Casey Martin foi, antes de tudo, corajoso. Aos 26 anos, se transformou em herói americano ao ousar afrontar o glamouroso PGA Tour e a hostilidade dos companheiros de esporte. Talvez mais do que coragem, o principal combustível para comprar essa briga tenha sido a paixão pelo esporte: afinal, sem ela, Casey não poderia mais jogar golfe.
Casey sofre de síndrome de Kieppel-Trenaunay-Weber, uma rara doença circulatória congênita. No caso dele, o fluxo de sangue na perna direita era reduzido, o que lhe causava grandes dores depois de longas caminhadas. O risco de hemorragia e fratura era presente. No golfe, caminhar longas distâncias por muito tempo está presente no esporte.
Para continuar no esporte, Casey pediu à associação profissional de golfe para usar o carrinho durante os campeonatos, devido aos riscos que corria em função da doença. O pedido foi negado, com a justificativa de que o regulamento o proibia em campeonatos profissionais. Segundo a defesa da associação, o uso do carrinho iria dar vantagem injusta a ele com relação aos concorrentes. O princípio da igualdade esportiva em ação.
Ele não se conformou e levou o caso até a Suprema Corte americana. O principal argumento do jogador era a Lei dos Americanos com Deficiência, de 1990. Ela exigia acomodações razoáveis para pessoas com limitações. Mas com um porém: essas acomodações só seriam permitidas desde que a mudança não alterasse fundamentalmente a natureza da atividade esportiva.
A questão em discussão na Corte foi bem resumida pelo professor Vinicius Calixto no livro “Lex Sportiva e Direitos Humanos”: “O caso apresenta um conflito entre a aplicação do princípio da não discriminação previsto em uma lei federal dos Estados Unidos e o princípio da igualdade esportiva, levando em conta ainda um alegado risco de comprometimento da essência fundamental do esporte”.
Portanto, a Corte precisava determinar a natureza essencial do esporte golfe. Era preciso definir se andar pelo campo era fundamental ao esporte, o que faria com que a permissão para Casey usar o carrinho contrariasse a essência do jogo.
Por 7 votos a 2, em 2001, a Corte decidiu que Casey tinha o direito de usar o carrinho durante os campeonatos. Um dos juízes, incumbidos de analisar a história do golfe, concluiu que os carrinhos não interferiam no caráter fundamental da prática. A essência do jogo era a técnica e a precisão em arremessar as bolas acertando o buraco, com o mínimo de tacadas possível. A alegação de que andar testava também a capacidade física do atleta não foi aceita pela Corte, que, a partir de um laudo de um fisiologista, chegou à conclusão de que a caminhada pelos 18 buracos consumia apenas 500 calorias. Concluiu afirmando que o golfe é um esporte de baixa intensidade e alto teor psicológico e técnico.
Mesmo terminando o Open dos EUA de 1998 no 23º lugar, Casey saiu vitorioso. Ele venceu a batalha contra a poderosa associação americana e contra seus próprios colegas. Até Tiger Woods, colega de Casey durante um ano nos Cardinals, da Universidade de Stanford, era contra a luta dele: “Do ponto de vista do jogo, acho que passaria a ter uma vantagem adicional em relação aos outros”.
Não foi o que entendeu a Justiça. Casey Martin seguiu jogando e, mesmo depois de se aposentar como jogador, para não se afastar do esporte passou a ser técnico de golfe. Afinal, sua batalha sempre foi por uma paixão pessoal pelo esporte.
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Mais sobre: Supreme Court of the United States PGA Tour, Inc V Martin (00-24) 532 US 661, de 29 de maio de 2001.
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Foto: cnn.com