Foram 15 anos pelos mais diversos gramados, desde jogos amadores até profissionais e vivenciei de tudo um pouco: preconceito, discriminação e racismo. Essas são situações constantes e comuns para quem trabalha com o futebol.
Em uma partida válida pela Copa Paulista no tradicional campo do Nacional em São Paulo, um fato, anos atrás, me marcou tanto que até hoje guardo comigo. O mandante era o Juventus da Mooca e sua torcida estava atrás de mim, dos bancos de reservas e do quarto árbitro. De repente escuto vozes se referindo ao quarto árbitro Alysson Fernandes Matias, como ‘macaco’. Olhei para trás e vi dois senhores, de cabelos grisalhos proferindo a injúria racial. Eu queria parar o jogo, chamar a polícia, fazer a denúncia. Confesso que aquilo tirou minha concentração do jogo por alguns instantes, fato raríssimo, mas a revolta que sentia era gigantesca. Eu falava para o quarto árbitro parar o jogo e denunciar, mas ele dizia para deixar, para esquecer e se aproximou de mim dizendo: “Já estou acostumado com isso.”
Alysson ainda atua como árbitro pela Federação Paulista de Futebol e ao conversarmos para essa matéria ele diz: “Como árbitro já sofri muito com racismo. Além do nosso jogo, lembro de outro em Osasco onde estava apitando, alguém na arquibancada começou a me ofender, também me chamou de macaco, todos ouviram, somente a assistente gritou para parar o jogo, ninguém mais no estádio se manifestou e a pessoa foi identificada como um dos dirigentes de um dos clubes. Deixei o jogo seguir.”
Não para por aí, Alysson diz que é comum escutar diversas coisas, como por exemplo quando atua com a cor preta de uniforme: “Está sem roupa juiz, só fez uma tatuagem na perna.”
Outro árbitro que também falou um pouquinho sobre sua vida pelos gramados foi Claudenir Donizeti Gonçalves: “Na minha opinião o pior tipo de racismo é quando ouço: ‘eu não sou racista.’ No exercício da profissão de árbitro já pude presenciar alguns tipos de insultos, tais como: “MASCOTE DA PONTE PRETA”; “BOLA 8”; “SE NÃO CAGA NA ENTRADA, CAGA NA SAÍDA”; “GALINHA DO CÉU”; “CHICLETE DE ONÇA” entre tantos outros. Em um jogo na cidade do Votuporanga, um torcedor me xingou de “PRETO, MACACO”. Quando virei e fiz menção de chamar o Árbitro, os torcedores que estavam próximos ao indivíduo trataram de fazer com que o mesmo deixasse a região que estava, e aí não consegui mais identificá-lo.”
Alysson Fernandes não aceita mais sofrer racismo: “De uns anos pra cá já diminuiu muito devido à repercussão que isso toma, hoje com certeza já não tolero isso, seja onde for. Acredito que o racismo nunca irá acabar, apenas as pessoas racistas ficam camufladas com vontade de falar, mas as punições e as redes sociais estão ajudando a combater isso.”
Segundo Claudenir Donizeti: “As Leis já existem, o que falta é um pouco de boa vontade de aplicá-las. No esporte, que é o meio em que estamos inseridos, acredito que as Organizações Desportivas deveriam combater com mais afinco e deixar de simplesmente cobrar multas, e passar à empregar algo como desclassificação, perda de mando, rebaixamento, entre outros, de uma forma que a Sociedade possa ‘enxergar’ que algo está sendo feito.”
No futebol vemos muitos jogadores negros, porém pouquíssimos árbitros na elite da arbitragem, até mesmo treinadores e profissionais em outras funções.
Ontem jogadores PSG e Instanbul deixaram o campo, após o quarto árbitro cometer uma injúria racial. Plausível a atitude dos jogadores, reação histórica. Entretanto, é preciso que essa solidariedade aconteça sempre, mesmo quando for um torcedor, um jogador ou qualquer outro a cometer o ato e quaisquer a sofrê-lo, sem distinguir quem fez e quem sofreu, isso é pensar e agir em função do ofendido, independente de quem tenha sido o ofensor.
Comum sim, normal jamais. E que esse comum deixe de existir o quanto antes. Infelizmente e tristemente o racismo e a falta de consciência sobre o assunto ainda existem. Todavia, nunca é tarde para evoluirmos como seres e nos tornarmos mais humanos e o futebol é um excelente instrumento para isso.