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Atletas x UFC: Os novos desdobramentos do processo contra o Ultimate e o possível fim do monopólio no MMA

Uma notícia bombástica abalou as estruturas do mundo do MMA na semana passada.

Após anos de inatividade, os lentos procedimentos legais no processo de ex-atletas contra o UFC[1] finalmente chegaram a um ponto significativo.

Um juiz de Nevada, nos Estados Unidos, declarou na quarta-feira passada que um grupo de lutadores de MMA que está processando o Ultimate Fighting Championship por suposta supressão de seus salários pode seguir em frente como uma ação coletiva buscando indenizações estimadas entre US$ 811 milhões e US$ 1,6 bilhão.

A decisão do juiz distrital dos EUA, Richard Boulware, concede o status de ação coletiva a mais de 1.200 lutadores que competiram em lutas profissionais ao vivo de artes marciais mistas promovidas pelo UFC nos EUA entre dezembro de 2010 e junho de 2017.

O caso se iniciou em dezembro de 2014 quando os ex-UFC Cung Le, Nathan Quarry e Jon Fitch entraram com uma ação antitruste contra a Zuffa, LLC, a proprietária legal do UFC, alegando que o evento ganhou sua proeminência no mercado por meio de uma série de práticas comerciais ilegais e anticompetitivas.

Em termos simples, o processo alega que o UFC foi capaz de suprimir artificialmente a remuneração dos lutadores como resultado de sua posição de poder que, segundo eles, foi adquirida ilegalmente, e que devem ser pagas indenizações por esse ato ilícito.

Em minha obra, assim discorri sobre a questão[2]:

Especificamente, os demandantes alegaram que o UFC é um monopólio ilegal sob as Seções 1 e 2 da “Sherman Anti-trust Act”. O “Sherman Anti-Trust Act” autoriza o governo federal norte-americano a instaurar processos contra atos de truste para dissolvê-los. Qualquer combinação “na forma de confiança ou de outra forma que restringisse o comércio ou comércio entre os vários estados, ou com nações estrangeiras” pode ser declarada ilegal. A ação busca expor as supostas práticas predatórias do UFC que permitem à empresa se beneficiar do negócio ao mesmo tempo em que reprimia os ganhos de seus atletas contratados independentes (independente contractors). Os demandantes alegam que os salários do UFC geram um monopólio sobre os mercados relevantes para os lutadores. O UFC tentou arquivar o processo citando problemas como a definição do conceito de mercado dos lutadores, entre outras defesas.

Com a certificação de classe, atletas que competiram em uma ou mais lutas no UFC de 16 de dezembro de 2010 a 30 de junho de 2017, excluindo cidadãos não americanos e residentes não americanos, a menos que tenham competido em uma luta do UFC nos EUA nesse período, farão parte da ação judicial.

Eles terão a opção de não participar, mas aqueles que não o fizerem terão suas reivindicações automaticamente incluídas no processo e, se ele for bem-sucedido, terão direito à sua parte proporcional dos danos.

Como os danos podem ser triplicados em processos antitruste bem-sucedidos, a exposição do UFC pode chegar a vários bilhões de dólares.

No decorrer da análise dos autos, a Corte decidiu que os lutadores “têm legitimidade para apresentar suas reivindicações de medidas cautelares“, o que poderia ser igualmente ameaçador para o UFC, com a possibilidade de serem obrigados a fazer mudanças em suas práticas comerciais.

A Corte concluiu ainda que o Ultimate Fighting Championshipse envolveu deliberadamente em conduta anticompetitiva para manter ou aumentar seu poder de mercado” no setor, fazendo o das seguintes formas:

“Isso foi realizado principalmente de três maneiras: primeiro, através da aplicação de contratos de exclusão, que mantinham os lutadores “presos” de maneira anticompetitiva[3]; segundo, através de métodos extracontratuais para tornar os contratos dos lutadores efetivamente perpétuos; e terceiro, através da aquisição e fechamento de rivais.”

O juízo considerou que os autores estabeleceram que essas formas de conduta anticompetitiva, tanto individual quanto coletivamente, juntamente com o poder de mercado de produção dominante, permitiram que o UFC exercesse um poder de monopólio substancial sobre os atletas no mercado de entrada para serviços de luta, considerando o juízo que os autores apresentaram provas suficientes de que esse esquema representou uma violação da lei antitruste.

O juízo também concluiu que o UFC usou uma “variedade de técnicas coercitivas implacáveis para evitar que os lutadores se tornassem agentes livres – tornando esses contratos efetivamente perpétuos, mantendo um controle significativo sobre a carreira de um lutador” por vários meios, entendendo o juízo que “como os lutadores da Zuffa não eram pagos a menos que lutassem, isso permitia que a Zuffa usasse várias estratégias relacionadas ao momento, à localização, ao número e aos oponentes das lutas de um lutador para coagir os lutadores a renovar seus contratos antecipadamente ou estender seus contratos para ganhar um salário”.

Os autores da ação, segundo a Corte, estabeleceram com credibilidade que a Zuffa sistematicamente adquiriu ou forçou o fechamento de promotores rivais, citando a aquisição dos eventos Strikeforce, PRIDE etc, sendo que, para a Corte, “as aquisições horizontais do réu reforçaram seu domínio no mercado de insumos. Essas aquisições eliminaram conscientemente possíveis rivais para os quais os lutadores poderiam ter mudado. Essa conduta restringiu substancialmente a concorrência e teve efeitos anticompetitivos em todo o mercado sem nenhum benefício pró-competitivo reconhecível”.

Esse é provavelmente o maior fato a acontecer desde a legalização do MMA em grande escala, e o prosseguimento da ação já é, por si só, uma grande vitória para os lutadores.

Crédito imagem: UFC/Divulgação

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[1] Cung Le, et al. v. Zuffa, LLC d/b/a Ultimate Fighting Championship and UFC, No. 2:15-cv-01045-RFB-BNW (D. Nev.)

[2] COSTA, Elthon José Gusmão da. Aspectos jurídicos do desporto MMA. 1ª. ed. São Paulo: Mizuno, 2023. p. 109

[3] Abordei o tema em artigo anterior para o Lei em Campo: COSTA, Elthon José Gusmão da. A exclusividade nos contratos de lutadores profissionais de MMA: há prestação de trabalho intermitente? Lei em Campo, Site, 10 abr. 2023. Disponível em: https://leiemcampo.com.br/a-exclusividade-nos-contratos-de-lutadores-profissionais-de-mma-ha-prestacao-de-trabalho-intermitente/. Acesso em: 12 ago. 2023.

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