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Batalha jurídica sobre Superliga Europeia ganha primeiro capítulo

A Superliga Europeia voltou a ser tema de discussão jurídica nesta quarta-feira (12).O juiz Manuel Ruiz de Lara, do Tribunal Mercantil 17 de Madrid, submeteu uma questão prejudicial ante o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJEU)– o tribunal supremo de todos os tribunais da União Europeia –, sediado em Luxemburgo, para que esclareça se há abuso de posição dominante, por parte da Uefa e da Fifa, ambas beneficiárias do direito de explorar comercialmente competições de futebol no continente europeu e, ao mesmo tempo, do poder de impedir que se organizem outras competições rivais.

Na prática, a movimentação nada afeta a decisão proferida pelo Tribunal Mercantil de Madrid, em abril, que garantiu respaldo jurídico aos clubes envolvidos na Superliga proibindo que a Uefa, Fifa e federações nacionais apliquem punições aos envolvidos na criação do projeto.

“É uma decisão liminar, sem a oitiva da parte contrária. O Tribunal entendeu haver evidência do direito alegado pela autora – a sociedade constituída para organizar a Superliga –, e risco de perecimento desse direito em caso de demora da solução da questão pelo poder judiciário. Assim, a liminar que, de maneira muito resumida, impede Fifa e Uefa de aplicarem sanções a clubes e/ou atletas envolvidos na Superliga, permanece em vigor. Com a questão prejudicial, a ação ajuizada em Madrid permanece suspensa até que o Tribunal de Justiça da União Europeia decida essa questão prejudicial. Até lá, Fifa e Uefa seguem impedidas de aplicar sanções nos termos da decisão liminar proferida”, avalia Tiago Gomes, advogado especialista em direito concorrencial.

“É o primeiro passo para uma extensa batalha jurídica, cujo potencial é explosivo. Resta saber se a explosão vai ser inócua ou se vai ser forte o suficiente a ponto de abalar o sistema desportivo piramidal tradicional europeu como conhecemos. Há precedentes no âmbito europeu voltados à defesa da concorrência na organização da indústria desportiva, ainda nenhum deles, porém, específico ao futebol, tampouco a algo como a Superliga. Vai ser um debate interessante. A saída da FIFA/UEFA deve ser inteligente, criativa e pragmática, não apenas do ponto de vista jurídico, mas econômico e mercadológico. É evidente, portanto, que o discurso não vai se agarrar à simples narrativa proibitiva e monopolizadora”, afirma Victor Targino, advogado especialista em direito desportivo.

O juiz elaborou seis questionamentos ao TJEU relativos à interpretação dos artigos 101 e 102 do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE).

“Se FIFA e UEFA, como entidades que se atribuem a competência exclusiva para organizar e autorizar competições de clubes de futebol internacionais na Europa, proibirem ou se opuserem, baseando-se nas disposições de seus Estatutos, ao desenvolvimento da Superliga, deveria interpretar-se o artigo 101 do Tratado no sentido de que tais restrições à concorrência poderiam beneficiar-se da exceção estabelecida nesta disposição, já que limita de forma substancial a produção, impede a aparição de produtos alternativos aos oferecidos por FIFA/UEFA no mercado e restringe a inovação, ao impedir outros formatos e modalidades, eliminando a concorrência potencial no mercado e limitando o poder de escolha do consumidor?”, questionou Manuel Ruiz de Lara.

O artigo 101 do TFUE afirma que: “são incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno”.

E tem uma disposição final que afirma: “as disposições no nº 1 podem, todavia, ser declaradas inaplicáveis: — a qualquer acordo, ou categoria de acordos, entre empresas, — a qualquer decisão, ou categoria de decisões, de associações de empresas, e — a qualquer prática concertada, ou categoria de práticas concertadas, que contribuam para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou para promover o progresso técnico ou económico, contanto que aos utilizadores se reserve uma parte equitativa do lucro daí resultante”.

Assim o questionamento visa a esclarecer se a conduta de Fifa e Uefa poderiam se enquadrar na exceção à regra estabelecida no artigo 101 do TFUE.

O Tribunal também questiona se “tal restrição se beneficiaria de uma justificativa objetiva que permitiria considerar que não há abuso de posição dominante no sentido do artigo 102 do TFUE?”

O artigo 102 do TFUE afirma: “é incompatível com o mercado interno e proibido, na medida em que tal seja suscetível de afetar o comércio entre os Estados-Membros, o fato de uma ou mais empresas explorarem de forma abusiva uma posição dominante no mercado interno ou numa parte substancial deste”.

Uma terceira questão está centrada nas sanções que UEFA e FIFA podem impor. O Magistrado madrileno pergunta se tais sanções – exclusão de competições ou proibição de participar em partidas de seleções – violam os artigos 101 e 102 do TFUE.

“O Tribunal de Mercantil de Madrid, reconhecendo que as condutas da FIFA e da UEFA, tal qual narradas na ação, podem afetar o direito da União Europeia, requereu a instauração de uma questão prejudicial – isto é, que deve ser decidida antes do julgamento do mérito da ação – para que o Tribunal de Justiça da União Europeia, o órgão máximo do poder judiciário europeu, aprecie a licitude de tais condutas à luz do direito comunitário”, analisa Tiago Gomes.

O juiz alega em sua questão prejudicial que existe um evidente conflito de interesses que afeta, de forma direta, a UEFA e a FIFA, já que nos artigos 49 a 51 da UEDA e 22 e 51 a 53 da FIFA, elas se atribuem a “competência exclusiva para organizar ou autorizar competições internacionais de clubes na Europa”. Tal situação impede que uma terceira entidade “estabeleça uma competição de clubes pan-europeia como a Superliga” sem que exista um procedimento estabelecido, baseado em critérios objetivos, transparentes e não discriminatórios.

Também questiona ao TJUE se os estatutos da Fifa, que identificam a Uefa e as suas federações nacionais como “titulares originais de todos os direitos derivados das competições” não estariam privando a qualquer organizador de competições alternativas da propriedade original de tais direitos, arrogando-se a responsabilidade exclusiva de sua comercialização.

“Quando se analisa o conteúdo dos questionamentos formulados pelo magistrado de Madrid vê-se que elas abordam de maneira estruturada as mesmas questões que foram apreciadas pelo Tribunal Europeu no caso da ISU, como o conflito de interesses entre quem organiza competições e tem o poder de decidir que terceiros não organizem; a ausência de proporcionalidade nas sanções aplicáveis; e, a falta de um procedimento claro para autorizar competições organizadas por terceiros. Naquele caso o Tribunal Europeu entendeu que havia uma violação ao Tratado. Caberá à Fifa e à Uefa demonstrar que, no caso da Superliga, não há essa violação”, finaliza Tiago Gomes.

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