O termo freguesia utilizado no contexto esportivo, via de regra, relaciona o desempenho entre agremiações onde uma tem sobre a outra relevantes resultados positivos.
A respectiva analogia apresentada faz menção a freguesia dos contribuintes face ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais quando das decisões proferidas com uso do chamado Voto de Qualidade.
De forma resumida, o Voto de Qualidade nada mais é que um voto de desempate que ocorre frente a discussões no respectivo órgão administrativo visando solucionar as celeumas pelo colegiado apreciada.
Fato é que a prerrogativa do voto de qualidade sempre foi exercida por representante do Fisco, as turmas possuem composição paritária formada por 8 conselheiros, sendo 4 conselheiros representantes do Fisco e 4 conselheiros representantes dos contribuintes e quando da ocorrência de empate nos votos, estes eram decididos através do voto de qualidade.
O site oficial do próprio Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, demonstra que no período compreendido entre 2017-2019 7% dos processos foram decididos através do voto de qualidade, sendo 5% ( 2.269 decisões ) pró fisco e 2% decido pró contribuintes ( 700 decisões ).
A goleada exposta no parágrafo anterior em nada tem o condão de causar dúvidas no tocante a qualidade das decisões, muito menos a legitimidade do respeitoso e qualificado tribunal, porém, a freguesia dos contribuintes sempre foi pauta discutida na academia tributária sob o prisma se de fato estaríamos diante de uma plena paridade de armas quando da análise administrativa.
O tema ganhou relevância e destaque quando a Medida Provisória 899/2019 foi convertida em Lei sob nº 13.988/2020 que regulamentou o instituto da transação tributária prevista no Art. 171 do Código Tributário Nacional.
O respectivo diploma legal, em seu Art. 28 acrescentou na Lei 10.522/2002 o Art 19-E com a seguinte redação:
“Art. 19-E. Em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972 , resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte.”
Da literalidade acima descrita, de pronto percebemos que a freguesia dos contribuintes estava com seus dias contatos visto que nos casos de determinação e exigência do credito tributário não mais se aplicaria o voto de qualidade, e, em caso de empate, fosse a lide com decisório favorável aos contribuintes, consagrando o principio do in dubio pro contribuinte previsto no Art. 112 do Código Tributário Nacional.
“Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto:
I – à capitulação legal do fato;
II – à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos;
III – à autoria, imputabilidade, ou punibilidade;
IV – à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.”
Diante do teor legislativo, foram ajuizadas no Supremo Tribunal Federal – STF três ADIs 6.399, 6.403 e 6.415, sob alegação de inconstitucionalidade formal e material.
Da análise do tema, o relator Ministro Marco Aurélio sustentou seu voto alegando inconstitucionalidade formal, explicitando que a norma regulamentadora da transação tributária tratou de matéria relacionada ao processo administrativo tributário, sendo tal prática um verdadeiro “Contrabando Legislativo” , o que popularmante conhecemos como “Jabuti” quando existe disposição legislativa sem qualquer pertinência temática com o diploma legal de forma geral.
Diante do respectivo voto, o Ministro Luís Roberto Barroso pediu vistas, e, em junho de 2021, ao proferir seu voto, o respectivo Ministro refutou qualquer argumento no tocante a inconstitucionalidade, seja ela de cunho formal ou material, explicitando que a Emenda que incluiu o respectivo dispositivo teve seu processo legislativo sem vícios. Em seu voto, o Ministro Barroso tratou de temas que merecem enormes reflexões, entre eles, destaca-se que ao se decidir os temas em debates no órgão administrativo pró contribuinte, estaríamos diante de uma ficção jurídica, ou seja, sem o condão de decidir se o tributo de fato seria devido ou não, e que as decisões com a respectiva ficção jurídica aplicada daria ao Fisco a legitimidade do direito de ação no polo judicial.
A sessão foi novamente interrompida com o pedido de vistas do Ministro Alexandre de Moraes, que posteriormente em seu voto, seguiu parcialmente a divergência apresenta pelo Ministro Barroso, seguiu no ponto que não haveria qualquer vício de inconstitucionalidade de cunho formal ou material, explicitando ainda em seu voto que a Constituição consagra de forma expressa garantias aos contribuintes frente a possíveis abusos do poder estatal. Porém, a discordância parcial do Ministro Alexandre de Moraes em relação ao voto do Ministro Barroso se apresentou na parte do voto em que Barroso entendeu que o fim o voto de qualidade daria ao Fisco legitimidade recursal para discutir o tema em sede judicial.
Fato é que o CARF faz parte da estrutura do Ministério da Economia, entender que o Fisco tenha legitimidade de ação diante dos processos resultantes de empate favorável ao contribuinte não me parece razoável visto que aceitar tal argumento estaríamos no meu sentir diante de verdadeira supressão do direito adquirido do contribuinte.
A essência do voto do Ministro Barroso poderia desencadear inclusive tese de inconstitucionalidade do dispositivo que anteriormente regulamentava o voto de qualidade, prevista no artigo 25, parágrafo 9º do Decreto nº 70.235, de 1972, resultando em verdadeira enxurrada de ações anulatórias em face dos processos administrativos decididos pelo voto de qualidade, independente da parte vencida.
Com a entrada do novo Governo em Janeiro de 2023, o tema ganhou novamente destaque no cenário tributário, muito por conta da publicação da Medida Provisória nº 1160/2023 que em seu artigo 1º estabeleceu que em caso de empate nos julgamentos do respectivo órgão administrativo, estes deveriam ser decidos na forma do §9º do art 25 do Decreto nº 70.235/72.
“Art. 1º Na hipótese de empate na votação no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o resultado do julgamento será proclamado na forma do disposto no § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972.”
Temos então, uma Medida Provisória vigente, vigência esta estabelecida em seus próprios termos, precisamente em seu Artigo 6º com a seguinte redação “Art. 6º Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.” bem como o tema suspenso de análise pelo Supremo Tribunal Federal – STF após novo pedido de vistas, desta vez, pelo Ministro Nunes Marques.
Embora não se tenha ainda publicado os votos do Ministros Edson Fachin, Cármem Lúcia e Ricardo Lewandosky, estes seguiram o entendimento do Ministro Alexandre de Moraes, bem como os Ministros Gilmar Mendes e Dias Tóffoli demonstraram que irão seguir o mesmo entendimento, por óbvio negando as ADIs, logo, formando maioria no STF no tocante a Constitucionalidade da norma que deu fim ao voto de qualidade.
No futebol, apenas à titulo de conhecimento, temos o julgamento do processo nº 18470.725814/20146 decidido parcialmente pelo voto de qualidade, figurava no polo passivo ex atleta Darío Conca que defendeu o Fluminense Football Clube no período compreendido entre 2008 à 2011. O Atleta foi autuado para recolher tributos em solo brasileiro sobre receitas auferidas em solo Chinês, em relação a esta parte do Auto de infração, o ex atleta saiu vencedor devido ao recolhimento fiscal ter sido feito na China bem como aplicação do Tratado Internacional Brasil – China que visa evitar a Bitributação, porém, em relação ao valores recebidos a titulo de Direito do Imagem que constava no citado auto de infração, a discussão administrativa restou por empatada, sendo decidada justamente pelo voto de qualidade, que na ocasião decidiu que o atleta deveria recolher a respectiva cifra tributária ao cofres públicos no tocante ao direito de imagem.
Precisamos estar atento ao tema, com a volta do voto de qualidade temos sim a volta da freguesia do contribuintes no respectivo gramado administrativo, embora qualquer discussão no tocante a imparcialidade e legitimadade do respectivo tribunal sequer seja razoável, não se pode negar que quando da análise dos números verifica-se larga vantagem do Fisco frente aos contribuintes.
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REFERÊNCIAS
http://idg.carf.fazenda.gov.br/noticias/2019/carf-divulga-retrato-do-quorum-de-seus-julgamentos
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13988.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10522compilado.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5900086
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5899306
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Mpv/mpv1160.htm