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Brazilian Storm: a imagem e o patrocínio midiático na presença cada vez mais categórica do surfe no Brasil e os seus reflexos jurídicos na modalidade

Por Paulo Henrique S. Pinheiro e Vitória de Carvalho Barros Silva

Nos últimos anos, o cenário do esporte no Brasil passou por algumas mudanças. Uma delas, e aqui enfatizada, é a presença cada vez mais forte do surfe. Muito além de um palco famoso pelas ondas e competições – também conhecida como “Maracanã do Surfe” – Saquarema tem levado Brasil afora essa fortaleza de esporte.

Esse “boom” do esporte pode ter uma das raízes firmada no desempenho alto dos brasileiros em competições mundiais. Gabriel Medina, Ítalo Ferreira e Filipe Toledo são nomes fortes dentro da modalidade, por uma multidão de fãs cada vez mais envolvidos na prática, e que fazem registrar esse Brazilian Storm, ou seja, elencam vitórias e conquistas capazes de enfatizar um padrão iniciado nas terras canarinhas, e que repercutem a força vinda desta nos torneios oficiais da modalidade.

Além das conquistas pessoais em campeonatos, um dos fatores que facilita essa promulgação país afora, inclusive em lugares em que não há nem mesmo a prática do esporte, é a forte divulgação por imprensa da trajetória. Os meios de comunicação têm sido cada vez mais utilizados na área do esporte. Primeiro, pelo seu alto potencial de disseminação de conteúdo, e segundo, porque é através deles que mais fãs se conectam e vislumbram com a prática – criando assim uma base firme e alta de audiência.

A autora Anny Carolinne West Soares (2022) destaca a respeito desse aumento exponencial da prática e a medida de influência desses competidores, alinhada à mídia vinculada. Observa-se:

O surf, nos últimos anos, tem crescido bastante no país e um dos motivos é o bom desempenho dos brasileiros em competições mundiais. O surfista brasileiro Ítalo Ferreira foi o medalhista de ouro nas Olimpíadas de Tóquio, em 2020, sendo esta a primeira vez que o surf esteve presente como uma das modalidades do evento esportivo. Em novembro de 2021, o IBOPE Repucom realizou uma pesquisa sobre os fãs de surf no Brasil, o resultado mostrou que a prática já tinha acumulado mais de 45 milhões de entusiastas no país. Os fãs de surf são 41% do universo de brasileiros conectados com 18 anos ou mais. Na pesquisa anterior, em 2013, 26% dos brasileiros conectados se declararam fãs de surf (“interessados” ou “muito interessados” pela modalidade), o que representava pouco mais de 14 milhões de indivíduos.

A alta do surfe no Brasil também pode ser desenhada do ponto de vista estratégico. O Brasil é um mercado fértil para desenvolvimento de modalidades esportivas, como uma semente fertilizada na potência do futebol no país, o que em outras palavras, traduz-se em um meio de fácil propagação, a facilitar o surfe.

A autora Vitória Fernandes (2023) destaca que no ano de 2023 a WSL (Liga Mundial de Surfe) movimentou cerca de R$ 110 milhões em competições no Brasil. Em especial a realizada em Saquarema, no Rio de Janeiro, com R$ 97 milhões – gerando resultados às famílias locais, além da propulsão de cerca de 500 empregos.

Esse investimento analisado é visto como uma consequência direta do bom trabalho dos brasileiros nas competições. Vitória Fernandes (2023) inclusive ressalta que: “Até 2013, apenas surfistas americanos e australianos haviam ganho um campeonato mundial. Porém, o cenário mudou em 2014, quando Gabriel Medina ganhou seu primeiro título. Desde então, os brasileiros conquistaram sete edições do campeonato.”

A sucessão de resultados positivos tem colocado o surfe como um forte atrativo midiático no Brasil. Uma geração forte capaz de monetizar o sucesso e torná-lo rotina aos telespectadores, em uma resposta natural a enaltecer os direitos de transmissão e patrocínios – dois dos principais meios de subsistência do esporte e dos seus atletas.

Fernandes (2023) elucida essa participação e destaca o aumento no meio:

O esporte vem atraindo cada vez mais patrocinadores. Em 2022, a etapa de Saquarema teve o apoio de 22 empresas, um recorde. A lista incluiu nomes como Corona, Apple, Red Bull e Banco do Brasil. Em 2023, a liga reorganizou as cotas e reduziu o número para 16 marcas.

Outrossim, Fernandes (2023) ainda alude ao fato de que esse desenvolvimento é parte da estratégia brasileira em implementar o surfe no interior do país, como uma maneira de emancipar das praias e conectar às outras partes. Veja-se:

Porém, o Brasil é estratégico pelo potencial. De acordo com o presidente da WSL, diversos fãs do esporte moram no interior, onde a prática não era possível. Agora, a tecnologia permite conectar praias e asfalto.

‘O surfe está invadindo espaços do golfe, do tênis e do hipismo, por meio das piscinas de ondas que estão sendo feitas em condomínios de alto padrão no interior das grandes capitais’, diz Martinho. ‘Hoje, existem duas praias artificiais no país, uma na Praia da Grama e outra no Boa Vista Village, mas, em pouco tempo, o Brasil vai ser recordista mundial em número de piscinas, o que deve aproximar ainda mais o esporte dos fãs’.

Dessa forma, o esporte ganha contornos além dos atletas, firma-se em se tornar parte da vida do público, não só pela prática em si, mas por toda a representação que nela carrega, ou seja, suas marcas parceiras, campeonatos, datas patrocinadas – acrescentando admiradores e acompanhantes do desenvolvimento do surfe no país.

Ademais, o site “Lance!” trabalhou em 2023 uma matéria que analisava a força que vem ganhando os negócios da WSL (Liga Mundial do Surfe) no Brasil e elencou também que a razão se daria “(…) Não só pelo histórico de títulos (são seis nos últimos oito anos), mas também por ser um dos países com maior crescimento de fãs ano a ano.”

O aumento de fãs que passaram a acompanhar o esporte é uma forte base que explique esse “boom”. Observa-se esse apontamento feito pelo site (2023):

Uma pesquisa do Ibope Repucom aponta que 45 milhões de brasileiros estão interessados no surfe atualmente. De acordo com a WSL, esse número triplicou na última década. Uma prova deste crescimento é que o Brasil corresponde a cerca de 40% do público global que assiste às etapas do circuito mundial.

 Além disso, uma grande contribuição é que o site Lance! (2023) destacou que o perfil de fãs carrega um público versátil, ao ser constituído entre homens, mulheres de perfis jovens. O que facilita ao perceber uma tentativa recorrente de marcas procurarem se rejuvenescer, e, portanto, utilizar desse esporte para atrai-los ao mercado.

Esse ciclo paliativo faz crescer e popularizar as nuances do mercado esportivo, cria um arsenal forte e capaz de suprir as necessidades da criação e manutenção da prática, atrair mais competidores, exatamente para uma autossubsistência e profissionalismo observados. O que é importante considerando a relevância financeira dos contratos para essa modalidade.

Isso porque, o site Lance! (2023) ressalta a movimentação substancial que os contratos de patrocínio acrescentam ao surfe, especialmente os direitos de transmissão envolvidos, a exemplo da Globo no Brasil.

Uma diferença para campeonatos de futebol, no entanto, é que os valores recebidos pelos contratos de patrocínio são mais relevantes que os valores da venda dos direitos de transmissão.

Acho que a gente entendeu, com a parceria com a Globo, que uma audiência era complementar a outra – e não conflitante. Para nós, ter a chance de alimentar a nossa plataforma e continuar falando com o público diretamente é algo muito importante e fez parte da negociação com a Globo. Sem dúvida nenhuma, aumenta o nosso alcance.

Ademais, é nessa presença crescente de transmissão, e sua importância elencada, que cria um efeito espelhado nos atletas “rostos” da competição. Podendo-se dizer até salutar em participação, ao observar um ciclo cada vez mais econômico ao destacá-los em rede nacional.

Além do primordial sucesso deles, o fato de ter mais pessoas assistindo, cria uma base mais forte de acompanhamento pessoal, o que gera um público fiel em toda a competição e seu respectivo calendário. Certamente capaz de influenciar marcas a adentrarem não só no esporte propriamente dito, mas em seus atores também; passando-se a observar a prática em um nível mais de negócio.

Um dos maiores pontos do surfe profissional é o Circuito Mundial. No ano de 2023, de acordo com o colunista Allan Simon (2023), as transmissões alcançaram mais de 6,4 milhões de telespectadores. O autor ainda destaca como tem sido crescente essa popularização e propagação, afinal, em momentos de vitória dos brasileiros, o acompanhamento e divulgação se tornam ainda maiores. Nota-se:

A etapa decisiva da temporada, o WSL Finals, conseguiu colocar o sportv2 como o segundo canal mais visto entre os esportivos no momento da bateria decisiva entre Toledo e o australiano Ethan Ewing, ficando apenas atrás do Premiere Clubes, que transmite futebol. O aumento de audiência das finais ficou em 16% na comparação com 2022.

A maior audiência da temporada ficou com a etapa de Saquarema, que conseguiu alcançar 1,6 milhão de pessoas, também 16% a mais que no ano anterior, mantendo a tendência de crescimento da competição na TV paga.

Além disso, o autor Simon (2023) destaca também o público predominantemente jovem – faixa dos 25 a 34 anos – a acompanhar a temporada, e o aumento significativo da participação feminina nessas transmissões. Acrescentando-se ao fato de que essa presença da mulher não tem sido somente como telespectadora, além dos nomes rotineiramente conhecidos, especialmente no Brasil, como é o caso do Gabriel Medina e Filipe Toledo, as mulheres têm passado a dominar e se sobressair nas competições.

Dois dos nomes que se destacam são os das brasileiras Tatiana Weston-Webb e Luana Silva. Ambas escolheram defender o país canarinho mesmo com origens havaianas. O site Olympics destaca que desde os 08 (oito) anos o surfe se tornou paixão de Tatiana, muito em razão da prática do esporte pelos pais e pelo irmão. A escolha da competidora pelo Brasil aconteceu à época da preparação para as Olímpiadas: “Originalmente, ela representava os EUA na água, mas com as Olimpíadas à vista, Weston-Webb tomou a decisão de trocar para o Brasil, afirmando que o país sempre foi uma parte importante de quem ela é”.

Luana também teve um caminho parecido. O site Correio Braziliense (2023) relata que a profissional nasceu no Havaí, em Honolulu, e é filha de brasileiros, com português fluente. Luana recebeu o apoio de Tatiana Weston-Webb para a escolha da bandeira brasileira de sua família em detrimento do Estado norte-americano. O site ainda destaca:

Os pais Fábio Silva e Tatiana Coelho revelam que Luana começou a gostar de surfe aos três anos. Tornou-se um hábito familiar ir à praia no fim do dia para aproveitar o mar. Com a instrução dos pais, a jovem foi introduzida à modalidade aos poucos. ‘Não foi uma percepção de talento, foi mais uma atividade em família, bastante divertida e prazerosa.’

As meninas têm sido consideradas promissoras na categoria feminina. Como também tem sido Gabriel Medina, na masculina, que vem somando resultados e conquistas impressionantes no surfe. O brasileiro é destaque desde muito novo por sua carreira meteórica, notadamente fruto de muito trabalho e comprometimento.

O colunista Luís Coruja (2021) relata um pouco dessa trajetória do tricampeão mundial:

Menos de dois anos após iniciar no surf, Medina venceu seu primeiro campeonato de âmbito nacional. Foi o tradicional Rip Curl Grom Search em Búzios, no Rio de Janeiro, na categoria sub-12. Depois desse vieram outros diversos títulos tanto locais quanto internacionais.

(…) aos 14 anos Medina já fazia finais nas competições do circuito Paulista Profissional e chegou a derrotar seu ídolo Adriano de Souza em outro evento profissional da ASP em Ubatuba/SP.

Através do patrocínio a vida do brasileiro começou a ganhar entornos profissionais. Luís Coruja (2021) disserta que em julho de 2009 a empresa Rip Curl fechou um contrato milionário que fortaleceu a carreira jovem e promissora do surfista; (…) “Parece que esse fato acendeu ainda mais o fogo vencedor do Gabriel, que poucos dias depois venceu uma importante etapa do WQS na Praia Mole, aos quinze anos de idade. Foi ali que Medina realmente apareceu – e chocou – o mundo.”

A oficialização do mercado profissional vinda por umas das maiores marcas do mundo do surfe – Rip Curl – com certeza pode ser elencada como um forte fator no caminho do brasileiro. Recheada de sucessos inimagináveis, com uma carreira estável e marcada por feitos inéditos – como ser o primeiro brasileiro a ser campeão mundial de surfe profissional – Gabriel Medina se tornou inspiração mundo afora e hoje é um grande exemplo de como o apoio e a confiança, mesmo que precoce, pode ser fundamental no sucesso.

O caso Medina é também uma constatação primária do impacto da modalidade no Brasil. O autor Amir Somoggi (2023) destaca a representação do país em quase 30% na movimentação do surfe, mais do que o futebol, que representa 2% da quantia global. E mais, defende que grande parte desse “boom” pode ser explicado pelo lifestyle inerente do esporte: “Os hábitos saudáveis, clima jovem, contato com a natureza, felicidade, são todos valores inerentes ao surfe, e muito difícil, encontrar tudo isso em modalidades tradicionais”.

Esse style é inclusive uma das repostas do sucesso de documentários dos bastidores da competição, que repercutem em levar ao público mais do estilo de vida dos competidores extra câmeras, a exemplo da Apple Tv que tem investido seriamente nesses trabalhos, conforme destaca Amir (2023):

Apple TV tem um documentário incrível sobre as competições de surfe, o Make or Break, em parceria com a World Surf League (WSL).

Já são duas temporadas que mostram o impacto global da modalidade, a história de vida dos atletas de ponta e o grande interesse por marcas patrocinardes de diferentes setores.

O enredo dessas produções também mostra a força interna da WSL (World Surf League) em desenvolver o surfe profissional. Amir (2023) relata que: “Atualmente a entidade vive um grande momento, com uma nova geração de surfistas masculinos brilhantes, especialmente vindos do Brasil”; e as mulheres: “No feminino a WSL vem fazendo um trabalho maravilhoso, com muito espaço para as mulheres. São grandes ídolos do surfe feminino global como a supercampeãs”.

O trabalho quase que incessante é resposta do aumento do apoio especialmente voltado ao patrocínio. Amir (2023) ressalta que: “WSL cresceu em acordos de patrocínios e ativações além dos patrocínios de marcas endêmicas como Rip Curl, Queeksilver e Billabong.”; e acrescenta: “(…) todos supercampeões impulsionaram muito a modalidade no país. Os títulos recentes colocaram o Brasil como epicentro do surfe mundial.” – por um interim que faz crescer a promessa de ídolos no esporte que levem o surfe pelo Brasil e pelo mundo.

Esse crescimento canarinho segue com resultados impressionantes. Amir (2023) destaca uma movimentação financeira de R$7 bilhões e com tendência a crescer, “caso os players locais entendam o Brazilian Storm como um momento mágico que deve trazer projetos estruturantes para o país, buscando seu desenvolvimento sustentado.” Afinal, a conquista numerosa de títulos dos brasileiros na WSL faz acreditar em uma potência forte do esporte no país.

Fato é, destarte, que a presença e o apoio da mídia e do patrocínio das marcas parceiras ao surfe tem incrementado um caminho mais acessível no Brasil. Os resultados cada vez mais impressionantes dos brasileiros que competem na Liga fortalecem a trajetória da próxima geração, e fazem acreditar ser um local mais possível de se alcançar. O Brazilian Storm é uma realidade e espelha nos rostos de Gabriel Medina, Tatiana Weston-Webb e nos demais que rotineiramente trabalham para colocar seu nome no mundo do surfe, e demonstram, mais do que isso, que a potência que são em competidores, também é a potência que é o seu país – Brasil – no esporte.

A grandiosidade das marcas e da imagem dos atletas facilita essa imersão no mercado esportivo, e por consequência, gera um crescimento que passa a requisitar mais regulamentação e discernimento jurídico que possam resguardar a prática e proteger direitos e deveres das partes envolvidas, dentro e fora das competições.

O direito da imagem dos surfistas passa a ser visto como um fator fundamental na proteção jurídica, e que requer um regulamento mais constante, real e concreto dos atletas, que por vezes são violados por arbitrariedades fora do sistema.

A ordem constitucional já garante a proteção à imagem do indivíduo como um direito fundamental, no art. 5º, inciso X, com a devida reparação indenizatória em caso de sua violação, quando existentes o ato ilícito, nexo causal e dano, consoante artigos 186 e 927 do Código Civil. Além disso, quando se trata das relações jurídicas no esporte, a Lei Geral do Esporte traz mais especificamente a forma de disponibilização de imagens de atletas para fins jornalísticos no art. 163 e também como eles podem explorá-la como importante, ou até única, fonte de receita, consoante o art. 164.

Agora há marcas que, de forma ilícita, utilizam a imagem do atleta sem qualquer autorização ou negociação prévia, em autêntico uso indevido da imagem destinada a fins comerciais, em completa afronta ao art. 20 do Código Civil, como, por exemplo, o site Migalhas (2023) destaca que, em recente julgamento, a Universal Pictures do Brasil recebeu uma condenação de R$25 mil por utilizar indevidamente a imagem de um surfista em um trailer do filme “Jurassic World: Reino Ameaçado”.

No teor da sentença (São Paulo, 2023), o magistrado ressaltou que a Universal violou o direito de personalidade do atleta, haja vista este não ter autorizado o uso da sua imagem na obra cinematográfica. E defendeu que, mesmo que em boa-fé, o ilícito é confirmado especialmente porque, apesar da brevidade da cena, é fato de que outros pessoas do meio esportivo conseguiram com facilidade reconhecer o surfista, e que nas palavras do juiz é “o que basta para configurar a lesão a direito de personalidade”.

Na decisão, o juiz Guilherme Santini Teodoro (São Paulo, 2023) ainda complementou:

Dúvida alguma pode haver, portanto, sobre a proteção que o ordenamento jurídico confere aos direitos da personalidade, dentre eles o direito à própria imagem, seja a pessoa famosa ou desconhecida, trabalhe ou não como atleta profissional.

(…)

Como é óbvio, a cessão de imagem é regulada por contrato celebrado com o titular do direito à imagem e interpreta-se restritivamente. Ninguém pode apropriar-se da imagem alheia e a ausência de licença ou autorização do titular do direito não pode ser suprida a não ser pelo consentimento do próprio titular.

Por sua vez, a referida ação ajuizada por violação de direito de imagem em detrimento da Universal tornou-se um forte precedente judicial na proteção e no reconhecimento da imagem do atleta. E, em termos extensivos, permitiu compreender como uma tentativa de regulamentação em vista do alto potencial financeiro que um surfista porventura possa ter na veiculação e cessão, mesmo que temporária, da sua imagem.

Isso porque, a imagem de uma pessoa pública e renomada agrega muito valor à uma marca quando correlacionada a ela. Também à título de exemplo, cita-se o caso envolvendo a Nestlé e o surfista Gabriel Medina, em que a marca utilizou indevidamente da imagem do atleta no site da empresa, correlacionando-o a um produto, mesmo que sem um prévio contrato entre as partes. Em análise, Guicepeda (2020) destacou sobre a violação:

A imagem física de um indivíduo faz parte de sua personalidade e, no caso em questão, houve violação ao direito de imagem de Gabriel Medina, já que, por ser conhecido, sua figura agrega valor a produtos. Neste caso, como há fim comercial, as rés deveriam ter a devida autorização do fotografado para poder explorar economicamente sua imagem.

(…)

Pois bem, ocorre que a Nestlé Brasil utilizou indevidamente uma fotografia de Medina para fins comerciais. Gabriel Medina nunca firmou contrato com tal empresa a respeito de exploração de uso de imagem, e tampouco Medina sabia que um anúncio comercial estava sendo veiculado com sua imagem.

O caso foi finalizado através de um acordo e houve o ressarcimento no valor de R$100.000,00 (cem mil reais) ao surfista. No entanto, o valor foi considerado irrisório por Guicepeda (2020):

Quanto ao valor acordado, a meu ver, é irrisório, muito baixo. Uma vez que motiva mais agências de publicidade e grandes marcas a utilizarem a imagem de alguém sem autorização e depois “ver o que vai dar”. A imagem dele agrega em MUITO valor ao produto Nescau. A ESPN e a Nestlé pagaram a Medina R$ 50 mil cada uma. Essa quantia, para uma multinacional aplicar numa campanha é “trocado”.

Em uma breve pesquisa, em 2015, no auge de sua carreira, Medida cobrava cachê de US$ 100.000,00, ou seja, quase R$ 400 mil. Ora, R$ 100 mil não indeniza nada, apenas paga um cachê que deveria ter sido pago antes. Cadê a indenização aí? Só há o efetivo pagamento

Desse forma, foi um ótimo negócio para a Nestlê/ESPN, pois o valor do acordo fora somente um quarto do cachê atual.

É através disso que passa a tornar-se claro a necessidade um maior cuidado acerca dessas propagações ilícitas da imagem dos atletas; primeiro por serem direito da personalidade próprio de serem respeitados, e segundo pelo enorme potencial de ganho em vista de sua utilização, logo, funcionam como uma fonte sumária de renda por esses esportistas.

Assim, é fato de que a imagem, o patrocínio e os direitos nela envolvidos são substanciais para o desenvolvimento do esporte no Brasil – e no mundo. Os valores movimentados pela Liga Mundial do Surfe, a arrecadação, audiência, público, crescimento da modalidade entre os fãs e praticantes carregam uma preocupação de regulamentação enorme sob o ponto de vista jurídico. Isso, tendo em vista as recentes decisões judiciais que procuram proteger e de certa forma ressarcir os lesados quando os ilícitos são praticados.

Os casos da Universal e do Medina são dois dos exemplos a serem destacados nesse interim. É uma averiguação primária de que, medidas são realizadas para resguardarem direitos quando vencidos, por trazerem ressarcimentos monetários como uma tentativa de barrarem futuras violações. Porém, é preciso mais do que isso. A proteção precisa começar antes, uma maior fiscalização, e regidos por valores maiores e mais adequados ao atleta em questão, ou seja, uma melhor observação do potencial de ganho que faça com que novas violações sejam interrompidas pelo receio de prejuízo da marca violadora.

Sabe-se, por certo, que utilizar a imagem de um atleta renomado é uma maneira efetiva de crescimento da marca, mas o uso precisa ser mais regulado e respeitado, e o potencial de venda precisa recair em fatores diferentes e mais plurais do que violados. Assim, contrapartidas a serem postas em xeque e serem vistas dentro do cenário do esporte, que façam com que ganhos não se tornem unitários e sim frutos de acordos prévios e especificamente designados.

Através disso, haverá uma interrupção de violação, mas que não barra o potencial de uso da marca na imagem, porque além de uma proteção melhor era preciso uma projeção mais efetiva e eficaz. E, a pluralidade também citada pode ser exercida por meios próprios do patrocínio, à título de exemplo, o destaque ao sponsorship activations (ativações de patrocínio, em tradução livre) que podem ser realizadas para essa implementação percorrendo noções de negócio, marca, público interno e externo. Nesse sentido, trazendo medidas inovadoras que dissertem com a audiência alvo do surfe, e por consequência, da marca.

Tal como utilizar a tradução da expressão “Rip Curl” dentro do surfe – quando a junção habilidade, velocidade e formação faz com o que o surfista adentre na onda e faça uma curva acentuada pela energia impulsionada do movimento – para fora da competição e direto ao público, ou seja, criar experiencias parecidas com a própria onda aos fãs. À título de ilustração, pode-se transformar um equipamento de uso na água, como um “controle remoto” do participante na onda, fazendo com o que a audiência se sinta mais próxima do surfe, mesmo e principalmente em locais em que não praias.

Isto sob tentativa de pluralizar a marca, democratizá-la fora dos tatames do surfe, e especialmente, através da própria roupa comercializada, faça com que o público se sinta mais próximo do esporte, e consequentemente, da compra dos itens da marca – fato similar à ação da Nike na pluralização da sua logo[1].

De maneira que, observar-se-á a possibilidade de uma marca, uma vez nichada em um determinado público ou condição geográfica, a pluralidade e desenvolvimento no Brasil e no mundo. Afinal, trazer esse sentimento de pertencimento faz com o que o Brazilian Storm realmente seja fruto de uma força e potência da imagem dos seus participantes e reflexo direto nos números grandiosos de investimento da Liga.

Em suma, uma consequência concreta do aumento do seu público e base de fãs, que fortalece a modalidade e seus reflexos jurídicos, ora mais firmes e respeitados, mas que por vezes esquecidos na enormidade da potência do esporte no país. Isso porque, o surfe tem uma presença categórica no Brasil e os seus “rostos” não podem ser destoados da ética e do fair play da participação; assim, o seu conteúdo jurídico, suas leis e determinações contratuais precisam elucidar o esporte ao caminho evidente do direito, seja ele desportivo ou não.

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Paulo Henrique S. Pinheiro – Mestre em Direito Desportivo pela PUC-SP. Advogado e sócio do escritório Pinheiro Advogados Associados. Especialista em direito tributário e do trabalho, é Gestor de Futebol certificado pela CBF. Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB/GO (2022/2024) e ex-Presidente do Instituto Goiano de Direito Desportivo. Auditor e Procurador Geral do TJD/GO do futebol. Graduado em Comunicação Social pela UFG. Professor e autor de obras jurídicas, como “Jurisdição Desportiva Trabalhista: A efetividade na resolução de conflitos”, Editora Venturoli, 2023.

Vitória de Carvalho Barros Silva – Graduada em Direito pela PUC-GO e integrante da Comissão de Direito Desportivo da OAB/GO

REFERÊNCIAS:

CORUJA. Luís. A História De Um Campeão: Gabriel Medina. 2021. Pranchanova.com. Disponível em: https://pranchanova.com/conteudo/gabriel-medina/. Acesso em: 28 de março de 2024.

FERNANDES. Vitória. Surfe invade espaço de golfe, tênis e hipismo em condomínios de alto padrão. 2023. Disponível em: <https://forbes.com.br/forbes-money/2023/11/onda-de-conquistas-o-crescimento-do-surf-brasileiro-alem-das-praias/#:~:text=O%20Brasil%20tem%20aproximadamente%207,International%20Surfing%20Association%20(ISA).>. Acesso em: 26 de março de 2024.

GUICEPEDA. Gabriel Medina e Nestle direito de imagem. Marcelo Pretto. 2020. Disponível em: <https://www.marcelopretto.com/artigos/gabriel-medina-e-nestle-direito-de-imagem/>. Acesso em: 10 de abril de 2024.

Na onda dos negócios: entenda os planos de crescimento da WSL no Brasil. Lance! 2023. Disponível em: <https://www.lance.com.br/lancebiz/na-onda-dos-negocios-entenda-os-planos-de-crescimento-da-wsl-no-brasil.html >. Acesso em: 20 de março de 2024.

Quem é Luana Silva, a surfista que trocou bandeira do Havaí pela do Brasil. Correio Braziliense Esportes. 2023. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/esportes/2023/02/5073522-quem-e-luana-silva-a-surfista-que-trocou-bandeira-do-havai-pela-do-brasil.html>. Acesso em: 27 de março de 2024.

SIMON. Allan. Circuito Mundial de Surfe alcança 6,4 milhões e tem crescimento no sportv. 2023. Disponível em: <https://www.uol.com.br/esporte/colunas/allan-simon/2023/09/15/circuito-mundial-de-surfe-alcanca-64-milhoes-e-tem-crescimento-no-sportv.htm>. Acesso em: 25 de março de 2024.

SOARES. Anny Carolinne West. Drop Delas um Podcast sobre o Universo do Surf a partir do olhar de uma mulher. Brasília/DF. 2022. Universidade De Brasília. Disponível em:<https://bdm.unb.br/bitstream/10483/33835/1/2022_AnnyCarolinneWestSoares_tcc.pdf. >Acesso em: 21 de março de 2024.

SOMOGGI. Amir. Negócios do surfe: Brasil, o novo epicentro da modalidade no mundo. Sportsvalue. 2023. Disponível em: <https://www.sportsvalue.com.br/negocios-do-surfe-brasil-o-novo-epicentro-da-modalidade-no-mundo/>. Acesso em: 01 de abril de 2024.

Tatiana Weston-Webb. Biografia. Site Olympics. Disponível em: <https://olympics.com/pt/atletas/tatiana-weston-webb>. Acesso em: 27 de março de 2024.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Sentença. Processo n.1057912-65.2019.8.26.0100. Ré: Universal Pictures Brasil Ltda. 30ª Vara Cível. São Paulo, 20 de dezembro de 2023. Juiz – Guilherme Santini Teodoro. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/arquivos/2023/12/97981EE70CD30F_doc_116970373.pdf.> Acesso em: 09 de abril de 2024.

Universal indenizará surfista por cena de 4 segundos em Jurassic World. Site Migalhas, 2023. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/quentes/399672/universal-indenizara-surfista-por-cena-de-4-segundos-em-jurassic-world>. Acesso em: 10 de abril de 2024.

[1] https://www.youtube.com/watch?v=1wpdMfZj13M

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