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Batizados no futebol

Apelido é o nome particular usado no lugar do nome próprio. No futebol, chamar o jogador pelo apelido é como passar um recado. Trazê-lo pra perto. Dizer que o conhece, e que sabe o que ele faz. Pelo menos, que sabe mais do que muita gente. Como uma banda que se ouve antes de todo mundo, e depois dá um ciúme quando começam a ouvir também.

No rádio, apelidar quem entrava em campo era coisa comum. E, com todo o respeito à escolha feita pela mãe do sujeito no momento da nascença, era a vida dando outra chance de se fazer justiça. Desnecessário registro no cartório, o novo nome, o de verdade, era o que ficava eternizado na história. Bastava que fizesse algo cujo simples nome próprio não fosse mais capaz de carregar. Pelo menos foi assim com um Joãozinho. Entre tantos, esse corria com a bola quase colada nos pés, e tinha um balanço que desconcertava os marcadores. Foi rebatizado. O “Bailarino da Toca”. Ainda moleque, haveria de protagonizar uma das irresponsabilidades mais festejadas da história do futebol quando, antes mesmo de o juiz autorizar, roubou a bola do Nelinho e bateu a falta que não era sua. Certeiro. Se tivesse errado, voltaria a ser João.

O mesmo aconteceu quando, contam, o Waldir Amaral viu o Zico (que já era apelido) fazer o que fazia. O menino de Quintino, subúrbio do Rio de Janeiro, que corria como um galo, todo cabeludo, campo afora. “o Galinho de Quintino”.

Até aqui chegados, de fácil percepção que o apelido não é algo que o dono que o carrega possa escolher. Pouco democrático, é verdade. É o apelido quem escolhe o jogador. E, apesar de só aparecer a uma certa altura, é como se sempre tivesse estado ali. Escondido em algum lugar, esperando pra ser revelado.

Além da rádio, tem apelido que vem de dentro de casa. Ou da torcida. Como no caso do Heleno, cujo temperamento fez com que um grupo de amigos, e a torcida, o chamasse de Gilda. Esse, só vendo o filme pra entender. E quem viu, concorda. Segundo gosta de contar o meu avô Gumercindo, o jogador tinha um gênio irascível, mas, dentro de campo, era como uma dançarina num salão de Buenos Aires.

Daí pra frente, poderíamos passar o dia lembrando dos renomeios e rebatismos. Como o “Doutor”, que trocou o jaleco pelas chuteiras. Poderia ter descoberto a cura pro que quisesse caso a medicina fosse exercida com o capricho do que fazia com as pernas.

Aliás, tendo elas como homenageadas, haveriam vários, claro. Garrincha, segundo contam, já era um apelido que tinham dado ainda criança, em homenagem a um passarinho feio e muito rápido que tinha lá em Magé. Mais tarde, também do rádio, o “Anjo das Pernas Tortas” ganhou mais esse. E mereceu.

Alguém atento o bastante vai perceber que, além dos jogadores, também as jogadas podem ganhar nomes próprios. Basta que sejam memoráveis o suficiente pra merecê-los. Chaleira que não faz chá, chapéu que não vai na cabeça, letra que não diz nada, caneta que não escreve, bicicleta que não sai do lugar. Aliás, contam que a bicicleta foi o “Diamante Negro” que inventou, ou, pelo menos, popularizou. Esse apelido foram buscar lá na Europa. De onde veio o “Fenômeno” e a coroação do “Imperador”.

São palavras que tiveram uma segunda chance pra dizer o que nasceram pra dizer, mas ainda não sabiam. Um dialeto inteiro, construído a partir do que se vive semana após semana. Domingo após domingo. Nascido do contar de histórias. Forjado a quantas vozes. Verdade seja dita, a vida é melhor onde se chama de xícara o jogador plantado na área com as mãos na cintura ou de fominha o que come a bola sem dividir o pão.

Porque não a vejo mais com tanta frequência, penso se a coisa da renomeação caiu em desuso. Quem sabe, ainda é uma peripécia do rádio – onde a missão do locutor é alimentar a imaginação, e os olhos chegam pelos ouvidos.

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