A tentativa do Governo Federal de acelerar o processo de regulamentação do mercado de apostas esportivas no país trouxe lacunas nas regras impostas pelo Ministério da Fazenda. Ainda antes de o mercado regulado começar a funcionar de fato, a partir de 1º de janeiro de 2025, bets já invalidaram decisões da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) por meio de recursos nos estados, na Justiça e pela compra de empresas licenciadas.
Esse cenário fica evidente ao analisar o aumento nos pedidos de licença na Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj). De acordo com a Folha de S. Paulo, até 17 de setembro, quando o governo anunciou que bloquearia, a partir de 11 de outubro, os sites que não tivessem solicitado a permissão federal ou detivessem uma licença estadual, havia 20 bets à espera de aprovação no estado. O número saltou para 77 na última sexta-feira (18).
Nesse sentido, a Loterj está se movimentando para se firmar como alternativa nacional de licenciamento de bets, mesmo em meio à contestação do governo. Recentemente, a Advocacia-Geral da União (AGU) acionou a Justiça para limitar a operação da loteria ao território fluminense.
No dia 1º de agosto, a Loterj conseguiu uma liminar na Justiça Federal do Distrito Federal para operar em todo o país. Quatro dias depois, o governo conseguiu derrubar a decisão. No entanto, a loteria fluminense afirma que segue faturando as apostas no Rio de Janeiro e, por conta disso, estaria regular.
Bets com licença estadual podem operar nacionalmente?
O veredito da disputa judicial entre a AGU e a Loterj, além das bets, deverá definir como funcionarão, na prática, as regras do Ministério da Fazenda, que são a principal ferramenta na tentativa de combater a lavagem de dinheiro, a dependência e a propaganda abusiva ligadas às bets.
“Há diferentes interpretações sobre esta questão. O Ministério da Fazenda entende que as licenças emitidas por estados e municípios permitem uma atuação limitada ao âmbito dos seus territórios, nos termos do art. 35-A da Lei nº 13.756. Assim, a atuação nacional de entidades com essas licenças seria ilegal. Por outro lado, estados emitem licenças que permitem a atuação nacional por entenderem a lei de uma maneira distinta. De fato, quem vai dizer qual caminho deve ser seguido é a Justiça”, afirma a advogada Fernanda Soares, especialista em direito desportivo.
Leandro Pamplona, advogado e professor, ressalta que o tema é bastante complexo e admite diversas interpretações. Contudo, lembra que a questão já tem o parecer de um dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
“No último dia 18, o Ministro Luiz Fux, em seu voto na ADI 7640, indicou a vedação de que um estado comercialize serviços lotéricos a pessoas fisicamente localizadas no território de outro e que veda a exploração multijurisdicional desses serviços, seguindo o art. 35-A da Lei nº 13.756/2018, parágrafos 4º, 5º e 6º. O magistrado aproveitou para declarar inconstitucional a possibilidade de fazer propaganda em outro estado. Por sua vez, o Ministro Gilmar Mendes pediu vista, e o processo agora aguarda seu voto. Isso significa que, no atual cenário, tomando por base o voto do Ministro Fux, para evitar ‘disputas fratricidas’ entre estados, municípios e a União, a exploração de serviços lotéricos pelos estados está limitada às pessoas localizadas em seu território”, diz o especialista.
Diferenças entre as licenças
Na ação judicial, a AGU cita um risco de competição predatória entre os entes federados para receber os sites de apostas, caso a União perca no imbróglio contra a estatal fluminense.
A Loterj, por exemplo, não requer certidões de “nada consta” de todos os envolvidos na rede societária das empresas de apostas. No Rio, a outorga é de R$ 5 milhões, válida por cinco anos, e a tributação é de 5%.
Já para obter a licença nacional, o governo exige documentações de todas as pessoas ligadas às empresas controladoras e controladas pelo CNPJ que deseja receber a outorga. Além disso, pede um plano de negócios detalhado, com projeções financeiras e demonstrações contábeis específicas. Uma bet que decidir atuar no país terá de pagar R$ 30 milhões para obter a licença de operação, e a tributação será de 12% sobre o valor arrecadado pelas empresas após deduções.
O caso Esportes da Sorte
O caso envolvendo a Esportes da Sorte, patrocinadora máster do Corinthians, Athletico, Grêmio e Bahia, é um exemplo das principais brechas regulatórias exploradas pelas bets.
A empresa foi barrada na lista inicial do Ministério da Fazenda das bets com permissão temporária para atuar até o fim do ano, mesmo tendo cumprido os requisitos de solicitação de licença federal até 20 de agosto e informado à pasta as marcas operadas até 30 de setembro.
A Esportes da Sorte, então, adquiriu o site Apostou.com, já licenciado pela Loterj. Em menos de uma semana, a empresa conseguiu a licença para operar no Rio de Janeiro e, por consequência, no resto do país até o final do ano.
A empresa afirma que a troca de posse da licença ocorreu “após avançada análise de documentação pela Loterj”. No entanto, o processo levou menos de uma semana, enquanto o Ministério da Fazenda pede cinco meses para avaliar toda a documentação exigida para conceder a autorização. Segundo a pasta, a emissão de autorizações e a fiscalização em cada estado são de responsabilidade da autoridade local.
No último dia 16, a Esportes da Sorte conseguiu reverter, na Justiça, a restrição imposta pela SPA. Desde então, a empresa foi incluída na lista do governo das bets que têm autorização temporária para atuar até o fim do ano por ter cumprido os requisitos da secretaria.
Loterj aciona o STF
A Loterj ingressou com uma contestação no STF para manter a atuação nacional de sites de apostas que possuem licença estadual. A loteria se posiciona contra um pedido do governo federal para que a Corte suspenda as empresas que atuam fora do território carioca e estão cadastradas na loteria da região.
A Loterj argumenta que sua atuação está amparada por decisões do próprio STF, que reconhecem a competência dos estados para explorar e regulamentar serviços lotéricos. A entidade afirma ainda que “implementou um robusto sistema de prevenção à lavagem de dinheiro, incluindo identificação rigorosa de clientes, monitoramento de transações e reporte de atividades suspeitas”.
Por sua vez, a AGU sustenta que a loteria do estado não tem competência para conceder permissão para que as bets cadastradas na entidade possam atuar em nível nacional.
“A atuação em âmbito nacional desobedece às regras do Ministério da Fazenda e invade a competência da União ao explorar serviços de loteria em todo o território nacional”, destaca o documento protocolado no STF.
Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo
Este conteúdo tem o patrocínio do Rei do Pitaco. Seja um rei, seja o Rei do Pitaco. Acesse: www.reidopitaco.com.br.