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Brahim Diaz, regras FIFA de elegibilidade e o futuro do futebol de seleções

Felipe Pestana, advogado em Bichara & Motta Advogados

Repercutiu semana passada a notícia de que o meia Brahim Diaz, apesar de ter nascido, crescido e se formado como jogador na Espanha, escolheu representar a seleção marroquina de futebol[1].

Peça importante do Real Madrid de Carlo Ancelotti, o natural de Málaga, na região da Andaluzia, atuou pela seleção espanhola em diversas competições de base desde os seus 16 anos, e também vestiu as cores do time principal de La Roja em um amistoso. Daqui para frente, no entanto, Diaz optou por defender a equipe nacional do Marrocos, país onde nasceu sua avó paterna.

O jovem de 24 anos se junta a diversos outros filhos da “Diáspora Marroquina” recentemente chamados à seleção africana, como parte de uma estratégia da federação local de reforçar o seu potencial esportivo através da ampliação ao máximo do raio de possíveis convocados.

Na Copa do Mundo de 2022, em que 137 jogadores não nasceram nos países de suas seleções[2], nenhuma outra equipe contou com mais atletas naturais de outras localidades do que os “Leões do Atlas”, cujo elenco contabilizou 14 descendentes de marroquinos nascidos mundo afora, de um total de 26 integrantes[3]. Na Copa de 2018, esse número era ainda maior: 17 atletas, de uma delegação de 23[4].

No Mundial do Qatar, jogadores como Hakim Ziyech (Holanda), Achraf Hakimi (Espanha) e Yassine Bounou (Canadá) foram fundamentais para que Marrocos alcançasse o célebre quarto lugar, feito jamais atingido por qualquer seleção africana na história[5]. O sucesso da estratégia é incontestável e promete servir de modelo para o futebol de seleções nos próximos anos. Tudo isso em plena conformidade com a regulamentação da FIFA sobre a matéria, cuja recente flexibilização contribui, inclusive, para corroborar o método adotado pelos marroquinos.

As normas de elegibilidade para seleções nacionais estão anexadas ao próprio Estatuto da entidade máxima do futebol, como parte de um compilado de regras de aplicação deste documento, o chamado “Regulations Governing the Application of the Statutes”.

Historicamente, a FIFA determina que o atleta precisa ter a nacionalidade permanente de um país, seja nato ou naturalizado, para que possa representar a respectiva seleção, além de proibir, como regra geral, que um jogador defenda uma segunda seleção após atuar por uma primeira em competição oficial de qualquer categoria ou modalidade de futebol.

Outrossim, em casos de dupla ou múltipla nacionalidade, o atleta também deve cumprir critérios de conexão à nação que quer representar, conforme detalhados mais à frente.

A FIFA também estabelece requisitos para, em exceção à regra geral acima mencionada, permitir que um jogador troque de nacionalidade esportiva, a fim de defender outra seleção. Até 2008, tal pedido somente poderia ser feito até o atleta completar o seu 21º aniversário.

Eis aí a primeira importante flexibilização introduzida pela FIFA nas regras de elegibilidade para seleções. Na versão de 2009 do Estatuto, a entidade retirou este limite de idade, aumentando as possibilidades de mudanças. O regulamento permaneceu, então, essencialmente inalterado até a sua grande reforma de 2020, fixando à época os seguintes critérios para a múltipla elegibilidade e troca de associação.

Caso, por questões de sua(s) nacionalidade(s), o atleta possa atuar por mais de uma seleção, poderia optar por qualquer uma delas, desde que (i) tenha nascido no país desejado, (ii) seus pais ou avós tenham nascido no país, ou (iii) tivesse vivido continuamente no país por ao menos 2 anos.

Por outro lado, caso adquirisse uma nova nacionalidade ao longo da vida, sem antes ter atuado por seleção em competição oficial de qualquer categoria, o atleta poderia atuar pela equipe de sua nova nação se cumprisse com os critérios “i” ou “ii”, acima, ou caso tivesse vivido continuamente no país por ao menos 5 anos, após completar 18 anos.

Já a troca de associação somente era permitida ao atleta que não tivesse atuado em competição oficial em nível principal por sua seleção original, e que, no momento de sua primeira atuação oficial por esta em outra categoria, já possuía a nacionalidade da seleção que deseja representar.

Por fim, previa-se também a exceção em favor dos atletas que perdessem a sua nacionalidade original contra sua vontade em razão de decisão governamental. Neste caso, poderiam migrar para a seleção de outra nacionalidade que possuam ou adquiram.

Até que, em setembro de 2020, a FIFA promoveu uma extensa atualização destas regras de elegibilidade, restringindo-as em poucos pontos e relaxando-as em diversos outros. O arcabouço regulatório é contemplado pela primeira vez então na versão de 2021 do Estatuto da entidade, permanecendo em vigor até os dias atuais.

A reforma inicia com um esclarecimento importante sobre a regra fundamental da nacionalidade para ter elegibilidade, em particular sobre o que o Estatuto entende como “ter nacionalidade”. Essencialmente, ser nato ou naturalizado por força de lei. Elucida, ainda, o que considera como “viver” no país para fins de aplicação destas regras, incluindo requisitos físicos e temporais, além de exceções aplicáveis.

Quanto aos atletas que podem atuar por mais de uma seleção em razão de sua(s) nacionalidade(s), o conceito permanece o mesmo, com exceção do critério sobre tempo de residência no país, que aumentou para ao menos 5 anos.

A regra sobre os atletas que adquirem nacionalidade ao longo da vida também foi alterada apenas no mesmo item equivalente. Assim, passa-se a exigir, se aplicado este critério, que o jogador tenha vivido no país por ao menos 3 anos, se assim começou a fazer antes de completar 10 anos de idade; ou por ao menos 5 anos, se começou a viver no país a partir do seu 10º aniversário. Além disso, caso isso ocorra entre os 10 e 18 anos de idade, o atleta precisa demonstrar que tal mudança não ocorreu com o objetivo de atuar pela respectiva seleção, além de carecer de aprovação por parte do Tribunal do Futebol da FIFA.

Ademais, incluiu-se regra específica para os apátridas, permitindo a sua elegibilidade pelo país onde reside por ao menos 5 anos, desde que (i) demonstre que assim não o faz para fins de atuar pela seleção correspondente, e (ii) autorizado pelo Tribunal.

Chegamos, então, aos critérios sobre troca de seleções, regras estas que foram o alvo das alterações mais impactantes introduzidas pela reforma. Além da hipótese já prevista anteriormente, a FIFA adicionou diversos outros cenários a fim de expandir as possibilidades de mudança de nacionalidade esportiva. São estes:

– Participação em competição oficial que não seja de seleções principais, sendo que, quando da primeira atuação oficial, o jogador não tinha a nacionalidade do país que quer representar, e tinha menos de 21 anos quando atuou pela última vez em competição oficial pela seleção atual. Além disso, deve cumprir requisitos de nascimento, ascendência ou residência, acima mencionados.

– Participação em competição oficial de seleções principais, sendo que, quando da primeira atuação oficial em qualquer nível, o jogador tinha a nacionalidade do país que quer representar, bem como tinha menos de 21 anos quando atuou pela última vez em competição oficial pela seleção atual. Além disso, o atleta atuou em, no máximo, 3 partidas em nível principal, oficiais ou amistosas, pela seleção anterior, sendo a última destas há, pelo menos, 3 anos, desde que nunca tenha participado, por seleção principal, da Copa do Mundo ou de copa continental (como, por exemplo, a Copa América).

– O atleta deseja representar uma Associação Nacional admitida como membro da FIFA após a sua atuação pela primeira vez em competição oficial por outra seleção, em qualquer nível, e desde que não tenha atuado oficialmente por essa outra seleção após a admissão. Além disso, quando de sua primeira atuação oficial pela seleção anterior, o jogador deve já possuir a nacionalidade do país que quer representar, ou obtê-la assim que possível após tal país ser reconhecido pela maioria dos membros da ONU. Em complemento, deve cumprir requisitos de nascimento, ascendência ou residência, acima mencionados.

Por fim, mantêm-se as regras de que (i) um jogador não pode atuar por uma seleção em qualquer competição em que já tenha participado por outra equipe nacional, e (ii) para trocar de seleção, é preciso uma autorização específica da FIFA (em particular, através do Tribunal do Futebol).

Vê-se, portanto, que as seleções nacionais hoje em dia podem se beneficiar de um leque ainda maior de possíveis convocáveis. Além dos atletas nascidos no próprio país, a regulamentação também permite olhar para os descendentes espalhados pelo mundo, e até mesmo aqueles que já atuaram por outras equipes nacionais, inclusive no nível principal.

A ideia não é exatamente nova para a Seleção Brasileira. Mesmo que a Canarinho não tenha adotado de forma tão veemente o plano implementado por Marrocos, já tivemos exemplos de atletas nascidos fora do Brasil que defenderam a amarelinha. Em casos mais recentes, podemos citar Andreas Pereira (Bélgica) na equipe masculina, e Angelina (Estados Unidos) e Natascha Honegger (Suíça) na feminina.

Entretanto, a evolução das regras aponta para uma prática ainda mais institucionalizada e profunda, já validada pelo modelo marroquino. Possíveis críticas à estratégia, como falta de identificação nacional ou conexão com a torcida local, foram rapidamente dissipadas com a calorosa recepção dos Leões do Atlas na capital Rabat, após a campanha no Mundial[6]. Sobre eventuais comentários de que perder-se-ia a “escola” de jogo do país, a própria globalização do futebol já se encarrega de, naturalmente, mesclar e mitigar esse conceito.

Quanto à Brahim Diaz, os torcedores espanhóis certamente lamentam a perda do talentoso jogador para a seleção marroquina, cujos adeptos, por outro lado, comemoram a chegada de mais um filho (ou, nesse caso, neto) de Magrebe. De qualquer forma, não será o último exemplo de aplicação das cada vez mais amplas regras de elegibilidade para equipes nacionais, em constante evolução, acompanhando um mundo ainda mais interligado e misturado, e indicando uma revolução na forma como as seleções são montadas.

Crédito imagem: Getty Images

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[1] https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2024/03/11/brahim-diaz-decide-jogar-pelo-marrocos-ao-inves-da-espanha.htm

[2] https://www.uol.com.br/esporte/futebol/colunas/rafael-reis/2022/11/18/copa-2022-tem-137-jogadores-em-selecoes-de-paises-onde-nao-nasceram.htm

[3] https://www.uol.com.br/esporte/futebol/colunas/rafael-reis/2022/12/14/como-funciona-a-rede-de-olheiros-pela-europa-que-montou-selecao-de-marrocos.htm

[4] https://www.uol.com.br/esporte/futebol/copa-do-mundo/2018/noticias/2018/05/17/marrocos-divulga-lista-de-convocacao-para-a-copa-com-17-naturalizados.htm

[5] https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/deutschewelle/2022/12/10/marrocos-faz-historia-e-sera-1-africano-em-semis-de-copas.htm

[6] https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/lancepress/2022/12/20/surpresa-da-copa-selecao-de-marrocos-e-recebida-com-festa-em-rabat.htm

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