Os dois últimos domingos foram marcados por corridas bastante movimentadas na Fórmula 1. No dia 6, o circuito de Monza foi palco da surpreendente vitória de Pierre Gasly; no dia 13, Mugello testemunhou – com público nas arquibancadas pela primeira vez na temporada – a 90ª (nonagésima!) vitória de Lewis Hamilton, agora a apenas uma de igualar Michael Schumacher como maior vencedor da história da categoria.
Se os resultados das etapas foram bastante diferentes, ambas tiveram em comum um fato não muito usual: a interrupção da corrida com bandeira vermelha. A excepcionalidade é tamanha que, conforme informado na transmissão da TV Globo, esta foi apenas a terceira vez em que dois grandes prêmios seguidos foram interrompidos com bandeira vermelha – sendo que no do último domingo isso ocorreu duas vezes.
Sabe-se que o automobilismo há muito utiliza as bandeiras amarela e vermelha como instrumentos para lidar com determinados riscos que surgem ao longo de uma sessão (corrida, treino classificatório, treino livre…). Nos termos do Anexo H do Código Desportivo Internacional da FIA, a bandeira amarela “é uma sinalização de perigo”, que demanda redução de velocidade e impede ultrapassagens até que exibida a bandeira verdade mais adiante. E pode ser agitada de forma simples ou dupla: a primeira hipótese se dá quando há perigo fora da pista ou em parte dela; a segunda ocorre em caso de bloqueio parcial ou total da pista, e/ou quando há fiscais atuando na pista ou ao lado dela. O mesmo Anexo H indica ainda bandeira vermelha como sinal para interromper a sessão, também exigindo redução de velocidade até o retorno aos boxes e vedando ultrapassagens.
Na década de 90, a essas bandeiras se acrescentou de forma definitiva aos regulamentos da Fórmula 1 o safety car. O regulamento esportivo da categoria em 2020 indica o uso do veículo quando “competidores ou oficiais estejam em risco físico imediato na pista ou perto da pista, mas as circunstâncias não ensejem a suspensão da corrida”. E ainda mais recentemente, em 2015, instaurou-se na categoria o virtual safety car, aplicável em hipóteses de bandeira amarela agitada duplamente.
Especificidades à parte, fato é que todos esses instrumentos previstos na Lex Sportiva têm como objetivo final a ampliação da segurança. Evidentemente, o automobilismo contém riscos inerentes à sua prática, que eventualmente causam acidentes graves e até mesmo fatais. Mas quem acompanha Fórmula 1 há bastante tempo nota uma nítida evolução nos padrões de segurança da categoria. Os acidentes ocorridos nas duas últimas corridas – dos quais os pilotos felizmente saíram ilesos, apesar da aparente violência dos impactos – são bons exemplos desses avanços. Desde a formação de barreiras de pneus até a instalação do halo nos carros, são diversas as medidas adotadas nas últimas décadas que contribuem para a ampliação da segurança. Mas vale destacar duas delas, muito perceptíveis aos olhos dos espectadores.
A primeira é a própria estrutura dos carros e da célula de sobrevivência. Basta assistir a algum vídeo de corridas antigas (especialmente até o início da década de 90) para constatar que naquela época era possível ver boa parte do tronco e dos braços dos pilotos; atualmente, mal se veem os ombros dos pilotos, e mesmo o capacete fica “escondido” por trás do halo. Em resumo, os pilotos ficam menos expostos em caso de acidentes – e tudo isso graça a especificações dos carros, estabelecidas na Lex Sportiva, que visam justamente a maior proteção dos pilotos.
A segunda medida diz respeito justamente às intervenções de safety car, e remete ao lamentável acidente que vitimou o promissor piloto Jules Bianchi, em 2014. Num chuvoso grande prêmio do Japão, Bianchi saiu da pista e, na área de escape, chocou-se com um trator que fazia a retirada de outro carro que havia escapado no mesmo local. Não por acaso, precisamente no ano seguinte o regulamento esportivo da Fórmula 1 passou a contemplar o virtual safety car.
Desde então, parece haver uma maior quantidade de intervenções de safety car (virtual ou não). Se antigamente era comum a corrida continuar enquanto um carro era içado da área de escape, com bandeira amarela apenas naquele setor, atualmente é usual o acionamento do satefy car (no mínimo, em sua modalidade virtual) quando há um carro parado ou sendo retirado ao lado da pista. Assim, torna-se mais remota a chance de ocorrer acidente similar ao que vitimou Jules Bianchi.
Sob o prisma específico do direito desportivo, vale destacar sua importância na evolução dos níveis de segurança da Fórmula 1: por mais importantes que sejam a experiência e o bom senso da direção de prova para determinar a medida mais adequada a cada situação (bandeira amarela ou vermelha, safety car…), é nos regulamentos estabelecidos pela FIA, que se encontram todos os mecanismos à sua disposição. Em outras palavras, é a Lex Sportiva que cria cada uma dessas ferramentas e estipula em que circunstâncias cada uma deve ser acionada.
Enfim, se a bandeira amarela muitas vezes interfere pouco na corrida, não é raro que as intervenções de safety car e bandeira vermelha contrariem os anseios dos espectadores ao mudar sua dinâmica ou mesmo interrompê-la. Ainda assim, essas medidas serão bem-vindas sempre que ocorrerem em conformidade com as normas da FIA e visando à segurança de todos os envolvidos. Afinal, esse é efetivamente a razão de ser do estabelecimento desses mecanismos pela Lex Sportiva.