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Atletas transgêneros têm chance de disputar a Olimpíada de Tóquio?

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, é o que estabelece a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. No dia 8 de dezembro do ano passado, a maratonista Megan Youngren, de 28 anos, terminou a Maratona Internacional da Califórnia em 2 horas, 43 minutos e 52 segundos, tornando-se uma das 63 mulheres a se qualificar para os testes da Maratona Olímpica para a Olimpíada de Tóquio deste ano. Agora Megan espera entrar para a história como a primeira atleta transgênero em uma qualificatória para a Maratona Olímpica. A Olimpíada de Tóquio, neste ano, pode ser a primeira a contar com uma atleta transgênero ganhando uma medalha.

“Representa muito pra comunidade trans. E representa uma abertura da lex sportiva aos direitos humanos. Uma abertura à marcha da história. Quando olhamos para o passado, vemos que estamos caminhando no sentido certo. O esporte se acostumará”, analisa o advogado especialista em direito esportivo Vinícius Calixto.

A questão tem sido um dos grandes desafios do esporte. O movimento esportivo tem dialogado com os operadores da área, e usado a ciência como aliada na tentativa de respeitar direitos universais, preservando também o equilíbrio esportivo. O Comitê Olímpico Internacional inclusive criou um padrão.

Os homens que optarem por fazer a redesignação sexual precisam se declarar sob o novo gênero (reconhecimento civil) e ter a quantidade de testosterona controlada para poder competir em equipes femininas. O nível permitido é de até 10 nanomol por litro de sangue nos 12 meses anteriores à competição.

Essas questões chegaram ao ápice em Connecticut, nos Estados Unidos, onde um grupo cristão conservador chamado Aliança Defensora da Liberdade entrou com uma queixa legal em nome de três atletas do ensino médio que estão tentando impedir que garotas transexuais concorram na categoria de garotas. Em Connecticut, como em mais de uma dúzia de outros estados, os atletas do ensino médio podem competir na categoria que corresponde à sua identidade de gênero.

O argumento de quem é contra a presença de atletas transgêneros nos Jogos Olímpicos de Tóquio é a suposta vantagem que os competidores que passaram a fase da puberdade como homens têm perante quem nasceu mulher. O desempenho das mulheres trans geralmente diminui com a redução da testosterona. Mas nem toda vantagem masculina se dissipa quando a testosterona cai. Algumas vantagens, como sua maior estrutura óssea, maior capacidade pulmonar e maior tamanho do coração, permanecem. A testosterona também promove a memória muscular – uma capacidade de recuperar a massa muscular após um período sem treinamento, aumentando o número de núcleos nos músculos, e esses núcleos adicionados não desaparecem.

“Eu gostaria de apontar que o processo de transição exige demais de qualquer um, então mesmo que possa existir alguma vantagem física, outras desvantagens existirão, seja pelo bloqueio ou o aumento de hormônio, ou pelas pressões emocionais e sociais. Não somos iguais, nenhum ser humano é igual ao outro. Entendo que o sistema binário é a referência e que para organizar ainda utilizamos esse sistema e que o esporte precisa de parâmetros, mas essa tentativa de colocar na questão cromossômica toda a força que decide a capacidade de um esportista não me parece acertada. Concordo que é um dos fatores, mas existem outros”, afirma Mônica Sapucaia Machado, advogada especialista em direitos humanos.

O esporte pode salvar vidas de pessoas trans, já que essa parcela da população corre alto risco de suicídio. O esporte, assim, lhes dá um lugar para se sentir feliz com o corpo e com o que ele pode fazer.

“Na hora que o estado autoriza que uma pessoa possa mudar de sexo, ele não é mais uma pessoa trans, é homem ou mulher. Todos os direitos inerentes aos homens e mulheres, os trans têm. As confederações são organismos privados. Elas se baseiam em uma série de regras. Essas regras são determinadas por uma comunidade desportivas, não são legais no sentido do estado. Dentro dessas regras, têm determinações sobre o que é uma esportista feminina e masculina. A partir do momento que uma pessoa se enquadrou nas regras, essa discussão acabou. A grande questão é: o que de fato determina a vitória ou a derrota de um esportista? Qual o peso na prática do esporte dos cromossomos?”, questiona a advogada Mônica Sapucaia.

No Brasil, pipocaram projetos de lei na tentativa de barrar atletas trans das competições. Na Assembleia Legislativa de São Paulo, o PL estabelece o sexo biológico como único critério para definição de gênero entre os competidores em partidas esportivas oficiais no estado paulista.

“A minha intenção com a proposta é a de preservar o lugar das mulheres no esporte. Desde o início, reforcei que de forma alguma entraria no campo de ideologias, permaneceria no campo da ciência, biologia e da fisiologia. E são nestes quesitos que as mulheres ficam em desvantagem porque os homens têm coração e pulmões maiores, quantidade de glóbulos vermelhos superior às mulheres o que lhes garante maior capacidade respiratória”, defende Altair Moraes, autor do projeto.

Especialistas já explicaram que esses projetos são inconstitucionais, uma vez que ferem a autonomia esportiva. As entidades que cuidam dos esportes é que devem determinar as regras quanto ao funcionamento e elegibilidade, como a participação de atletas que mudaram de sexo.

A participação de atletas trans, porém, ainda sofre inúmeras críticas. Uma das vozes mais dissonantes é a da ex-jogadora de vôlei Ana Paula Henkel. “O ponto perigoso é que essa inclusão significa exclusão de mulheres. A vida tem limites. Eu acho que não existe campo mais inclusivo que esporte. Não olha raça, posição política, religião, nem nada disso. Esporte é baseado em homens e mulheres e países competindo entre si. Em momento algum atletas trans estão sendo excluídas do ambiente esportivo. São muito bem vindas como técnicas, psicólogas, estatísticas”, ressalvou Ana Paula.

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