Não é novidade no futebol brasileiro. Assim como aconteceu no Bahia, Internacional e Cruzeiro, chegou a vez do Botafogo. Nesta terça-feira (9), um grupo de torcedores do clube carioca entrou com uma petição junto ao Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) para apuração de “atos de gestão temerária”, contrários ao Estatuto do Torcedor e com possíveis consequências cíveis e criminais do Comitê Gestor de Futebol durante a gestão de Nelson Mufarrej.
O pedido dos torcedores botafoguenses é sustentado por áudios dos dirigentes divulgados nas redes sociais, documentos e matérias veiculadas pela imprensa, e contou com um apoio on-line que recolheu 11.896 assinaturas. A nova gestão do Botafogo, comandada por Durcesio Mello, assumiu no dia 4 de janeiro deste ano, e terá a responsabilidade de tentar colocar a “casa em ordem”.
“Entendo que os torcedores não têm legitimidade para ingressar com ação popular, mas tão somente para municiar com provas e provocar o MP interpor ação cabível. A Constituição Federal, art. 141, § 38, prevê que ‘qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de economia mista’. Clube de futebol não é, portanto, abrangido por tal dispositivo. Cumpre ressaltar que clubes de futebol não são patrimônio público, razão pela qual o Ministério Público não pode oferecer Ação Civil Pública contra sua gestão financeira”, ressalta Theotonio Chermont, advogado especialista em direito desportivo.
Infelizmente, esse tipo de notícia virou recorrente no futebol brasileiro. Primeiro foram os ex-dirigentes do Bahia, depois os do Internacional e recentemente os do Cruzeiro. Todos eles denunciados pelo Ministério Público por crimes como gestão temerária, apropriação indébita, falsidade ideológica e formação de organização criminosa. As entidades esportivas também estão se organizando para punir o gestor que não cumpre corretamente o papel que assumiu.
“Está começando a haver uma consciência da sociedade de que rigidez dos clubes de futebol são de interesse público e que os desmandos cometidos pelos dirigentes não interessam apenas aos associados dessas entidades. Instrumentos legais existem. Só precisam ser utilizados”, afirmou Martinho Miranda, advogado especialista em direito desportivo.
O caso do Bahia
Em setembro de 2015, o Ministério Público da Bahia (MP-BA) denunciou 12 pessoas por envolvimento em um esquema de fraude em notas fiscais do clube em 2013, antes do período de intervenção judicial, quando Marcelo Guimarães era presidente.
Segundo a denúncia, as notas fiscais falsas foram utilizadas para composição de ajuste contábil do Tricolor no período imediatamente anterior à intervenção. As apurações indicaram que a fraude foi promovida para ajustar artificialmente as contas no balanço financeiro do clube, relacionando serviços que não foram efetivamente prestados. O MP-BA apontou que o esquema envolveu membros da diretoria e dirigentes de algumas empresas privadas.
Os membros do Bahia foram denunciados pelos crimes previstos nos artigos 288 e 304 do Código Penal, formação de quadrilha e falsificação, respectivamente, enquanto os empresários pelo crime descrito no artigo 299, que trata de “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.
O caso do Internacional
O caso do Internacional talvez seja o mais profundo de uma investigação pública em um clube do futebol brasileiro. As denúncias contra os ex-dirigentes do clube foram oferecidas pelo Ministério Público.
Uma delas fala em organização criminosa que “agia contra o patrimônio do clube gaúcho”. O documento contém mais de 200 fatos e casos de estelionato, lavagem de dinheiro e falsidade de documentos, listados um a um. As investigações do MP revelaram ainda que Vitório Piffero, ex-presidente do Internacional, Pedro Affatato, Emídio Ferreira e Carlos Eduardo Marques, ex-dirigentes, além de Ricardo Simões e Adão de Fraga Feijó, empresários da construção civil e contabilidade, teriam lucrado R$ 12,8 milhões.
O que chama a atenção nesse caso é que foi a própria direção colorada que começou o processo de investigação, criando uma auditoria do Conselho Deliberativo, que analisou balancetes, notas, julgou, e condenou a antiga direção. Depois disso, entregou os dados ao MP gaúcho, fazendo com que a Operação Rebote se tornasse tão relevante.
A Lei Pelé estabelece no art 27, §11º, que os administradores de entidades desportivas profissionais respondem solidária e ilimitadamente pelos atos de gestão temerária, assim considerados aqueles de administração que põem em risco o patrimônio e a higidez financeira da agremiação.
Mas, importante também: a Lei 13.155/15, no art 24, § 3º, determina que o novo mandatário que se mantiver inerte na apuração, passa a responder solidariamente com os dirigentes anteriores.
O caso do Cruzeiro
No dia 15 de dezembro de 2020, o Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG) denunciou três ex-dirigentes do Cruzeiro (Itair Machado, Wagner Pires de Sá e Sérgio Nonato) e mais seis pessoas (um ex-assessor de futebol do clube, três empresários, o ex-presidente do Ipatinga Futebol Clube e o pai de um atleta das categorias de base da Raposa). O motivo para a denúncia são diferentes crimes praticados pelos citados, tais como, lavagem de dinheiro, apropriação indébita, falsidade ideológica e formação de organização criminosa.
O MPMG calcula que os prejuízos causados pelos crimes lesaram o Cruzeiro em cerca de R$ 6,5 milhões. Na denúncia apresentada pela 11ª Promotoria de Justiça de Belo Horizonte, o órgão também pede que seja fixada indenização ao clube mineiro, a título de dano moral coletivo, dano à imagem, com o pagamento de 100% do valor do prejuízo apurado, no caso, de R$ 6,5 milhões. Ou seja, a pena dobra de valor.
O pedido de dano moral se baseia na Lei Pelé, que diz que organização esportiva integra patrimônio cultural da nação. Portanto, o Estado (MP) estaria protegendo direito difuso da sociedade em torno dos clubes. Ou seja, os ex-dirigentes irão responder a um processo se houver punições, em todos esses crimes citados na denúncia, as penas poderiam chegar a 15 anos de reclusão.
Mudança no futebol
O futebol está mudando, inserindo cada vez mais regras que auxiliam na gestão responsável e aplicando punições aos infratores. O Cruzeiro sentiu na pele os efeitos de uma gestão irresponsável ao ser punido pela FIFA com a perda de seis pontos na Série B por dívidas existentes, complicando o acesso do clube à Série A.
“Houve mudanças significativas de uns 15 anos para cá. A legislação mundial, em geral, vem criando inúmeros mecanismos de controle de gestão transparente e honesta. Minha crítica vai para o lobby que sempre fizeram para blindar maus dirigentes com a Lei Pelé. As hipóteses de responsabilidade do mau dirigente, não somente o desonesto, é muito mais restrita que aquela prevista no art. 50 do CCB. Deveria responsabilizá-lo com seus bens pessoais em diversas hipóteses, não apenas em utilização dos bens do clube em proveito próprio. É muito difícil em alguns casos de comprovar a fraude. Esse tipo de dificuldade acaba por criar um sentimento de impunidade. Quem quer o bônus de aparecer gritando ‘é campeão!’ tem que arcar com o ônus de fazer uma gestão responsável, dentro do orçamento, sem cometer loucuras para agradar o torcedor e satisfazer seu ego”, finalizou Chermont.
Uma coisa é fato. O cerco está apertando e dirigentes amadores, irresponsáveis e/ou criminosas não tem mais espaço no esporte.
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