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Caso Daniel Alves: se fosse no Brasil, quais seriam os possíveis reflexos trabalhistas no emprego desportivo?

O que torna o ser humano diferente dos demais animais, sobretudo da classe dos mamíferos, é racionalizar suas condutas, até mesmo, minimamente, os atos afetivos, apaixonados, amorosos, sexuais.

Nessa esfera, crimes praticados contra a liberdade sexual de uma pessoa são abomináveis, mormente de um homem contra uma mulher, por questão de natureza biopsicofísica e de maior frequência na humanidade. Este tipo de violência deve ser apurado e punido com toda a justeza prevista em Leis Penais.

Acerca da condenação de Daniel Alves em primeira instância por agressão sexual na Espanha (estupro no Brasil), esta coluna na assenta em aspectos jurídicos criminais, já que refoge da especialidade científica do colunista, mas sim algumas breves análises justrabalhistas.

O ex-jogador da seleção brasileira está encarcerado preventivamente, a requerimento do Ministério Público Espanhol, desde 20 de janeiro de 2023, há mais de um ano. No início de fevereiro sobreveio a referida condenação, apenas divulgada na mídia neste último dia 22 de fevereiro de 2024.

Em consentâneo ao plenamente difundido pela mídia: o Club Universidad Nacional do México (conhecido como Pumas) despediu Daniel Alves com justa causa desde o dia de sua prisão preventiva – data descrita acima.

Se o clube empregador mencionado fosse brasileiro, portanto, levando-se em consideração o sistema jurídico do Brasil, quais seriam as possíveis consequências de Direito do Trabalho?

Inexiste norma específica da Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé) e da Lei n. 14.597/23 (Lei Geral do Esporte-LGE) que regulamente a possibilidade de aplicação de justa causa no contrato especial de trabalho esportivo quando o atleta é preso preventivamente por cometimento de crime.

Todavia, tanto o art. 28, § 4o, da Lei Pelé, quanto o art. 85, caput, da LGE admitem a aplicação subsidiária do art. 482 da CLT que trata das hipóteses específicas de justa causa no contrato de trabalho.

Neste caso Daniel Alves, semelhante ao que transcorreu com o ex-goleiro do Flamengo, Bruno, preso preventivamente em processo penal, os relatados jogadores se encontraram impedidos de prestar o objeto do seu contrato de trabalho desportivo.

Embora os atos infracionários sejam cometidos fora do ambiente de trabalho, ressalvando-se que no caso do ex-goleiro Bruno, talvez os mandos criminosos tenham acontecido durante o tempo de realização do labor, dentro das estruturas do clube empregador, não deixam de se constituir atitudes de improbidade (art. 482, a), da CLT) e mau procedimento (art. 482, b), da CLT) que inviabilizam a execução contratual, atraindo, excepcionalmente na relação empregatícia esportiva, a incidência da extinção contratual trabalhista com justa causa.

Na dimensão da imagem atlética profissional construída pelo jogador ao longo de sua carreira, principalmente, levando-se em consideração a realidade brasileira, os empregadores desportivos também contratam de forma conexa o direito de exploração da imagem do atleta associado as suas marcas, símbolos, reputação da organização desportiva contratante, desvelando-se inequívoca, pela fama do ex-lateral titular da seleção brasileira, a incorrência em justa causa delineada no art. 482, k), da CLT. Tal disposição aplicada subsidiariamente (art. 28, § 4o, da Lei Pelé; art. 85, caput, da LGE) é filologicamete possível fora do ambiente de trabalho, atingindo a honra objetiva da entidade empregadora desportiva.

Entretanto, não são todos os jogadores suscetíveis de incorrer neste tipo de justa causa expressada no parágrafo antecedente, é preciso que o atleta detenha uma carreira famosa, configurando-se exatamente a condição do ora condenado pela primeira instância da Justiça Espanhola.

Por não se tratar de prisão decorrente de decisão penal transitada em julgado, uma organização empregadora desportiva pode optar em acionar o seu Poder Disciplinar para suspender o contrato especial de trabalho esportivo nessas situações, podendo-se prorrogar o vínculo contratual pelo mesmo tempo de suspensão, mediante o fundamento disposto no art. 28, § 7o, da Lei Pelé (praticamente reproduzido no art. 88, caput, da LGE).

No entanto, pelos requisitos de gravidade criminosa que enseja uma prisão preventiva até uma decisão penal definitiva, como decorre no caso em tela, o empregador desportivo não é obrigado a suspender o contrato laboral com o atleta detido, a motivação criminal é suficiente para que se possa aplicar de imediato a rescisão contratual com justa causa, conforme praticou o clube mexicano, pois decorre a impossibilidade de execução laboral desportiva por pena privativa de liberdade.

O professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, João Leal Amado, ainda que a contrario sensu, transparece ser uma espécie de justa causa a inviabilidade permanente de cumprimento do contrato laboral desportivo, nomeado no Direito Português de caducidade contratual trabalhista.[1]

Nessa medida, a caducidade do contrato de trabalho desportivo corresponde perfeitamente aos casos de impossibilidadede de cumprimento contratual por consequência de penas privativas de liberdade, provenientes de decisões do Poder Judiciário ou em flagrante delito por autoridade policial.

Em resumo, parece razoável a decisão tomada pela organização empregadora desportiva mexicana. Por outro lado, considerando a ordem jurídica brasileira, haveria ainda a alternatividade de usar a suspensão contratual laboral. No entanto, recorde-se, em relação a este caso, arcar com os prejuízos de aguardar uma sentença penal condenatória transitada em julgado, para somente depois aplicar uma justa causa, atravanca desmedidamente o Poder Disciplinar do empregador esportivo, além de não ser nada adequado e proporcional restringir-lhe a utilização de espécie de sanção disciplinar laboral.

Crédito imagem: Getty Images

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[1] Recomenda-se a leitura inteira de AMADO, João Leal. Secção de Jurisprudência. TRG – Acórdão de 9 de maio de 2019 (Quem não pode jogar, não pode trabalhar?). RLJ Revista de Legislação e de Jurisprudência. Coimbra: Gestlegal, ano 148.o, n.o 4017, p. 380-405, Julho – Agosto, 2019.

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