A decisão de banir da ginástica o técnico Fernando de Carvalho Lopes deve gerar jurisprudência para os casos de abuso sexual no Brasil. “Esse caso é um leading case, porque é um caso a ser estudado pelos operadores do direito esportivo. Vai gerar um precedente muito importante. Vai servir para outros casos de abuso. Estão pipocando casos de abuso, isso é precedente para a esfera criminal, cível, em todas as instâncias”, afirmou o advogado Alexandre Miranda, do escritório CSMV Advogados, que representou os quatro atletas que denunciaram o treinador.
No domingo (31), o Superior Tribunal de Justiça Esportiva (STJD) da Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) baniu Fernando e ainda o multou em R$ 1,6 milhão por conta dos abusos cometidos contra os atletas enquanto ele era treinador do clube MESC, em São Bernardo do Campo, e da seleção brasileira de ginástica.
A decisão do STJD da ginástica agora será usada para ajudar as vítimas na busca pelo ressarcimento na Justiça comum.
“Na Justiça esportiva não se indenizam vítimas. A Justiça esportiva trata apenas de matéria disciplinar, punições esportivas. A reparação por esse dano é na Justiça comum. Com essa decisão, outros atletas devem se sentir acolhidos, possivelmente nos procurar. E vamos buscar indenização por danos morais, materiais, por conta do abalo, da tortura psicológica”, resumiu Alexandre.
No primeiro julgamento, realizado em novembro do ano passado, Fernando havia sido suspenso por quatro anos, o que revoltou os advogados dos atletas. “Esse ex-técnico cometeu diversos abusos físicos, tortura psicológica, dizia que tinha de tocar as partes íntimas dos atletas por causa dos movimentos técnicos. Ele usou de subterfúgios para abusar dos atletas. E quatro anos é a pena base para casos de doping. Era uma pena branda. Por isso, pedimos para que a CBG usasse um artigo do estatuto da Federação Internacional de Ginástica (FIG) que fala em banimento do esporte por conta de graves condutas”, disse Alexandre.
Fernando foi acusado por diversos ginastas que treinaram sob o comando dele em São Bernardo de assediá-los. O caso tornou-se público às vésperas da Olimpíada do Rio, em 2016, quando os pais de dois alunos procuraram o Ministério Público, e Fernando acabou afastado do cargo de treinador da seleção brasileira.
Depois, em abril desse ano, uma extensa reportagem do Fantástico ouviu diversos relatos de que os abusos eram cometidos havia anos. Então contratado pelo MESC, clube de campo de São Bernardo, Fernando foi inicialmente afastado de suas atividades.
A defesa de Fernando alegou que as acusações estavam prescritas e que ele não tinha outro ofício, porque ele somente tinha a arte de educar. “Se isso é arte de educar, não sei o que é educar. O esporte serve como ferramenta de educação. Ele é um ser humano de um psiquismo perverso. Falar em arte de educar com essas atrocidades é um absurdo. Ele cometeu pedofilia, estupro de vulnerável. A legislação criminal foi alterada, não há necessidade de relação carnal para ser considerado estupro mais”, alertou o advogado.
Além da punição recebida pelo STJD da ginástica e da possível punição pela Justiça comum, Fernando ainda terá de prestar outros esclarecimentos ao Conselho Regional de Educação Física (CREF), onde a defesa dos atletas pede que ele tenha a licença cassada, para que nunca mais volte a trabalhar com esporte. Tem também a esfera criminal, para que ele seja preso por conta dos crimes cometidos; o Conselho Tutelar de São Bernardo do Campo, onde fica o MESC, clube em que ele trabalhava; e também o Ministério Público, que apura desvios de verba pública por Fernando.
“Esse caso é muito grave. O Fernando exercia um papel de confiança tremenda. Os pais confiaram ao Fernando a própria guarda dos filhos. É o caso mais grave da Justiça esportiva”, finalizou Alexandre Miranda.