A decisão da Justiça espanhola de aceitar o pedido da defesa de Daniel Alves para deixá-lo em liberdade provisória enquanto os recursos do processo, que o condenou a quatro anos e seis meses de prisão mais cinco anos de liberdade vigiada por estupro contra uma mulher, são analisados gerou uma série de críticas tanto no Brasil quanto no exterior.
Preso desde de janeiro de 2023, Daniel Alves poderá deixar a cadeia nesta sexta-feira (22). Para isso, ele precisará efetuar o pagamento de fiança estipulada em 1 milhão de euros (R$ 5,45 milhões) pela Justiça espanhola.
O brasileiro também terá de cumprir uma série de exigências estipuladas pela 21ª Seção do Tribunal de Justiça de Barcelona, tais como: entrega dos passaportes brasileiro e espanhol, afastamento de 1km e incomunicabilidade com a vítima, além de não deixar a Espanha e se apresentar ao tribunal semanalmente.
Como funciona o processo de fiança?
As legislações penais brasileira e espanhola possuem certas semelhanças e outras diferenças quando o assunto é fiança. Em ambos os países, o valor fixado pelo juiz leva em consideração aspectos como a gravidade do crime pelo qual o réu responde, antecedentes criminais e condições financeiras do acusado.
A grande diferença é que na Espanha, é mais fácil reaver o valor pago à Justiça pela liberdade provisória. Por lá, a fiança tem um forte incentivo para que o réu não fuja do julgamento. Já no Brasil, a quantia só é devolvida caso o réu seja absolvido.
“Em muitos sistemas de justiça ao redor do mundo, uma pessoa é considerada culpada e inicia o cumprimento da pena com o trânsito em julgado da sentença condenatória, isso é, quando acabam as possibilidades de recurso. Contudo, a legislação prevê alguns casos em que há necessidade de uma prisão provisória, ou processual, diante por exemplo de possibilidade concreta de fuga ou abalo da ordem pública. Como forma intermediária de acautelamento do Juízo e da sociedade, pode o Magistrado, ao invés de decretar a medida mais gravosa, que seria a prisão, estabelecer, entre outras medidas, a fiança. Em termos práticos, a depender do caso e das condições financeiras do réu, o Magistrado estabelece um valor pecuniário que é depositado em Juízo. Ao final do processo, em caso de absolvição, o valor é devolvido ao réu e, em caso de condenação, é usado para pagamento de multas e custas processuais”, explica o advogado criminalista Caio Ferraris.
Outra diferença importante é que a legislação penal brasileira não prevê a possibilidade de fiança para casos de estupro. Um exemplo prático é o de Robinho, que teve a sentença italiana homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) nesta semana. Diferente de Daniel Alves, o ex-atacante não poderá pagar qualquer quantia para deixar a prisão ou então reduzir a pena de nove anos de prisão.
“O caso do Robinho é inédito, tendo em vista que se trata de cumprimento no Brasil de sentença condenatória estrangeira com trânsito em julgado. De todo modo, considerando o habeas corpus impetrado por sua defesa junto ao Supremo Tribunal Federal, caso a Suprema Corte decida pela soltura do Robinho para aprofundar os debates sobre a possibilidade de cumprimento de pena criminal oriunda de país estrangeiro, o cumprimento de pena de Robinho pode ser interrompido e podem ser determinadas medidas alternativas à prisão. O art. 319, do Código de Processo Penal Brasileiro, prevê quais são as medidas alternativas aplicáveis e, entre elas, está a fiança. Contudo, o art. 323, II, do Código de Processo Penal, proíbe a concessão de fiança para crimes hediondos, como o estupro. Sendo assim, caso Robinho seja solto pelo Supremo Tribunal Federal, não poderá ser aplicada fiança. Exemplos de medidas cabíveis são: uso de tornozeleira eletrônica, comparecimento periódico em juízo, recolhimento de passaporte, entre outras. De todo modo, o tempo em que ele estiver sob liberdade provisória, em razão da aplicação de medida cautelar, não será contabilizado para fins de cumprimento da pena de 9 anos”, explica João Marcelo Costa, advogado especializado em direito penal.
“Essa possibilidade é inviável, pois Robinho irá cumprir a pena em solo brasileiro e conforme as regras da lei de execução penal. Ademais, o código de processo penal não prevê a possibilidade de fiança em caso de estupro. Robinho irá cumprir sua pena incialmente em regime fechado”, afirma o advogado mestre em direito penal Renan Gandolfi.
“Sinto que voltaram a me estuprar”, diz vítima sobre soltura de Daniel Alves
Em entrevista exclusiva ao ‘UOL Esporte’, a advogada da vítima, Ester García López, disse que “nunca viu sua cliente tão mal, desde o começo deste caso”.
“Sinto que voltaram a me estuprar. Estou cansada de ser forte, não quero mais ser forte”, disse a vítima.
A advogada afirmou que em 22 anos de profissão “nunca viu algo parecido com essa decisão” e que está preparando um recurso que deverá ser apresentado nos próximos dias.
“A sensação que fica é a de que a justiça tem um preço. A sentença já era injusta, uma vez que nunca vi uma pena tão baixa para um estupro. Nós estamos lutando contra o poder”, declarou a advogada.
O que fez a Justiça da Espanha a permitir Daniel Alves responder em liberdade?
A 21ª Seção do Tribunal de Justiça de Barcelona considerou que, com os recursos apresentados pelas partes, há possibilidade de o processo se estender além da metade da pena de prisão efetiva (dois anos e três meses) ou do tempo máximo para prisão preventiva na Espanha (dois anos).
Fora isso, o Tribunal também explicou que a prisão preventiva exige ser “objetivamente necessária” e que “ou não existam outras medidas menos onerosas que possam ser adotadas ou dure o tempo mínimo imprescindível” para todo o processo.
De acordo com os jornais espanhóis, a espera-se que os recursos na sala de apelação do Tribunal Superior de Justiça da Catalunha sejam deliberados nos próximos meses. Todas as partes recorreram da sentença: a defesa de Daniel Alves, que pede absolvição; e o Ministério Público e os advogados da vítima, que demandam pena máxima (12 anos). O caso ainda pode ser levado até o Tribunal Supremo – última instância da Justiça espanhola.
Relembre o caso
Daniel Alves foi acusado de agredir sexualmente uma mulher de 23 anos no banheiro de uma boate de Barcelona, no dia 30 de dezembro de 2022. Ele foi detido no dia 20 de janeiro de 2023, quando compareceu para um depoimento, e mantido em prisão preventiva, no Centro Penitenciário Brians 2. Em fevereiro de 2024, a 21ª Seção do Tribunal de Justiça de Barcelona anunciou a sentença de quatro anos e seis meses de prisão mais cinco anos de liberdade vigiada.
Crédito imagem: Puma/Divulgação
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