Pesquisar
Close this search box.

Califórnia processa Activision Blizzard por condições no ambiente de trabalho

Aqui no eSport Legal sempre se reforça que a indústria dos jogos e dos esportes eletrônicos são duas indústrias diferentes, mas que se complementam. Por ter essa relação, o que acontece em uma causará efeitos em outra.

Especialmente quando a empresa que está no centro de ambas as indústrias, a desenvolvedora, se envolve em polêmicas.

Foi proposto um processo pelo órgão que cuida de assuntos de moradia e trabalho do estado da Califórnia (Calofornia Department of Fair Employment and Housing – DFEH) contra a empresa Activision Blizzard. O processo decorre de uma investigação de quase dois anos sobre as condições de trabalho na Activision Blizzard, uma das maiores e mais tradicionais do mercado, responsável por títulos como Diablo, Starcraft, Warcraft, World of Warcraft e Call of Duty.

O processo foi proposto no dia 21 de julho e apesar de ter sido muito mal-recebido pelo mercado, o que realmente fez o assunto causar a derrocada das ações da empresa foi a resposta dela às acusações feitas no processo, o que inclusive gerou mobilizações em outras empresas do seguimento.

Após quase três semanas, a polêmica continua causando efeitos no mercado, incluindo a perda de patrocinadores nas competições de eSports que a empresa organiza. Além da renúncia do presidente da empresa e de uma das mais importantes executivas da empresa na última sexta-feira (06/08/2021).

O que quer a DFEH e quais os fatos narrados no processo

O DFEH compara a cultura do ambiente de trabalho da Activision Blizzard com a de fraternidades masculinas, que propaga e premia o bullying, assédio e abuso, especialmente contra as funcionárias femininas.

Após dois anos de investigação, o DFEH entrou com o processo para impor que a Activision Blizzard haja em conformidade com as regras de proteção ao trabalho do estado da Califórnia. De forma mais concreta, busca indenizar, reprimir e evitar as violações aos direitos civis e de igualdade de pagamento que vigem no Estado.

Além de evidenciar que na empresa não há mulheres em cargos de liderança; que o processo de promoção para mulheres é muito mais difícil e demorado; que a diferença de salários entre homens e mulheres na mesma posição é muito discrepante; que em alguns casos mulheres com cargos superiores ganham menos que homens em cargos inferiores; que em alguns casos mulheres que produzem mais que homens ganham menos; e que mulheres são demitidas muito mais frequentemente e rapidamente que homens, a investigação ainda foi capaz de averiguar situações de assédio dentro da empresa.

Seguem alguns dos exemplos de situações que fazem com que a cultura da empresa pareça a de uma fraternidade, conforme narradas no processo pelo DFEH (tradução nossa):

CUBE CRAWLS: “No escritório, mulheres são submetidas ao ‘cube crawl’, onde funcionários masculinos bebem grandes quantidades de bebida alcoólica enquanto eles invadem os cubículos do escritório e agem de forma inapropriada com funcionárias femininas.”

RESSACA: “Funcionários masculinos orgulhosamente chegam no trabalho de ressaca, jogam videogames por longos períodos enquanto estão em horário de trabalho e delegam suas responsabilidades às funcionárias femininas.”

ASSÉDIOS: “As funcionárias femininas são constantemente alvas de assédio sexual, incluindo comentários sexuais indesejados (Funcionários masculinos falam abertamente sobre suas vidas sexuais, corpos femininos e fazem piadas sobre estupro) e avanços de colegas e superiores do sexo masculino; são alvos de “apalpadas” durante os ‘cube crawls’ e outros eventos da empresa.” “Houve situações em que executivos de alto escalão foram flagrados assediando funcionárias sexualmente, mas não houve repercussões.”

SUÍCIDIO: “Em um particular exemplo trágico, uma funcionária feminina cometeu suicídio durante uma viagem a negócios em que um supervisor do sexo masculino levou com ele plugs anais e lubrificante.”

GRAVIDEZ E MATERNIDADE: “Funcionárias femininas são tratadas negativamente por conta de sua gravidez. Supervisores ignoravam restrições médicas dadas às funcionárias e davam avaliações negativas enquanto estavam em licença-maternidade. Outras funcionárias femininas reportaram que elas eram criticadas por saírem do trabalho para buscar suas crianças na creche, enquanto seus colegas masculinos estavam jogando vídeo game; e que as mulheres eram expulsas da sala designada para lactação e amamentação para que funcionários masculinos pudessem usar a sala.”

RACISMO: “Mulheres negras são alvos particularmente mais vulneráveis. Uma funcionária afro-americana notou que demorou dois anos até que ela se tornasse uma funcionária permanente, enquanto homens contratados depois dela eram efetivados muito mais rapidamente. Ela também era micro gerida, no sentido de que enquanto seus colegas homens conhecidamente jogavam videogames durante o horário de trabalho sem qualquer intervenção do supervisor, o supervisor chamava atenção dela caso ela fosse dar uma caminhada. Outra funcionária afro-americana que trabalhava no TI, era similarmente micro gerida pelo seu gerente, diferente de seus colegas homens. Quando ela pedia folga, o gerente a fazia escrever um resumo de uma página sobre como ela iria passar a folga, enquanto nenhuma outra pessoa tinha que fazer isso.”

IMPUNIDADE: A DFEH ainda acusa a Activision Blizzard de falhas nos procedimentos nas numerosas reclamações que recebem de seus funcionários. Quem apresentava a reclamação sofria retaliação dos colegas homens e passava a ser mais assediada e discriminada. “Há o desencorajamento de realizar novas reclamações, uma vez que é sabido que os funcionários do RH são próximos dos supostos assediadores.”

A defesa da Blizzard Activison

A empresa respondeu às alegações da DFEH, chamando o processo proposto de “conduta irresponsável de burocratas que não podem ser responsabilizados”. Na íntegra: (tradução nossa)

Nós valorizamos a diversidade e nos esforçamos para nutrir um ambiente de trabalho que ofereça inclusão para todos. Não há espaço na nossa companhia ou indústria, ou qualquer indústria, para má-conduta sexual ou assédio de qualquer natureza. Nós levados todas as alegações a sério e investigamos todas as reclamações. Nos casos de má-conduta, ações foram tomadas para resolver o problema.

A DFEH apresenta descrições distorcidas, e em vários casos falsas, do passado da Blizzard. Nós fomos extremamente cooperativos com a DFEH durante a sua investigação, incluindo fornecer dados e documentação, mas eles se negaram a informar quais problemas eles encontraram. Eles eram obrigados por lei a investigar adequadamente e ter discussões de boa-fé conosco para melhor entendermos e resolvermos qualquer problema antes de litigar, mas eles falharam em fazer isso. Ao contrário, eles tiveram pressa em propor um processo impreciso, como será demonstrado no tribunal. Nós ficamos enojados pela conduta repreensível da DFEH em trazer para os autos o trágico suicídio de uma funcionária, cuja morte não tem qualquer ligação com esse caso, sem respeito nenhum à família enlutada. Embora entendamos que essa conduta seja vergonhosa e pouco profissional, é um exemplo infortunístico de como eles conduziram essa investigação. Esse é o tipo de comportamento irresponsável de burocratas que não podem ser responsabilizados e que está expulsando vários bons negócios do Estado da Califórnia.

A pintura feita pelo DFEH não é a do ambiente de trabalho da Blizzard nos dias de hoje. No decorrer dos últimos anos e continuamente após o início da investigação, nós fizemos mudanças significativas referente à cultura da companhia e para refletir maior diversidade dentre nosso time de líderes. Nós atualizamos nosso Código de Conduta para enfatizar um programa interno, amplificado e com foco na não-retaliação para funcionários reportarem violações, incluindo o “ASK List”, uma plataforma de denúncia confidencial, e criamos um time dedicado a investigar as reclamações dos funcionários. Nós fortalecemos nosso compromisso com a diversidade, igualdade e inclusão e combinamos nossas Redes de Funcionários a nível global, para garantir suporte adicional. Funcionários devem participar de treinamentos anti assédio periódicos e isso tem sido feito há muitos anos.

Nós nos esforçamos tremendamente em criar compensações e políticas justas e recompensadoras que reflitam nossa cultura e negócio, e nós nos empenhamos em pagar todos os funcionários de forma justa para trabalhos iguais ou substancialmente similares. Nós, proativamente, tomamos uma variedade de passos para garantir que o pagamento é definido por fatores não discriminatórios. Por exemplo, nós compensamos e recompensamos funcionários baseados em sua performance, e nós conduzimos extensivos treinamentos antidiscriminatórios, inclusive para aqueles que fazem parte do processo de compensação.

Nós estamos confiantes na nossa habilidade de demonstrar nossas práticas como um empregador que dá oportunidade igual a todos e que nutre um ambiente de trabalho solidário, diverso e inclusivo, e nós estamos compromissados a dar continuidade a este esforço nos próximos anos. É uma vergonha a DFEH não querer dialogar conosco sobre o que eles acharam que tivessem visto na investigação deles.

Frances Townsend, atual Chief Compliance Officer da empresa, também fez declarações que vão no mesmo sentido.

A defesa saiu pela culatra.

Mesmo antes da empresa apresentar a sua defesa, vários sites especializados na indústria dos jogos e dos esportes eletrônicos já estavam fazendo análises sobre o processo, e a voz era uníssona: está aparecendo formalmente o que as mulheres já diziam há anos sobre esse mercado.

Além disso, diversas funcionárias e ex-funcionárias da Activision Blizzard confirmaram que os fatos narrados pela DFEH realmente aconteciam e, através das redes sociais, denunciaram novos casos.

Então quando a defesa apresentada pela empresa foi no sentido de desmentir as acusações e desmoralizar ainda mais as vítimas, ela despertou o descontentamento do público em geral, mas mais intensamente dos funcionários e ex-funcionários.

Inicialmente, um grupo de funcionários da Activision-Blizzard-King e suas subsidiárias assinaram uma carta aberta, que agora já conta com mais de 3.000 assinaturas.

A carta reivindica “declarações oficiais que reconheçam a seriedade dessas alegações e demonstrem compaixão pelas vítimas de assédio e agressão” e que Frances Townsend renuncie à sua posição na Women’s Network da Activision-Blizzard-King, braço da empresa que cuida do fomento da participação feminina na empresa e na indústria de games como um todo.

Segue o teor da carta, na íntegra (tradução nossa):

Para os Líderes da Activision Blizzard,

Nós, abaixo assinados, concordamos que as declarações feitas pela Activision Blizzard Inc. e sua assessoria jurídica referente ao processo movido pela DFEH, bem como as declarações subsequentes feitas pela Frances Townsend, são abomináveis e um insulto para tudo que nós acreditamos que nossa companhia deveria representar. Para deixar claro e inequívoco, nossos valores como empregados não estão refletidos com precisão nas palavras e ações de nossa liderança.

Nós acreditamos que essas declarações prejudicaram nossa busca contínua pela igualdade dentro e fora da nossa indústria. Categorizar as reinvindicações que foram feitas como “distorcidas, e em vários casos falsas” criam uma atmosfera de descrédito à vítima na companhia. Isso também lança dúvidas sobre a habilidade da nossa organização de responsabilizar os abusadores por suas ações e de promover um ambiente seguro para que vítimas reivindiquem seus direitos no futuro. Essas declarações deixam claro que nossa liderança não está priorizando nossos valores. Correções imediatas vindas do alto escalão da organização são necessárias.

Os executivos da nossa companhia declaram que ações serão tomadas para nos proteger, mas diante da ação judicial – e da resposta problemática que veio em seguida – nós não temos mais confiança de que nossos líderes irão colocar a segurança dos funcionários acima de seus próprios interesses. Declarar que esta é “uma ação sem mérito e irresponsável”, enquanto diversos funcionários e ex-funcionários estão se abrindo de forma pública sobre suas próprias experiências de assédio e abuso, é simplesmente inaceitável.

Demandamos declarações oficiais que reconheçam a seriedade dessas alegações e demonstrem compaixão pelas vítimas de assédio e agressão. Demandamos que Frances Townsend cumpra sua palavra e renuncie ao cargo na ABK Employee Women’s Network como resultado da natureza prejudicial de sua declaração. Demandamos que a equipe de liderança executiva trabalhe conosco em novos e significativos esforços que garantam que funcionários – bem como nossa comunidade – tenham um ambiente seguro para se expressar e denunciar.

Apoiamos todos os nossos amigos, companheiros de equipe e colegas, assim como membros de nossa dedicada comunidade, que tenham sofrido maus-tratos ou assédio de qualquer tipo. Nós não seremos silenciados, nós não ficaremos de lado e nós não desistiremos até que a companhia que amamos seja um local de trabalho que todos possam se sentir orgulhosos de fazer parte de novo. Nós seremos a mudança.

Além da carta aberta, os funcionários organizaram um “walkout”, uma espécie de greve em que todos os funcionários, ao mesmo tempo, se levantam de seus postos de trabalho e vão para a rua.

Os protestos receberam ajuda da comunidade, os consumidores dos jogos da empresa combinaram não jogar nenhum jogo dela durante o walkout.

Funcionários de outras desenvolvedoras começaram a se movimentar internamente e demonstraram apoio público aos funcionários da Blizzard. Os impactos foram maiores na desenvolvedora Ubisoft, que passou por polêmica semelhante ano passado.

Impactos da controvérsia

Toda a polêmica gerou um movimento de toda a indústria dos games e esportes eletrônicos pela mudança.

Executivos e ex-executivos da Activision-Blizzard, mesmo contra a indicação da empresa de manter o monolito, se desculparam em suas redes sociais, incluindo Mike Morhaine e Chris Metzen.

O presidente da Blizzard, J. Allen Brack, deixou o seu cargo. Bem como Frances Townsend deixou seu cargo na Women’s Network (mas ainda não é certo sua saída da empresa).

Patrocinadores como a T-Mobile, Coca-Cola e State Farm anunciaram o fim ou suspensão de sua parceria com as ligas de Overwatch e Call of Duty.

Segunda ação judicial

As ações da empresa tiveram uma derrocada, o que causou um segundo processo judicial dos investidores contra a empresa.

Os investidores alegam que a Activision Blizzard intencionalmente falhou em divulgar seus problemas contínuos com assédio sexual e discriminação e que isso teria aumentado artificialmente o valor das ações da empresa.

Em termos gerais, se os investidores soubessem dos problemas da Activision Blizzard, eles não teriam investido nas ações.

Activision-Blizzard contrata escritório especializado em destruir sindicatos

Diante da união cada vez mais forte dos funcionários e ex-funcionários e os problemas que isso vêm causando a empresa, a Activion-Blizzard contratou o escritório de advocacia WilmerHale.

O escritório WilmerHale é conhecida por possuir grandes e poderosos clientes e apesar de ser reconhecido no ramo de evitar que sindicatos sejam formados desde 2003, com a entrada do advogado Jamie Gorelick no quadro de sócios, o escritório recebeu especial notoriedade por seu trabalho no início do ano na Amazon.

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.