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Autonomia das entidades desportivas e a Justiça do Trabalho

A Constituição da República Federativa do Brasil completou 32 anos no último dia 5 de outubro.

O artigo 217 da Carta Magna afirma que é dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um, observada a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento.

Outrossim, o desporto, como direito individual, tem como base o princípio da autonomia, definido pela faculdade e liberdade de pessoas físicas e jurídicas organizarem-se para a prática desportiva (art. 2º da Lei Pelé).

Dois recentes episódios fortaleceram a ideia de que o referido dispositivo constitucional não tem sido observado por parte da Justiça do Trabalho.

Em recente episódio um juiz do trabalho do Rio de Janeiro determinou a suspensão de uma partida entre Palmeiras e Flamengo que seria disputada em São Paulo em jogo válido pelo Campeonato Brasileiro. Felizmente a decisão foi cassada, pouco antes do início da partida, em decisão proferida em Correição Parcial pela Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho[1].

Não há dúvidas de que o atleta profissional é um empregado, que exerce uma atividade especial, mas que está submetido à Justiça do Trabalho. Logo, um juiz do trabalho terá autoridade e competência para impedir um atleta profissional de participar de uma partida, caso haja risco para a sua saúde, como poderia fazê-lo em relação a um empregado de qualquer outra empresa no tocante ao exercício de suas atividades contratuais.

Contudo, o juiz do trabalho não poderá determinar a suspensão de uma partida, na medida em que tal prerrogativa é de competência da Justiça Desportiva. Afinal, dispõe o Parágrafo primeiro do art. 217/CF que O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.

Em episódio mais recente a juíza da 13ª Vara do Trabalho de Vitória expediu mandado no qual se determinou a intimação do Presidente da Federação de Futebol do Estado do Espírito Santo para que se abstenha de registrar quaisquer novos jogadores pelo time Rio Branco Atlético Clube até ulterior determinação daquele juízo, o que ocorrerá quando houver a garantia integral da execução no importe de R$ 50.197,93.[2]

Tal determinação tem o condão de coagir o clube a efetuar o pagamento da execução, mas deixa de observar o princípio da autonomia dos dirigentes e das entidades desportivas.

Com efeito, não há razoabilidade em se impor critérios de âmbito exclusivamente desportivo com a finalidade de garantir o cumprimento de execução trabalhista. O juiz do trabalho dispõe de meios coercitivos para assegurar o cumprimento de suas decisões sem a necessidade de violação da Constituição Federal.

Importante observar que tal determinação inviabiliza a atividade do clube e ao invés de estimular o cumprimento da dívida, contribuirá para arruinar de uma vez por todas as finanças da entidade de prática desportiva que ficará impedida de registrar novos atletas, o que poderá provocar um desequilíbrio nas competições.

Conforme demonstrado, o artigo 217, I, da Constituição Federal preceitua a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento, fato este que representa e materializa compreensão das peculiaridades inerentes à prática do desporto no âmbito nacional e internacional.

Alçada a autonomia das entidades desportivas e dirigentes como princípio constitucional, impede-se que venha a ser desfigurado ou sofrer restrições de qualquer natureza. Neste sentido deve ser sempre celebrada a lição do saudoso professor Álvaro Melo Filho quando afirma que “violar qualquer princípio, ainda que implícito, é tão afrontoso, como o que esteja expresso. Vale dizer, violar um princípio, mormente de status constitucional, é muito mais grave do que transgredir uma norma”[3]

A Constituição Federal assegura o direito ao desporto de forma independente de outros direitos fundamentais como o lazer, a educação e a saúde. O desporto tem como um de seus objetivos o próprio desenvolvimento da pessoa. Logo, o exercício desse direito não pode sofrer limitações.

Vida longa à Constituição Cidadã de 1988!

……….

[1] Constou da decisão: “Considerando a aparente incompetência territorial do juízo prolator da decisão, localizado no Estado do Rio de Janeiro, que suspendeu partida de futebol a ser realizada fora dos limites de sua jurisdição, no Estado de São Paulo, nos exatos termos do art. 53, III, “d”, do Código de Processo Civil em vigor, combinado com o art. 16 da Lei da Ação Civil Pública […]a decisão proferida nos autos da referida ação civil pública excedeu os limites da competência territorial do juízo prolator, pois, sediado no Rio de Janeiro, não poderia determinar a suspensão de partida de futebol a ser realizada em outro Estado da Federação, em São Paulo”.

[2] Decisão proferida nos autos da RT 0000112-38.2017.5.17.0013

[3] MELO FILHO, Álvaro. Da Autonomia Desportiva no Contexto Constitucional. Disponível em: file:///C:/Users/mauricio/Downloads/20022-Texto%20do%20artigo-48342-1-10-20170814%20(1).pdf . Acesso realizado em 05.10.2020

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