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Caso Ceará x Cuiabá: da inaplicabilidade da sanção de perda de ponto

Desde o domingo de 16/10/2022 a mídia e o público estão efervescentes pelo ocorrido na partida Ceará x Cuibá, válida pelo campeonato brasileiro série A. Para economizar com fatos e especulações generalizadas na imprensa, vai-se diretamente aos pontos críticos,ministrando os verdadeiros acontecimentos para odireito desportivo.

O Ilustre membro da Procuradoria do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), segundo se informou nos meios de comunicação, denunciou o Ceará Sporting Club nos arts. 205, § 1o, 211, 213 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) usquearts. 19 e 20 do Regulamento Geral de Competições (RGC).

A iniciar pela incursão do art. 211 do CBJD, cuja a apenação seria a interdição do estádio Castelão mais uma multa de 100 a 100 mil reais, entende-se completamente impertinente o enquadramento do Ceará neste tipo de tipificação. O estádio Castelão passa por vistorias públicas de seguranças mínimas, de estrutura, sanitárias, etc, até mesmo com atestamento de alvarás de funcionamento. Por ser público, os 2 clubes mandantes da série A requerem o policiamente, participação do corpo de bombeiros e o Governdo do Estado envia todo o aparato material e humano mínimo necessário.

Sendo assim, tal art. 211 serviria para inquéritos que buscam investigar se este sistema todo de segurança está falhando no estádio, mas não pode ser aleatoriamente descrito numa petição de denúncia simplesmente porque houve invasão de campo, ainda mais da forma que decorreu e explicar-se-á adiante, sem atitude dolosa do torcedor cearense. Ressalte-se que, o estádio Castelão detém todas as estruturas mínimas bem semelhantes a vários estádios do Brasil, a segunda Arena a ficar pronta para a Copa do Mundo.

Nesse quadro, é incabível a denúncia do Ceará no art. 211 do CBJD, inclusive em medida liminar, consequentemente não concedida pelo Presidente do STJD em despacho, o que significaria, absurdamente, vetar o mando de campo de outro clube cerenseparticipante da série A, o Fortaleza Esporte Clube, que manda os seus jogos também no mesmo estádio Castelão.

Quanto ao enquadramento do Ceará nos arts. 205, § 1o, do CBJD c/c arts. 19 e 20 do RGC, em que a apreciação da Comissão Disciplinar julgadora poderia resultar na perda do ponto conquistado pelo acusado na partida e a automática adição de pontos ao adversário Cuibá, também opina-se pela sua completa impossibilidade diante dos fatos narrados na Súmula da arbitragem da partida.

Primacialmente, o referido artigo do CBJD descrito no parágrado acima delineia que tão somente a suspensão da partida provocada pela invasão de campo pelo torccedor, poderia causar a pena reflexiva sobre o clube denunciado.

É princípio de qualquer Direito Punitivo, como é o Processo Disciplinar da Justiça Desportiva, que tipificações de sanções devem ser literalmente bem esclarecidas, não devendo gerar quaisquer tipos de interpretação em sua aplicação e dosagem, sob pena de deixar nas mãos de procuradores e auditores muito poder de definir se vão punir ou não e em que medida, algo que o Estado Repúblicano e Democrático de Direito jamais permite.

O árbitro relata na súmula que deu “a partida por encerrada” e nem poderia ser divergente, pois os arts. 19, 20, 21 e 22 do RGC nem permitiria a suspensão da partida, mas somente a conclusão, encerramento da partida, pois segundo esses dispositivos regulamentares as suspensões de jogos somente podem transcorrer até os 30 minutos de jogo do segundo tempo, ocasiões em que devem continuar até o dia seguinte. Como é sabido, não foi o caso da partida em análise que finalizou aos 49 minutos do segundo tempo, após o tempo regulamentar.

O art. 22 do RGC torna impossível a aplicação da perda do ponto pelo Ceará com revertimento de mais 2 pontos da partida ao Cuibá ao discorrer que apenas se a invasão de campo for culpa exclusiva do acusado é que se aplicaria a referida sanção. Ora, não há nenhum relato na Súmula da partida que jogadores, dirigentes ou quaisquer representantes do Ceará incitaram ou estimularam a invasão de campo. Portanto, não há como apenar o denunciado netes tipos regulamentares.

Nas penas reflexivas, aquelas em que os torcedores praticam infrações que resultam sanções sobre os seus clubes, é difícil se atestar a culpa exclusiva do clube processado, hipóteses raras explicadas no parágrafo anterior, inocorrentes no caso em tela.

Outra questão difícil para se aplicar a punição da perda do ponto, é que os arts. 19, 20, 21 e 22 do RGC utilizam expressões diversas, tais como: invasão da torcida que “suspende”, “interrompe”, “adia”. Conforme já se redigiu alhures, para fins de tipificação de penas, ainda que disciplinares, o legislador deve ser o mais literal e esclarecedor possível, não permitindo margens a interpretações distintas, é cediço que suspensão, adiamento e interrupção não é o mesmo que encerramento, conclusão da partida, não podendo o Ceará sofrer apenação por interpretação extensiva ou aplicação analógica, tornando inaplicável as penas ali contidas.

Órgãos de acusação e julgamento não podem criar normas punitivas, apenas aplicá-las e se tiverem que as interpretar, devem utilizar a melhor hermenêutica para absolver o denunciado, diante de tipificações obscuras e dúbias.

Outro ponto que torna o art. 205, § 1o, do CBJD c/c arts. 19 e 20 do RGC inaplicável ao caso Ceará x Cuibá para fins de perda e transmissão de pontos, é que o próprio art. 19, § 1o, do RGC determina que o árbitro da partida deveria ter aguardado 30 minutos, prorrogáveis por mais 30 minutos para suspendê-la, se entendesse que a infração geradora da paralisão era insanável. Na Súmula da partida está grafado expressamente que o árbitro somente esperou 13 minutos.

No mais, segundo consta da Súmula, o árbritro “deu por encerrada” a partida após 13 minutos da paralisação, levando em conta que a invasão de campo ocorreu aos 49 minutos do segundo tempo, ou seja, o tempo regulamentar de jogo já tinha esgotado, o que representa encerramento de jogo, mesmo restando 7 minutos extras, pois reposição de minutos é mera liberalidade da arbitragem não tendo quantificação determinada em regra da modalidade futebol.

O clube acusado não se beneficiou com a invasão de campo pela torcida, ao contrário, pelo que está transmitido e gravado pelos meios de comunicação, o time denunciado tinha acabado de realizar um gol com um jogador a mais, restando 7 minutos complementares, e o principal atacante do adversário tinha sido substituído. Qualquer tentativa de prever um melhor resultado, algo bastante complexo para fins de incidência de sanções, as melhores previsões seriam muito mais ponderáveis para o lado do clube processado e não ao seu adversário. Esses fatos reais afastam qualquer reclassificação da denúncia que pudesse elevar as penas do art. 205 do CBJD c/c os arts. 19 e 20 do RGC.

Portanto, diante de todo o esposado até o momento, é incabível a denúncia do clube acusado no art. 205 do CBJD usque arts. 19 e 20 do RGC, bem como no art. 211 do CBJD, diante de todas as contradições e obscuridades nos contornos das previsões de suas apenações.

Quanto à classificação da denúncia no art. 213 do CBJD, entende-se a mais plausível de decisão final de mérito em desfavor do acusado, que significaria a perda de mando de campo de 1 a 10 partidas e multa entre 100 a 100 mil reais.

Entretanto, a Súmula da partida é dotada de presunção relativa de veracidade, ou seja, revela um meio de prova que além de deflagrar o processo desportivo por via da denúncia, possui uma considerável força probatória (art. 58, caput, § 1o, do CBJD).

Exatamente por isso, é que as ocorrências discorridas pela arbitragem na Súmula influenciam bastante na decisão dos auditores, exceto quando são infirmadas ou desconstituídas por outras provas que convençam os julgadores a tomarem outro rumo decisório.

Nessa esteira, por mais que se entenda a possibilidade de condenação do clube acusado nas penas do art. 213 constante da denúncia, os auditores devem levar em consideração que segundo a Súmula da partida: “houve disparos de tiros pela Polícia para dispersar os torcedores que estavam brigando entre si e que a torcida do anel inferior adentrou em campo com o intuito de refúgiu da confusão para salvar a própria integridade física, na medida em que a torcida da parte superior estava lançando partes quebradas das cadeiras entre si, atingindo torcedores localizados no compartimento das arquibancadas debaixo”.

Recordando que o clube denunciado é réu primário, essas considerações relatas na Súmula da partida podem ter sido o verdadeiro motivo ou intensificação da invasão de campo, atitude culposa e não dolosa da torcida, sendo motivos de apreciação na dosimetria da pena, suficientes para uma condenação não máxima nos termos do art. 213.

Ressalve-se, a Polícia Militar que estava operando no jogo não assume que disparou tiros para dispersar a multidão de torcedores, contrariamente ao relatado na Súmula, porém, isso é algo que a Procuradoria deverá trabalhar por outros meios probatórios, desconstituir por produção de novas provas, pois a Súmula tem presunção relativa de veracidade, recaindo o ônus probandi sobre o munus do Parquet Desportivo e não do time réu.

Vale destacar que vem se noticiando na imprensa a abertura dos portões de acesso ao campo pelos torcedores do anel inferior da arquibancada para evacuarem da localidade e protegerem a própria integridade física. Se isso for verídico e o Ceará conseguir um policial como testemunha, que estava em serviço na hora e local do acontecimento, então, será um prova bastante robusta, considerando que tal ocorrência não está descrita na Súmula.

A absolvição plena da equipe ré é possível, contudo bem difícil, na medida em que há descrições na Súmula da partida que quem iniciou o tumulto resultante na entrada de parte do público em campo foi o próprio torcedor entre si do clube acusado e que após adentrarem no gramado, tentaram agredir os atletas que se refugiaram no vestiário.

Vale ressalvar ainda que, a transmissão da partida flagra um jogador do time réu ser cercado por seus torcedores e nas imagens não se verifica nitidamente qualquer agressão física, fato que pode ser uma atenunante se bem utilizada na defesa do clube. Outra informação que poderia reduzir as sanções do art. 213 é o relato de que a equipe de instalação do VAR conseguiu retirar os instrumentos tecnológicos todos antes de qualquer danificação pelos torcedores invasores. Resumindo, não houve prejuízos ou danos materiais aos jogadores e as ferramentas auxiliares de realização do jogo.

Em relação a denúncia, a Procuradoria de Justiça Desportiva tem uma função muito nobre, semelhante ao Ministério Público Estadual, Federal e do Trabalho, são fiscais da Ordem Jurídica (guardiões da Lei), não podem sucumbir a pressões da mídia, de federações ou de clubes adversários que queiram punições exemplares, severas, etc.

Cabe aos Ilustres representantes da Procuradoria filtrar informações, investigar e elaborar a denúncia pautada na Súmula da partida, principal prova de deflagração do processo desportivo, classificando dispositivos que sejam de justa medida, adequados, justos, pode até nem denunciar quando as sanções estejam tipificadas de maneira nebulosa. Quando da instrução processual restar comprovado a inocência dos acusados ou quando entender sinônimo de justiça, Procuradoria pode pedir absolvição de réus.

Na produção da denúncia em foco com pedido liminar se verifica um ímpeto, espírito contrário ao relatado acima, o da cultura da simples punição exemplar, mesmo que ela não seja limpidamente aplicável sob à égide da decantação jurídica, mas por influência midiática ou de forças tradicionais refratárias do sistema federativo do futebol.

Por outra dimensão, quanto ao despacho de concessão parcial do requerimento liminar de punição do Parquet Desportivo, vislumbra-se um aspecto bastante positivo, a cautela e zelo que o Presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) teve em conceder a sanção liminar da perda do mando de campo, evitando prejuízos a reversão do julgamento de mérito.

Todavia, há um concessão liminar de punição ao clube denunciado, que classifica-se excessiva de poder, pois houve a vedação de venda de ingressos aos torcedores do time réu para acompanhá-lo fora de casa. Ora! Em nenhuma passagem do art. 213 do CBJD há essa possibilidade de apenação ou sequer abertura para que qualquer regulamento/norma federativa possa detalher este tipo de sanção, se configurando esta parte da decisão um abuso (excesso) de poder – “não há infração sem lei anterior que a defina, nem sanção sem prévia cominação legal”.

Em síntese, é importante acompanhar o prosseguimento do referido processo desportivo, exigir das autoridades jusdesportivas que realizem as suas funções sem sucumbir a pressões diversas, buscando o verdadeiro significado de uma punição ajustada, adequada, em conformidade com as limitações da ordem jurídica e não calcadas em preferências pessoais, regionais, ou por influências externas de quaisquer naturezas.

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