A nova Lei Geral do Esporte buscou consolidar a regulamentação da prática esportiva no Brasil, se norteando na construção de uma base formal e estrutural do sistema desportivo.
A Lei 14.597/23 foi instituída para dispor sobre o Sistema Nacional do Esporte, a Ordem Econômica Esportiva, a Integridade Esportiva, e o Plano Nacional para a Cultura de Paz no Esporte.
Advindo do projeto de lei n° 68/2017, que passou anos em estudo organizado por uma comissão de juristas, o PL foi aprovado pelo Senado em 2022, mas diante de diversas alterações realizadas pela Câmara, voltou ao Senado como o substituto PL 1.825/2022.
No intento de centralizar leis esparsas relacionadas às questões esportivas e outras demandas adjacentes atinentes ao esporte, a Lei Geral do Esporte ab-roga legislações como as que regulamentavam a atividade do treinador de futebol (Lei n° 8.650/1993) e a do árbitro de futebol (Lei n° 12.867/2013), o Estatuto do Torcedor (Lei n° 10.671/2003), a lei que instituía o Bolsa-Atleta (Lei n° Lei n° 10.891/04), a lei que dispunha sobre incentivos e benefícios em vista a fomentar a atividade desportiva (Lei n° 11.438/06), e derroga a Lei Pelé.
No tocante aos direitos trabalhistas, cita-se a menção à natureza jurídica do direito de imagem, do bônus por contratação do atleta (luvas) e dos prêmios por performance ou resultado, fixados no parágrafo primeiro do art. 85 da LGE, estabelecendo que “não possuem natureza salarial e constarão de contrato avulso de natureza exclusivamente civil”.
Em contraponto, a Lei Pelé, em seu art. 31, §1º, entendia como salário também os prêmios, tendo como efeito a possibilidade de rescisão do contrato de trabalho em caso de atraso no pagamento, no todo ou em parte, superior a 3 meses.
Quanto ao direito de imagem, a Lei Geral do Esporte enfatiza a permissão de exploração econômica da imagem dos atletas (art. 164, caput, LGE), permitindo a cessão ou exploração de terceiros, inclusive por pessoa jurídica em que o atleta integre o quadro societário, reforçando a possibilidade de contrato entre o atleta e a entidade de prática desportiva empregadora para cessão do uso da imagem do atleta, concomitante à vigência do contrato especial de trabalho desportivo, sendo remunerações distintas, que não poderá ser superior a 50%.
Não obstante o art. 87-A da Lei Pelé já dispor nesse sentido, prevendo que o direito ao uso da imagem do atleta sucede por meio de contrato de natureza civil que não se confunde com o contrato de trabalho, a Lei 9.615/98 passa a ser revogada pela LGE no parágrafo único do art. 87-A, que permitia que o valor da imagem alcançasse a margem de 40% da soma do salário e dos valores relativos ao direito ao uso da imagem do atleta. A LGE ampliou o percentual permitido para pagamento a título de direito de imagem, passando a ser de 50%, reduzindo os reflexos salariais devidos ao atleta empregado.
O assunto já gerava controversas, não obstante a previsão legal, sobretudo pela informalidade na contratação, muitas vezes ocorrendo verbalmente.
As previsões contidas na Seção IV da Lei Geral do Esporte se alinham com os preceitos constitucionais que versa sobre os direitos da personalidade, previstos no art. 5º, incisos V, X e XXVIII, alínea “a” da Constituição Federal, bem como com a previsão legal que trata de direitos autorais e conexos da Lei 9.610/98, em seu art. 49, ao permitir a cessão ou licença do detentor dos direitos personalíssimos para exploração comercial de terceiros. Vale citar ainda a consonância da vigente regra citada com relação à Lei nº 11.196/2005, a qual, em seu art. 129, prevê a possibilidade de exploração de terceiros sobre direitos personalíssimos, ainda que seja por meio de pessoa jurídica constituída para este fim, observados os aspectos tributários da respectiva exploração econômica.
A exploração da imagem por meio de concessão de licença gera controvérsias, notadamente porque os serviços são efetivamente prestados pela pessoa física que constituiu a pessoa jurídica, afastando a incidência o auferimento de renda da pessoa física e a tributação correspondente. O embate parece ser observado no art. 164, §4° da LGE, ao dispor que “deve ser efetivo o uso comercial da exploração do direito de imagem do atleta, de modo a se combater a simulação e a fraude”. Em outras palavras, ainda que a cessão da imagem do atleta seja feita através de uma pessoa jurídica. Nota-se a exposição exemplificativa das formas em que a utilização da imagem do atleta poderá ser feita pela organização desportiva, exposta nos incisos I, II e III do §3º, do art. 164 da lei 14.597/23.
Por fim, dentro da suscinta abordagem acerca das inovações trabalhistas trazidas com a LGE, destaca-se a delimitação do horário noturno específico para atletas profissionais, a qual passa a ser entendida como a hora entre 23h59 e 06h59, afastando entendimentos jurisprudenciais que deferiram o adicional noturno com base nos ditames da Consolidação das Leis Trabalhistas, a saber, das 22h às 05h.
Na seara criminal, a LGE tipificou condutas em prol à integridade e a paz no ambiente esportivo. Dentre estas, atos discriminatórios como racismo, xenofobia, homofobia ou transfobia passaram a ser criminalizados, tendo como pena, a impossibilidade do infrator em ingressar eventos esportivos por até 5 anos, além de poder incorrer em multa de R$ 500 mil a R$ 2 milhões de reais, culminando à agremiação desportiva eventual respectiva responsabilidade.
A problemática em torno do tipo penal citado acima foi suscitada pelo senador Carlos Portinho (líder do PL-RJ), e vale ser levantada no presente texto, uma vez que deixa uma margem de dúvidas acerca de outros atos discriminatórios não citados no §2º, inciso 183, da LGE, e se estes se enquadrariam no crime tipificado na LGE. Ou seja, inobstante as previsões inseridas no mencionado dispositivo LGE, ainda assim, poderia abrir dúvidas se se referem a um rol taxativo ou exemplificativo.
No tocante à integridade e a paz no esporte, a LGE absorveu disposições previstas no Estatuto do Torcedor, tal como práticas capazes de afetar a imprevisibilidade do resultado esportivo, sendo agora prevista a pena de dois a seis anos de reclusão e multa quem solicitar ou aceitar vantagem indevida, entregar ou prometer vantagem indevida para alterar ou falsear o resultado de competição esportiva, ou para aquele que fraudar ou contribuir para o defraude, por qualquer meio, do resultado da competição esportiva (art. 200).
A LGE determinou a pena de um a dois anos de reclusão e multa para aquele que promover tumulto, praticar ou incitar a violência no contexto de evento esportivo, ou o indivíduo que portar instrumento para prática de violência, em dia de realização de evento esportivo, ou que participem de brigas entre torcidas (art. 201).
Já a ordem econômica esportiva foi inserida como objetividade jurídica, seguindo a direção de legislações internacionais neste tocante, passando a ser tipificado o crime de corrupção privada no esporte. Diferente do que vigia no ordenamento jurídico brasileiro até então, agora o representante de uma organização esportiva que exigir, solicitar, aceitar ou receber vantagem indevida ou aceitar promessa de tal vantagem para favorecer a si ou a terceiros, com a finalidade de realizar ou omitir ato inerente às suas atribuições, será punível com dois a quatro anos de reclusão e multa (art. 165, caput e parágrafo único – aquele que oferece, promete, entrega ou paga vantagem indevida, direta ou indiretamente, a representante de organização esportiva privada.
No âmbito criminal, a LGE tipificou crimes contra as relações de consumo e a propriedade intelectual, a venda de ingressos a preço maior que o que prevê o bilhete, com pena de um a quatro anos de reclusão e multa (art. 166 e 167), bem como a tipificação de atos abusivos de propaganda e comércio em desfavor do patrimônio imaterial de organizações desportivas, como a utilização indevida de distintivos, emblemas, marcas, logomarcas, mascotes, lemas, hinos e outros símbolos de titularidade de organização desportiva (art. 168). Marketing de emboscada (associação por intrusão – art. 170 e 171).
Os crimes tipificados na LGE reforçam que o esporte se insere no ordenamento jurídico como efetivo bem jurídico a ser tutelado, e aponta a direção para qual a nova legislação esportiva se norteia, de lisura e probidade, e respeito aos valores esportivos.
A LGE estabelece às entidades de administração desportiva a promoção da prática esportiva pautados na moral e na ética que conduzam ao jogo limpo nas competições, incluindo questões relativas ao equilíbrio financeiro, como níveis de endividamento e patrimônio líquido, limites financeiros para contratação de atletas por temporada, teto para aporte de recursos por acionistas, e a continuidade operacional e auditoria externa, que deverão ser concretizados através do respectivo regulamento algo que já se aguarda no setor desde antes da pandemia. Na mesma linha, a instituição do SINPES – Sistema Nacional do Esporte, que junto do Plano Nacional do Esporte, objetivarão potencializar organizações que insiram o esporte como fator de desenvolvimento social, contribuindo com a ampliação do acesso ao esporte.
O texto prevê que essas organizações tenham uma gestão guiada pelos princípios de transparência financeira e administrativa, moralidade e responsabilidade social dos dirigentes. Ele determina também a isonomia nos valores pagos a atletas ou paratletas homens e mulheres nas premiações concedidas nas competições que organizarem ou de que participarem. Consiste no planejamento e implementação de políticas públicas voltadas para o esporte, por meio de programas e ações (art. 11), em questões de relevante para o esporte como o combate ao racismo, homofobia sexismo nos estádios, equidade de premiações entre homens e mulheres (art. 36, XI), tributação e incentivos fiscais, atenção aos direitos trabalhistas dos atletas.
Conclui-se que as previsões da LGE buscam impor a restauração de valores esportivos, como pode se constatar em diversos dispositivos da Lei Geral do Esporte. No entanto, considerando diversos vetos, e a derrogação da Lei Pelé, se refere a um tema vivo e inacabado, o qual demanda maiores discussões para que venha a servir de efetiva atualização da legislação geral sobre o desporto, e que preencha lacunas legislativas que causaram imbróglios e insegurança jurídica.
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