham a iniciativa de policiar os ofensores cibernéticos. Igualmente, os clubes precisam investir no acompanhamento e tratamento psicológico de seus atletas, tão importante quanto o preparo físico.

Você, leitor. Eu não sei qual é a sua profissão ou com que você trabalha, mas você já cometeu algum erro em serviço? Eu já. Provavelmente alguém irá responder que no caso dos jogadores, as consequências fazem parte dos “ossos do ofício”. Mas será que é realmente necessário suporta-los?

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo

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