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Camisa da sorte

No campo da superstição, a lógica humana é subvertida, os balanços econômicos ignorados, e as linhas dos contratos se embaralham diante dos olhos. Claro. Eles não fazem parte do mesmo mundo que se abre quando o juiz apita o início da partida.

Quando o cronômetro acusa o primeiro segundo, pulamos todos no abismo da imensidão da nossa própria emoção. E por que haveríamos de nos preocupar com outra coisa? Nos próximos 90 minutos, somos quem vai determinar o resultado. Não fosse assim, por que haveriam de nos juntar aos milhares, lado a lado, cadeira por cadeira, ingresso por ingresso?

A prece é pra bola entrar, pro time ganhar, pra trazer o caneco pra casa. Se a fé move montanhas, por que não moveria pernas? Quem sabe as traves?

Se fosse possível, faríamos um trato com Deus, e pediríamos (sem a intenção de cumprir): “só essa, por favor”! É claro que ele deve ter mais com que se ocupar. Mas não custa tentar.

Em dia de jogo importante, não há quem ouse desafiar o destino e inovar na camisa. É aquela que dá sorte. “Com essa, nunca perdi.” Não há decepção maior do que perder com a camisa da sorte.

Em todo caso, o compromisso é tão sério que as relações sociais também ficam abaladas. O amigo pé frio fica em casa. Óbvio. Que amargue a solidão do sofá a relar o solado gelado no estádio em dia de decisão.

Quando a causa é grande, são tantos os pedidos simultâneos que fico pensando se as petições se engarrafam na repartição celeste responsável pelo tema. É claro que, tratando-se de assunto de primeira ordem, deve haver uma repartição enorme. Quem sabe as separem por triagem: classificação, campeonato, pedidos repetitivos, pedidos impossíveis.

Às vezes, o universo sinaliza que vai atender à súplica, e o gol sai logo no primeiro minuto. Mas só um desavisado se deixaria levar. Se engana quem acha que esse sinal é o suficiente pra tirar um sentinela da sua posição.

Na verdade, uma vez alcançado o resultado favorável com a bola ainda em jogo, é apenas o caso de se alterar a estratégia. Em vez de só empurrar o time pra frente, a missão do décimo segundo jogador passa a ser também a de segurar o adversário. Provocar o erro em pensamento. Em casos de pressão aguda, recorrer à carpintaria e pregar tábuas imaginárias no espaço entre as balizas.

Quando o juiz apita o fim do martírio, como abandonar a sandice? Dois dias e já se joga de novo. Com um calendário tão apertado, mais vale a pena permanecer. Enquanto os céticos avaliam os números que levaram à derrota, não custa lavar bem a camisa. Deixar de molho por um tempo, pra tirar a zica. Só pode ser zica. Cada um faz a sua parte, e querer que o sentinela do invisível ainda analise os gráficos é pedir demais.

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