O futebol mineiro vive uma crise sem precedentes. O Cruzeiro enrolado em processos, dívidas, e com ordens de pagamentos da FIFA. O clube pode, inclusive, ser rebaixado para a série C do Brasileiro. E o rival, Atlético-MG, segue no mesmo caminho arriscado. Além de dívidas não pagas que estão sendo analisadas pela Justiça, deve salários aos atletas. Os clubes mineiros são dois dos exemplos (mesmo que em escalas diferentes) de problemas repetidos que precisam acabar no futebol. Não só pela questão moral, mas também para evitar prejuízos desportivos.
Mas não só eles, pipocam por aí exemplos de clubes brasileiros que insistem em tratar o futebol de maneira irresponsável, não cumprindo com o básico de qualquer negócio: honrar os compromissos assumidos.
Foi notícia no portal O Tempo na semana passada que os atletas do Atlético completarão três meses de salários atrasados. Como se não bastassem o problema legal (com esse tempo, a Lei Pelé no art. 31 garante ao atleta o direito de rescindir unilateralmente o contrato com o clube) e moral da inadimplência, ela vem com um agravante: o técnico Jorge Sampaoli está recebendo em dia.
A contratação de Sampaoli, quando o Galo já apresentava sérias dificuldades econômicas, foi um ato de irresponsabilidade administrativa do clube. A matemática mostra que as contas não fecham. Depois da eliminação da Sulamericana, o clube já passava a trabalhar com orçamento negativo na previsão para 2020.
Ele fez uma previsão orçamentária imaginando chegar nas quartas da Copa do Brasil e nas oitavas da Sul-americana. Já não deu certo. Só com essas eliminações, a receita prevista baixou em mais de 10 milhões de reais.
A ideia apresentada era ter uma receita de R$ 388 milhões e despesas de R$ 379 milhões, sobrando R$ 9 milhões nesse orçamento previsto. Em março, clube já tinha a certeza de déficit orçamentário.
(Isso sem falar do imprevisível, e ainda incalculável, coronavírus.)
O que se sabia antes da contratação de Sampaoli era de que nem se o Galo superasse a previsão de colocação no Brasileiro iria compensar esse prejuízo. O orçamento do Atlético prevê a receita com a sexta colocação. Nem se for campeão conseguirá os R$ 10 milhões que deixou de alcançar na Copa do Brasil e na Sul-americana. A diferença de premiação do Brasileiro do sexto para o primeiro colocado é de pouco mais de 7 milhões de reais.
Mesmo assim, insistiu e contratou um técnico que poucos clubes no Brasil poderiam pagar.
Isso é histórico, a novidade é que o movimento esportivo, enfim, começou a punir aquele clube que assume compromissos sem poder cumprir.
E ele passou a punir por dois motivos.
Primeiro, pela necessidade básica de garantir a estabilidade dos contratos, a segurança jurídica. No Direito chamado de “pacta sunt servanda“, a força obrigatória dos acordos.
Segundo, para proteger um dos princípios mais caros ao esporte, a paridade de armas, o equilíbrio entre os participantes.
O futebol não tem mais aceitado a irresponsabilidade administrativa como vinha aceitando passivamente. Claro que o Atlético corre sérios riscos.
Com relação a dívidas com atletas, algumas punições recentes mostram o prejuízo que isso pode trazer.
O Vasco e o Sport começaram a sentir algumas das mudanças. Pelo não pagamento de dívidas trabalhistas com atletas, a Câmara Nacional de Resolução de Disputas proibiu no início do ano que os clubes registrassem novos jogadores.
Claro que isso representa em pum prejuízo grande para os clubes, uma vez que interfere diretamente no planejamento do departamento de futebol. Mas, sem dúvida, que é uma ferramenta importante de se fazer cumprir a obrigação trabalhista para com o jogador.
Mas dívidas entre clubes podem trazer punições ainda mais graves para os inadimplentes.
Aí entra o caso recente do Cruzeiro. O clube foi punido pela FIFA e irá começar o Brasileiro da série B com 6 pontos a menos na tabela. Como o clube tem outros casos de punição estabelecidos pela FIFA, a reincidência pode acarretar até em rebaixamento para a série C, como diz o artigo 15 do Código Disciplinar da FIFA.
Ou seja, o mundo do esporte também começou a exigir uma gestão profissional. Cada vez mais imprensa, torcedores, atletas e comunidade esportiva cobram que as entidades que comandam o esporte tenham mecanismos que protejam a instituição de vícios de uma gestão amadora ou desonesta.
Clubes precisam se proteger também internamente para evitar esses comportamentos, ou, pelo menos, dificultá-los.
Planos de integridade estão no topo das principais organizações empresariais do mundo. E no esporte, eles também começam a aparecer e mostrar o tamanho da importância que têm. São vários os exemplos de clubes que insistem em contrariar o óbvio, e continuam tratando o clube como um grande negócio de compadres.
Repito, o esporte não tem mais espaço para amadores. Quem não entendeu isso ficará para trás. Aliás, já está ficando
Já escrevi que não acho necessário que um clube se transforme em empresa para ter uma administração profissional. Mas é indispensável que ele seja tratado de maneira responsável, tendo profissionais preparados para cada área de atividade.
E isso exige decisões difíceis, como abrir mão de contratar um técnico de ponta, mas que não caiba dentro do orçamento.
Além disso, é também fundamental a fiscalização dos Conselhos, e uma participação ativa dos sócios, exigindo transparência e cobrando responsabilidade administrativa. Tudo para proteger a história, e o patrimônio dessas instituições.
Já se viu que o esporte está começando a se proteger através de uma autorregulação mais eficiente. E na legislação estatal também existem caminhos para punir o gestor irresponsável e/ou criminoso.
Ou seja, ou os clubes se organizam, ou, cedo ou tarde, serão punidos. Desportivamente.
E, quem sabe, os dirigentes que colocaram a instituição em risco também sejam responsabilizados. Caminhos jurídicos para isso já existem.
Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo