A jornalista Gabriela Moreira trouxe a notícia de que a Justiça Federal de Itabaiana, em Sergipe, determinou a quebra do sigilo bancário do jogador Diego Costa. O atacante é suspeito de ter relações próximas com uma empresa de apostas acusada de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Mais detalhes desse caso, aqui. Na sequencia do texto, quero falar sobre outra questão importantíssima que o caso traz e também merece reflexão: a manipulação de resultado no esporte.
Pode um jogador ser dono de um site de apostas? Pode um atleta apostar em uma competição em que ele participa?
A resposta é tão clara que sequer vou colocar por aqui para poupar a inteligência de todo leitor.
Agora, infelizmente, isso tem se repetido no esporte. Recentemente no tênis, a eslováquia Dagmara Baskova foi punida por manipular resultados de seus jogos e, no futebol, o inglês Kieren Trippier também foi recebeu punição grave por quebrar regras relacionadas a apostas.
Claro que o esporte precisa de mecanismos internos que impeçam que esse tipo de ação aconteça, já que ela coloca em xeque um dos pilares do esporte, a integridade. A manipulação de resultados é um dos maiores inimigos do esporte. E é fácil entender por quê.
Esporte vive da incerteza
A graça do esporte está na incerteza do resultado. Se todos soubessem de véspera qual seria o placar de um jogo, o esporte perderia força, e a paixão encolheria. Por isso vários dos princípios do direito esportivo visam garantir essa imprevisibilidade, como a integridade esportiva, o jogo limpo, e a paridade de armas, que é dar condições iguais aos competidores.
Daí porque é fundamental, entre outras coisas, combater a manipulação de resultado.
Normalmente essa fraude ocorre por interesse financeiro, mas ela também agride a natureza do esporte. E não é um problema recente no esporte, é histórico.
O “CBJD” de 1942 já trazia punições contra a manipulação de resultados
O professor Wladimyr Camargos lembrou, em coluna no Lei em Campo, que a resolução do Conselho Nacional de Desportos (CND), de 4/11/1942, que traz a primeira Lei Geral do Esporte, dispunha acerca de um tema bastante caro nos dias de hoje: a manipulação de resultados de partidas e competições.
O texto original assim regia o assunto:
33.
- d) será motivo de eliminação do atleta a participação ou cumplicidade em tentativa de suborno, destinado a causar, promover ou facilitar a derrota de um quadro, bem come o fato de ter conhecimento da tentativa e não denunciá-la imediatamente
35.
Estará sujeito a grave punição aquele que, direta ou indiretamente, induzir ou tentar induzir o atleta a proceder, em campo, de maneira desvantajosa para o quadro a que pertence, ou a algum árbitro ou linesman, com o Propósito de persuadi-lo ao desempenho da função, por forma que assegure ou facilite a vitória de uma determinada associação. Apurada a infração, o responsável ficará inhabilitado [sic] para ocupar cargo ou função em entidade desportiva e para ser sócio, atleta, dirigente, treinador, massagista ou empregado a serviço dos desportos. Se do fato ou fatos compreendidos neste item resultar a responsabilidade de alguma entidade desportiva, será esta suspensa e, no caso de reincidência, ser-lhe-á cassada pelo C. N. D. o direito de funcionamento.
Ou seja, os dispositivos transcritos visavam proteger o esporte de alto rendimento contra atitudes que atuavam contra a igualdade do esporte. Mesmo lá em 1942, quando o Direito Esportivo começava a ser entendido e aplicado no Brasil, já se via a necessidade de proteger a integridade do esporte.
E ainda hoje, o esporte no Brasil e no mundo se vê ameaçado.
O tênis, o futebol?
Após “vender” e manipular resultados de seus jogos, a tenista da Dagmara Baskova recebeu uma punição de acordo com a gravidade dos fatos: ela não poderá atuar profissionalmente nos próximos 12 anos.
A punição foi anunciada no final de dezembro de 2020 pela Unidade de Integridade do Tênis (TIU), entidade encarregada pela investigação. A atleta ainda terá que pagar uma multa, estipulada inicialmente em quase R$ 200 mil.
Segundo a Associação Internacional de Integridade nas Apostas, a manipulação de resultados envolve uma indústria de criminosos em vários esportes. Só em 2019 houve 37 casos. O tênis liderou as denúncias, com 17 casos suspeitos.
Para combater a manipulação, o tênis investiu em Integridade.
Responsável por investigar manipulações de resultados, a TIU é um órgão anticorrupção que supervisiona o tênis profissional. A organização, que foi criada em 2008 por iniciativa da ITF, ATP, WTA e dos quatro torneios do Grand Slam (Australian Open, French Open, Wimbledon e US Open), tem a política de tolerância zero para a corrupção relacionada às apostas.
Com operação independente, e com sede em Londres, a TIU é financiada pelas organizações responsáveis por sua criação. Além de combater a corrupção, ela investiga e repreende infratores.
Outro caso do futebol também foi notícia no final de 2020.
A Fifa suspendeu Kieran Trippier, do Atletico de Madri, por 10 semanas. O jogador esteve envolvido em uma aposta virtual sobre a própria transferência do Tottenham para o atual clube.
Além da suspensão, Trippier teve que pagar uma multa de 70 mil libras (cerca de R$ 490 mil na cotação atual).
Tudo aconteceu em 2018, quando Trippier apostou, de forma indireta, na sua transferência do Tottenham para o Atlético de Madrid, ato que violou as regras de apostas feitas pela FA.
“Uma comissão reguladora independente foi nomeada para ouvir o caso, com quatro das supostas violações comprovadas e três rejeitadas durante uma audiência pessoal subsequente”, disse a FA ao anunciar a punição do jogador
Também por manipulação de resultados, o então presidente do Olímpia do Paraguai, Marco Trovato, foi banido do futebol. A punição teve como base o art 18 do Código Disciplinar da FIFA (manipulação de jogos) e o 20 (dever de colaborar. Os jogos aconteceram entre 2018 e 2019.
Importância da autorregulação do esporte
Além do papel do Estado, que trabalha para investigar casos de lavagem de dinheiro e evasão de divisas, julgar e punir, o esporte também precisa agir e se proteger.
A autorregulação tem papel fundamental na proteção da integridade esportiva. A punição ao lateral do Atlético de Madri, do ex-presidente do Olímpia e da tenista mostram como ela é decisiva para punir atletas e manter o jogo limpo. A punição também tem esse caráter educativo. Quando ela se faz presente, afasta o sentimento de impunidade.
No Brasil as regras de licenciamento e os regulamentos esportivos estão avançando. O Fair Play Financeiro também deve chegar por aqui (Quando mesmo?)
Mas a defesa da integridade já é inegociável.
Um atleta não pode ter nenhum tipo de associação com jogos de apostas. Isso poderia implicar em conflito de interesse, e além disso atingir a integridade do esporte, o fair play a ordem esportiva, a incerteza do resultado. A lista dos princípios do direito esportivo atingidos é mesmo gigante.
As entidades esportivas precisam entender que seus regulamentos não podem mais ser omissos em questões caras ao esporte. No caso da manipulação, essa autorregulação precisa proibir que jogadores, treinadores e árbitros sejam apostadores.
Além disso, o trabalho de monitoramento, com o auxilio da ciência e tecnologia se tornam vitais para combater essas quadrilhas cada vez mais sofisticadas. A Federação Paulista de Futebol, por exemplo, tem um trabalho muito bem feito de monitoramento de manipulação.
Importante destacar que alguns clubes no Brasil já estão se protegendo. Eles têm colocado nos contratos com atletas e técnicos cláusula que proíbe associação deles com qualquer forma de aposta, loterias ou atividades similares relacionadas ao futebol. Além disso, o contrato precisa determinar que o atleta (técnico) não tem nenhum interesse em empresa ou parceria com organização promovam ou organizem esse tipo de atividade.
Ou seja, proteção!
Assim como o futebol, o vôlei, o basquete, o tênis? precisam se proteger da manipulação de resultados, garantindo algo que é a essência de todo e qualquer esporte: uma disputa limpa e igual.
Crédito imagem: Getty Images
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