Falta ainda um “muito obrigado” ao senhor Bosman!
Você que trabalha com esporte, atleta, árbitro, intermediário, gestor, até advogado, talvez não conheça um dos jogadores mais famosos no Direito Esportivo: Jean-Marc Bosman. Está duvidando? Dá um Google. São milhões de resultados. E ele merece: o jogador belga revolucionou a organização e regulamentação do futebol mundial. E TODOS os jogadores do planeta têm muito o que agradecer a ele.
Em 1990, Bosman tinha 26 anos quando o contrato dele com o Liège chegou ao fim. O clube belga fez uma proposta de renovação, mas com uma redução grande de salário. O jogador não aceitou e tentou ir para o Dunkerque, da França. O negócio não evoluiu porque, mesmo sem contrato em vigor, o Liège exigiu um valor para liberar Bosman, e o clube francês não tinha como pagar.
Bosman ficou preso. Não aceitou a redução imposta pelo clube belga e não conseguiu se transferir para a equipe francesa. Foi suspenso pela federação belga. Para ter liberdade de trabalho, decidiu comprar uma briga judicial gigante: contra todo o sistema associativo do futebol. A luta não era apenas contra a federação belga, mas também contra UEFA e FIFA.
Advogados do atleta entraram com uma ação na Corte Europeia de Justiça, que fica em Luxemburgo, solicitando liberação, tendo como base o Tratado de Roma, que explicitava o direito do trabalhador à livre circulação na Europa. O Tribunal Europeu precisava resolver esta questão: os artigos 48, 85 e 86 do Tratado de Roma de 25 de março de 1957 deveriam ser usados para impedir que um clube de futebol exigisse e recebesse o pagamento de um montante em dinheiro pela contratação, por um novo clube empregador, de um dos seus jogadores cujo contrato tenha chegado a termo?
A Lei do Esporte contra uma Lei Pública
No dia 15 de dezembro de 1995, o Tribunal Europeu aceitou o pedido de Bosman. Todos os argumentos apresentados pela defesa e demais interessados – como exemplos, autonomia do movimento esportivo, caráter não econômico do futebol, liberdade associativa, restrição a intervenção das autoridades públicas em questões esportivas – foram insuficientes. O Tribunal entendeu que o Tratado de Roma é aplicado ao futebol. Ou seja, a lex publica, nesse entrelaçamento com a lex sportiva, se sobrepôs.
A decisão detonou uma regra básica das relações entre atletas e agremiações na União Europeia, uma espécie de superação sem fronteiras: terminado o contrato, o jogador estava livre para trabalhar em outro clube. Ou seja, o jogador de futebol passou a ter o direito de circular livremente pela Europa, sem ser mais “mera mercadoria”.
E a revolução não parou por aí. Os jogadores de futebol nascidos em países da UE passaram a ter os mesmos direitos de livre circulação laboral de qualquer outro cidadão comunitário – sem “quotas” de nacionalidade ou o pagamento de qualquer verba quando um jogador chegava ao fim do contrato.
O “Caso Bosman” transformou o futebol europeu no primeiro momento, mas sua essência se espalhou pelo mundo. Três anos depois da decisão, no Brasil foi promulgada a Lei 9.615, a Lei Pelé, que, entre outras coisas, acabou com o “passe”. Foi o fim do “trabalho escravo” no futebol brasileiro.
Apesar da vitória no tribunal, o atleta não teve vida fácil no futebol. Bosman só atuou em times pequenos e não ganhou dinheiro. Para alguns, ele foi vítima de um boicote dos principais clubes europeus. Ele jogou futebol até 1996, tendo como último clube o Visé, da Bélgica.
Bem, agora você já sabe quem foi Jean-Marc Bosman, um jogador belga, de histórico apagado, mas que venceu as poderosas federação belga, UEFA e FIFA. Mudou a relação de todos os jogadores na Europa e depois no mundo. Mesmo assim, passados mais de 20 anos da decisão, ele disse em uma entrevista: “Até hoje, nenhum jogador me disse obrigado”.
Já passou da hora de agradecer.
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