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Atletas e manipulação de resultados desportivos

Após quase um (1) mês de recesso, esta coluna semanal retorna para discorrer acerca de um tema que estava em alta no noticiário brasileiro há três (3) semanas e meia, mas a depender do resultado das investigações, talvez ainda volte às chamadas de destaque nas notícias diversas.

Refere-se à investigação do Ministério Público de Goiás com acentuada denúncia do Presidente do Vila Nova Futebol Clube sobre venda de resultados nos jogos de futebol profissional.

A “nova onda” de manipulação de resultados são as apostas digitais por plataformas, sites, ou outros meios. Muito se debate, até mesmo no Direito Desportivo, se seria corrupção de resultado a venda de cartão amarelo, vermelho (expulsão), da marcação de um gol, da efetuação de um pênalti, da levada de um gol (vulgo frango, peru), a incluir os membros da arbitragem, dirigentes…

Entende-se esdruxula, assim como pensa-se em torno da mala branca, a dúvida se seria venda de resultado de jogos a entrega de certos acontecimentos da partida em troca de dinheiro/patrimônio. É óbvio que, qualquer alteração exógena (de fora do embate esportivo), afastando-se do desforço próprio dos jogadores ou que não sejam erros de fato da arbitragem, traduzem-se em operação de resultados. Inexiste corrupção de certos atos desportivos que não atinjam o resultado.

Sobre o próprio cartão amarelo, por exemplo, o atleta deixa de disputar a partida X mais na frente que pode ser ainda mais decisiva, falar-se ou defender-se acontecimentos em partidas que não alvejam um determinado resultado, é falácia/distorção, pois talvez persiga interesses outros que não a pureza dos resultados, e tanto faz se a competição tem a fórmula de pontos corridos ou é eliminatória, quaisquer atitudes em campo já estão a transformar o resultado do jogo/partida.

Como já ensinou em obra própria o grande jurista que leva o nome desta coluna semanal, Álvaro Melo Filho, “a mala preta e a mala branca são as duas faces da mesma moeda e ambas violam à ética desportiva, na sua composição de incerteza dos resultados e do equilíbrio competitivo”. O mesmo raciocínio deve ser transplantado para esta atual venda de resultados que compra dos jogadores em campo um gol, feitura de um pênalti a favor do time adversário, levada de cartão amarelo ou vermelho, conforme já se detalhou acima.

E por quê a manipulação de resultados desportivos pode violar de uma só vez os campos do Direito Desportivo, o Direito do Trabalho, o Direito Civil e o Direito Penal?

A começar pelo Direito Desportivo, alguns defendem que a incerteza dos resultados e o equilíbrio competitivo seriam premissas para a saúde das competições. Afirma-se mesmo, segundo já se descreveu acima nas escritas do grande professor Álvaro Melo Filho, que são em verdade “corolários da ética desportiva”, um dos princípios maternos do Direito do Desporto, que intenta proteger a integridade competitiva, pois além do seu significado moral de conduta e de igualdade, sem ela a atividade esportiva se torna desinteressante e paupérrima.

Portanto, em vias do Direito Desportivo, a corrupção de resultados viola o princípio da ética desportiva, o núcleo da própria atividade esportiva, seja ela profissional ou não (tradução em princípio da qualidade no art. 2o, IX, da Lei n. 9.615/98-Lei Pelé c/c arts. 243 e 243-A do Código Brasileiro de Justiça Desportiva-CBJD).

Em resumo, jogador comprado/corrompido para entregar certos atos na partida, seja por simples promessa, por recebimento adiantado ou pós jogo, está suscetível a punição das mais severas pela Justiça Desportiva (art. 217, § § 1o e 2o, da CF/88, arts. 49 a 55-C, da Lei Pelé), suspensão por vários meses, anos e até eliminação da prática desportiva federada (aqui inclui partidas profissionais e não profissionais). Foi o que aconteceu, recentemente, com sete (7) atletas apenados pelo STJD, dois (2) foram eliminados e cinco (5) foram suspensos por longos períodos.

Na esfera do Direito do Trabalho, parafraseando o professor catedrático da Faculdade de Direito de Coimbra, João Leal Amado, ao referir-se ao sistema lusitano, que possui dispositivo bastante semelhante ao existente no Brasil, “o ordenamento jurídico português laboralizou como uma das principais obrigações contratuais dos jogadores a ética desportiva, constituindo-se a sua violação possível aplicação de justa causa”. É exatamente o que está fundamentado no art. 35, III, da Lei Pelé. Sendo assim, os jogadores sancionados pela Justiça Desportiva brasileira por manipulação de resultados pode, perfeitamente, configurar a conhecida justa causa do contrato de trabalho desportivo.

Os juízes do trabalho brasileiro devem observar a instrução probatória e as decisões da Justiça Desportiva quando trazidas pelos advogados dos clubes, bem como estar atento à persecução penal existente por detrás dos casos e dificilmente não aplicar-se-ia a justa causa para a extinção da relação empregatícia desportiva.

Penalmente, atletas que estão corrompidos também podem acabar nas piores das situações que é receber uma sentença penal condenatória, cuja a consequência é o encarceramento, pois relembre-se que perante os arts. 41-C, 41-D e 41-E do Estatuto de Defesa do Torcedor (Lei n. 10.671/03 e demais alterações) constitui-se crime os atos atléticos que vendem resultados, por promessa ou efetiva recepção de qualquer vantagem patrimonial.

Em termos de matéria civil, os consumidores também podem ajuizar demanda indenizatória material e moral contra a organizadora da competição desportiva (federação ou liga), o clube empregador dos atletas corrompidos, as pessoas naturais e os dirigentes envolvidos com a corrupção de resultados das partidas.

Isto porque os torcedores/expectadores são considerados consumidores do espetáculo desportivo nos moldes do art. 42, § 3o, da Lei Pelé, que quando é manipulado afeta toda uma cadeia econômica, inclusive a boa-fé objetiva em qualquer negócio jurídico. Nessa esteira, o torcedor consumidor que se sente lesado pode pleitear na Justiça Comum uma reparação material e moral (arts. 5o a 12 do Estatuto de Defesa do Torcedor; arts. 1o a 3o, 12 a 25 do Código de Defesa do Consumidor, arts. 187, 422, 927 do Código Civil).

Por fim, na cognição civil deve ser analisado pelo juiz todo o trâmite decorrido no juízo penal que pode servir de mais um abalizamento fático jurídico para a edificação de uma sentença mais adequada (arts. 935 do Código Civil).

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