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Boicote diplomático e Jogos Olímpicos

Deixar de comparecer a um determinado evento de repercussão internacional representa, no ambiente esportivo, uma forma de protesto.

Como por exemplo, em 1936, no auge da ascensão das ideias nazistas, a Olimpíada de Berlim teve sua sede questionada pelo presidente dos Estados Unidos, que já à época representava uma das maiores nações disputantes. O presidente do Comitê Olímpico dos Estados Unidos, Avery Brundage, tentou alterar a sede dos jogos, mas cessou sua tentativa de mudanças após concluir que os atletas judeus não receberiam tratamento distinto. Ainda assim, o presidente da União Atlética Amadora, com o apoio do Congresso Judaico Americano e do Comitê Trabalhista, Jeremiah Mahoney reforçou o seu dissentimento quanto ao local sede desta edição dos Jogos Olímpicos, revigorando as inaceitáveis ofensas às regras olímpicas, como a discriminação em razão de crença e raça.

Ao longo da história dos Jogos Olímpicos diversas nações expressaram suas discordâncias políticas, repúdios à práticas discriminatórias, violações aos direitos humanos, entre outras razões, deixando de disputar determinada edição do evento olímpico, seja pela desavença do país sede ou por este ser um aliado a uma nação inimiga.

Em 1956, os Jogos Olímpicos de Melbourne na Austrália deixaram de contar com os atletas do Egito, Iraque e Líbano, como expressão do repúdio aos ataques de Israel, Reino Unido e França ao canal de Suez, além de não comparecerem as nações da Espanha, Holanda e Suíça, como protesto à invasão da União Soviética à Hungria.

Duas décadas depois, mais de trinta nações não participaram dos Jogos Olímpicos de Montreal como protesto à decisão do Comitê Olímpico Internacional que permitiu que a delegação da Nova Zelândia participasse do evento mesmo após “o tour da equipe nacional de Rugby pela África do Sul, que à época vivia sob o regime do Apartheid.” No mesmo evento, as equipes da China e de Taiwan não participaram por discordarem da exigência canadense de que os “atletas taiwaneses disputassem sob a bandeira de Taiwan.”

Na edição seguinte dos Jogos Olímpicos, em 1980 na capital soviética, o país enfrentava as repercussões causadas pela Guerra Fria, caracterizada pela disputa tecnológica, intelectual e cultural com os Estados Unidos. Assim, como forma de garantir a participação de seu antagonista, a União Soviética alocou parte de suas tropas no Afeganistão, sob o falacioso argumento de auxiliar nas rebeliões islâmicas. Após o presidente norte americano ordenar a retirada das tropas, a União Soviética se comprometeu a cumprir, desde que os Estados Unidos participassem dos Jogos Olímpicos de Moscou.

Em março de 1980, os Estados Unidos recusaram oficialmente sua participação nesta edição olímpica, contando com o apoio da Alemanha Ocidental, Japão, Canadá e China, que também deixaram de comparecer. Sem contar as outras equipes de nações capitalistas como Grã-Bretanha, França e Espanha que enviaram equipes reduzidas, as quais não exibiram as bandeiras de suas nações, mas somente a bandeira olímpica nas principais cerimônias, como a de abertura, de encerramento e a entrega de medalhas.

A edição seguinte dos Jogos Olímpicos ocorrera em Los Angeles em 1984, e, em breve vingança, a União Soviética deixou de comparecer, assim como as nações comunistas de Cuba e Alemanha Oriental. Não bastasse o boicote à edição norte américa dos Jogos Olímpicos, a União Soviética e seus Estados satélites organizaram no mesmo ano o que denominaram de “Jogos da Amizade”, como provocação e alternativa à ausência da equipe soviética no evento olímpico oficial.

Quando finalmente a Alemanha Oriental, Estados Unidos e União Soviética disputaram a mesma edição dos Jogos Olímpicos na capital sul coreana, em 1988, a Coréia do Norte se insurgiu para que também pudesse sediar parte do evento, além de ter uma cerimonia de abertura e encerramento própria. Ante à recusa do Comitê Olímpico Internacional, Coréia do Norte e Cuba deixaram de participar dos Jogos Olímpicos de Seul.

Sob o aspecto legal, busca-se dissoluções para o tema em questão na Carta Olímpica. O documento rege o Olimpismo, o COI, os Comitês Nacionais e as Federações, estabelece os princípios norteadores do Movimento Olímpico, além de estabelecer a Resolução da Trégua Olímpica, prevista como símbolo do papel do esporte como instrumento de união das nações e fortalecimento do espírito esportivo através de um ambiente pacífico e harmônico, e de colaboração mútua das para o desenvolvimento humano.

Apesar de não ter passado por votação, dos 193 Estados Membros da ONU, 186 aprovaram a Resolução da Trégua Olímpica, valendo para as próximas edições dos Jogos Olímpicos, como Pequim em 2022, Paris em 2024, Los Angeles em 2028, Milão em 2026.

A Trégua Olímpica compreende os sete dias que antecedem os Jogos Olímpicos e perdura sete dias após o fim dos Jogos Paralímpicos, onde impõe-se o respeito, o diálogo e a busca por soluções diplomáticas entre os países.

Pela história e por conceito, a Trégua Olímpica originou-se na Era Antiga, quando se impunha um cessar fogo como garantia de segurança aos atletas e demais participantes do evento olímpico, para que pudessem retornar tranquilamente para as suas cidades

Como se viu acima, fatores políticos compreendem uma grande causa de boicotes diplomáticos. Nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, as delegações boliviana, cubana, venezuelana anunciaram que não participariam do evento como discordância ao cenário político da época marcado pelo impeachment de Dilma Rousseff.

Além desses motivos, a defesa dos direitos humanos encontra-se como a causa mais atual para respaldar um possível e significativo boicote para a próxima edição dos Jogos Olímpicos de inverno, que ocorrerá no próximo ano (2022) em Pequim.

A situação revelada ressoa como pressão ao COI, aos patrocinadores, parceiros comerciais e demais federações participantes dos Jogos Olímpicos.

Apesar de atual, o boicote diplomático envolvendo o Olimpismo em relação ao país chinês já conta com histórico desde 2007, quando a líder do movimento de defesa ao Tibete foi detida e deportada da China. À época, o COI, que procura se manter imparcial frente às questões políticas, afirmou que o prosseguimento dos Jogos Olímpicos na China contribuiria de forma positiva quanto à atenção aos ideais de direitos humanos.

Contudo, anos depois, na edição olímpica de inverno, Pequim novamente encontra-se sob ameaças de boicotes diplomáticos de grandes nações que já manifestaram a possibilidade de não participarem em razão da repressão à grupos étnicos (como apontam indícios de genocídio contra os uigures).

Os atletas, por sua vez, encontram-se em situações complexas, porque o não comparecimento implica na não execução de seus trabalhos, e não necessariamente representa apoio destes ao país anfitrião do evento olímpico.

O boicote diplomático como expressão de repúdio e manifestação de luta à comportamentos e ideais, muito embora represente uma nobre e importante conduta, não tem demonstrado efetividade na solução concreta dos problemas que se buscam enfrentar. É preciso que o COI imponha critérios rígidos aos países anfitriões, assegurando como parâmetros mínimos o cumprimento aos direitos humanos, assim como, garanta a transparência dos fatores que motivaram a escolha do país sede, para além das razões comerciais.

Em linha com essa ideia, o COI passou a incluir em seus contratos com o país sede os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Negócios e Direitos Humanos como base garantidora da nação anfitriã. Entretanto, tais exigências foram impostas a partir da edição de 2024, em Paris, tendo o início após a próxima edição dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2022, em Pequim, quesitos estes que poderiam responder parte das questões que estão sendo suscitadas por alguns países, conduzindo-os a respostas para manter o alterar a sede olímpica dos jogos que estão por vir.

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