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Calçado veloz faz federação mudar regras de maratonas. O que está sendo discutido?

A Maratona de Tóquio anunciou, nesta segunda-feira (17), o cancelamento da prova para os amadores em razão da epidemia de coronavírus que assola os países asiáticos. Em vez de mais de 40 mil corredores, apenas algumas dezenas de profissionais poderão percorrer as ruas da cidade no próximo dia 1º de março, a partir das 9h10 da manhã, horário local.

Alguns atletas já confirmaram presença nessa que é uma das seis provas do Circuito de Maratonas Majors, mas ainda pode haver desistências. A única certeza é que aqueles que forem ao Japão poderão utilizar a versão atual dos polêmicos tênis Vaporfly da Nike.

O modelo, desde 2017, está nos pés daqueles que surpreendem com novos recordes. O último deles foi estabelecido pelo ugandês Joshua Cheptegei, campeão mundial dos 10.000 metros, que, no último domingo, registrou a melhor marca nos 5.000 metros, com o tempo de 12 minutos e 51 segundos. Joshua tirou 27 segundos da marca anterior.

Acredita-se que os tênis em questão vêm com solas supergrossas que incorporam placas de fibra de carbono que agem como molas, permanecendo incrivelmente leves. Assim, estima-se que seus usuários tornam-se 4% mais eficientes.

“Um produto que oferece vantagem esportiva pode ser comparado ao doping. É o chamado doping tecnológico. Portanto, é preciso haver regulamentação para impor condições ao uso. Senão, é injusto”, pondera a advogada especialista em propriedade intelectual e direito esportivo, Juliana Avezum.

Por esse motivo, a World Athletics alterou as regras que regem os calçados de competição, para proporcionar maior clareza aos atletas e fabricantes em todo o mundo, e proteger a integridade do esporte. As emendas que o Conselho Mundial de Atletismo aprovou, e anunciou em 31 de janeiro, foram recomendadas pelo Grupo de Revisão de Assistência, com especialistas técnicos, científicos e jurídicos, além de representantes de atletas.

“A tecnologia faz parte do esporte. Por mais que se combata em nome do purismo, não dá pra ir contra o mercado. A evolução é cada vez maior e mais veloz. Precisa estar integrada, já que incrementa o esporte. Mas também precisa ser acessível a todos, e é necessário proibir o excesso”, defende Thomaz Mattos de Paiva, advogado especialista em doping e direito esportivo.

A nova regulamentação determina que, a partir de 30 de abril de 2020, qualquer tênis deve estar disponível para compra por qualquer atleta no mercado aberto por um período de quatro meses antes de poder ser usado na competição. Do contrário, será considerado um protótipo, e o uso em competição não será permitido.

Uma versão protótipo do tênis Nike – o Alphafly – foi usada por Eliud Kipchoge, do Quênia, quando ele se tornou a primeira pessoa a correr uma maratona em menos de duas horas, embora não oficialmente, em Viena, em outubro passado. A partir de primeiro de maio, ele não poderá mais correr com tênis experimental.

“O prazo de quatro meses com o produto disponível no mercado, em tese, é tempo suficiente para que qualquer atleta tenha acesso e possa adquirí-lo. De qualquer forma, é importante que seja realizado um estudo para identificar se há aumento de performance ou não”, avalia Juliana Avezum.

Ainda de acordo com o comunicado do Conselho Mundial de Atletismo, se a entidade tiver motivos para acreditar que um tênis ou tecnologia específica não está em conformidade com as regras, ela pode enviar o material para estudo e proibir o uso durante a investigação.

“Além de coibir abusos, a regulamentação também estimula o mercado a buscar novas tecnologias e os atletas a se superar, melhorar seus índices”, considera Thomaz Mattos de Paiva. Foi o que aconteceu na natação. Os trajes tecnológicos proporcionaram muitas quebras de recordes nas piscinas, porque eram fabricados com poliuretano, material que auxilia na flutuação e repele a água. Com ele, o deslocamento ficava mais fácil, e os nadadores, mais velozes.

A partir de 2010, a Federação Internacional de Natação (FINA) proibiu o uso e passou a permitir apenas trajes feitos com material têxtil. Além disso, determinou que as peças não poderiam cobrir o corpo inteiro. No masculino, são permitidas sungas e bermudas. No feminino, os maiôs não podem passar dos joelhos. Dez anos depois da proibição, muitas marcas conquistadas com os supermaiôs já foram superadas.

Por enquanto, os polêmicos tênis Nike Vaporfly receberam o selo de aprovação da World Athletics, e os recordes estabelecidos com eles estão mantidos. Mas a entidade definiu também que novas pesquisas sejam feitas para avaliar o “verdadeiro impacto dessa tecnologia”. E determinou que, se o tênis for personalizado por razões estéticas ou médicas, para se adequar às características do pé de um atleta em particular, será permitido. O que não vale é um calçado novo, com sola mais espessa que 40 milímetros e mais de uma placa ou lâmina rígida incorporada.

O presidente da World Athletics, Sebastian Coe, disse que “não é nosso trabalho regular todo o mercado de calçados esportivos, mas é nosso dever preservar a integridade da competição de elite. Quando entramos no ano olímpico, não acreditamos que possamos descartar os produtos que estão disponíveis no mercado há algum tempo. No entanto, podemos traçar uma linha proibindo o uso daqueles que vão além do que está no mercado enquanto investigamos mais”.

O Comitê Olímpico Internacional segue as regras determinadas pelas entidades que regem cada modalidade no mundo. “Assim, acredito que o COI vai acatar todas as recomendações da World Athletics para os Jogos Olímpicos de Tóquio”, finaliza Thomaz Mattos de Paiva.

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