Na semana passada, o ‘UOL Esporte’ revelou que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) acatou uma ordem judicial e bloqueou os registros de três jogadores do Atlético-MG – Allan, Guilherme Arana e Guga – para transferências futuras por conta de dívidas do clube com o empresário André Cury. A informação deixou muitos torcedores indignados, que questionaram a força desses agentes no futebol brasileiro e os montantes cada vez maiores ganhos por eles.
“Não é incomum vermos clubes prometendo altas cifras aos intermediários como uma forma de captar jogadores por eles representados. Na escala de pagamento dos clubes, via de regra, o intermediário é um dos últimos, senão o último, a receber o que lhe é devido. Isso faz com que os clubes acabem acumulando dívidas perante os agentes, não restando outra opção a estes senão acionar o judiciário ou o foro competente para cobrar o devido”, afirma Pedro Juncal, advogado especialista em direito desportivo.
Luiz Marcondes, advogado especializado em direito desportivo, cita que isso ocorre pela falta de uma limitação dos valores de comissionamento.
“Até o momento, o regulamento sobre intermediários da Fifa ou das Associações Nacionais (RNI) não limitam os valores de comissionamento, então, naturalmente isso fica no campo negocial. É comum que os principais agentes, com os principais atletas do mercado, possam exigir valores diferentes da média do mercado. Em alguns casos os clubes negociam, firmam contratos, e não pagam. Diante disso, é claro que esses intermediários vão buscar o que é de direito na justiça comum ou em outros órgãos”, explica o especialista.
É importante ressaltar a importância do agente para o jogador. Ele é responsável por conhecer pessoas certas para impulsionar a carreira do atleta, na prática, fazer “a ponte” entre o profissional do futebol e o clube interessado. No entanto, parece que alguns faturam mais até do que muitos jogadores.
No caso da semana passada, o pedido foi feito pela 39ª Vara Cível de São Paulo e visava bloquear os direitos econômicos desses três atletas. A medida busca garantir que o clube quita sua dívida, caso esses jogadores de alto potencial financeiro sejam negociados. O empresário pede a retenção para receber comissões pela contratação do atacante Franco Di Santo, que chegam a R$ 1,4 milhão.
No futebol brasileiro, alguns empresários ganham valores inimagináveis. Para se ter uma ideia, o empresário André Cury, que é considerado um dos mais influentes do país, já ajuizou ao menos 25 ações (estimadas em R$ 52 milhões) contra o Atlético-MG por comissões de jogadores negociados. Recentemente, o São Paulo foi condenado a pagar R$ 25 milhões a esse mesmo agente.
Cenário pode mudar a partir deste ano
Em dezembro do ano passado, a FIFA divulgou um relatório de seu sistema de transferências (TMS, em inglês) na qual revela que os intermediários de jogadores faturaram cerca de US$ 500,8 milhões (R$ 2,86 bilhões) em comissões durante o ano de 2021. O número é ligeiramente maior que em relação a 2020 (US$ 497,5 milhões), que sofreu uma queda importante na comparação com 2019 (US$ 654,7 milhões) por conta da pandemia de Covid-19.
Esses valores poderão mudar drasticamente a partir do ano que vem. Isso porque não é novidade para ninguém que a Fifa está “incomodada” com os valores obtidos pelos agentes de futebol, que só aumenta, e desde 2017 estuda maneiras para regulamentar a atividade. A entidade máxima do futebol pretende estabelecer um novo código de conduta e um processo de regularização desses agentes (licenciamento obrigatório), algo que já existiu no passado, mas que foi deixado de lado em 2015 pelo então presidente da Fifa, o suíço Joseph Blatter.
“Ainda pendente de aprovação pelo Conselho, que deverá analisá-lo em março do ano que vem, o novo Regulamento dos Agentes, não mais intermediários, ainda é uma incerteza, devido ao seu sigilo. No entanto, já são especulados alguns pontos que prometem ser positivos e outros muito negativos, que, por sua vez, devem ser levados para a apreciação dos Tribunais Europeus pela classe dos agentes”, avalia João Paulo di Carlo, advogado especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.
“Até o momento, o regulamento sobre intermediários da Fifa ou das Associações Nacionais (RNI) não limita os valores de comissionamento, então, naturalmente isso fica no campo negocial. É comum que os principais agentes, com os principais atletas do mercado, possam exigir valores diferentes da média do mercado. Em alguns casos os clubes negociam, firmam contratos, e não pagam. Diante disso, é claro que esses intermediários vão buscar o que é de direito na justiça comum ou em outros órgãos”, explica Luiz Marcondes.
Entre as medidas previstas estão: limite de 10% caso o agente atue em nome do clube vendedor, 6% pelo clube comprador e 3% pelo jogador, segundo a imprensa europeia. Além disso, a Fifa pretende proibir os empresários de participarem de mais de um lado nas negociações de jogadores.
Especialistas divergem sobre essa suposta fixação de limites máximos sobre o percentual de lucros dos empresários.
Para Pedro Juncal, é uma medida descabida e servirá apenas para criar um monopólio dos “grandes” agentes.
“Um dos argumentos da FIFA para ensinar a fixação de ‘cap’ é de que os agentes estão lucrando mais em transferências de atletas do que os clubes com as indenizações por formação, o que não faz o menor sentido, já que muitas das vezes são os próprios clubes que não cobram a solidariedade ou a compensação por treinamento. Esta comparação apenas agrava a ilusão existente na sociedade de que os agentes de jogadores sempre recebem altas percentagens nas transferências. Em verdade, quanto maior o valor da transferência, menor tende a ser a percentagem, devendo-se levar em conta que grande parte das transferências não ultrapassa a barreira do milhão. Portanto, a estipulação de ‘cap’ na comissão pode acabar afastando os pequenos e médios intermediários do mercado, criando uma espécie de monopólio dos grandes agentes, e ser inefetivo, pois não haverá grandes alterações no que toca às comissões dos grandes agentes”, avalia o advogado.
“Mais do que saber se essa regulação será boa ou ruim é importante entender as lógicas do mercado. Eu vejo a movimentação da Fifa como razoável e interessante, mas espero que ela tenha a sensibilidade de saber que regular o mercado com uma realidade que não é efetivamente a que nós temos, pode trazer ainda mais problemas”, finaliza Luiz Marcondes.
Crédito imagem: Freepik
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