Pesquisar
Close this search box.

Caso Gabigol: reflexos trabalhistas desportivos

As diversas notícias informam que o conhecido atacante do Flamengo, Gabigol, teria tentado fraudar o processo de controle de dopagem pela Agência Brasileira Antidopagem.[1] Segundo é da atuação comum desta Instituição de antidoping, pautado em normas internacionais públicas e privadas, relacionadas à Agência Mundial Antidopagem, a fiscalização antidoping pode acontecer em qualquer momento, fora de competições.

O texto de hoje não pretende dissecar as questões jurídicas do processo em tramitação na Justiça Desportiva Antidopagem do Brasil e na Court of Arbitration for Sport em grau de recurso, pertinente ao caso Gabigol, mas sim, exclusivamente, os reflexos de suas decisões proferidas sobre o contrato especial de trabalho desportivo do atleta em tela.

A Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé) e a Lei n. 14.597/23 (Lei Geral do Esporte-LGE) não preveem, especificamente, os atos de indisciplina de dopagem como hipótese de suspensão ou justa causa sobre o contrato especial de trabalho desportivo, motivo o qual é matéria de ampla divergência e debate entre os juristas.

Conforme já se manifestou nesta coluna semanal para casos semelhantes e publicamente em entrevista, o entendimento deste colunista vai no sentido de uma decisão definitiva da Justiça Desportiva Antidopagem, que impõe suspensão longa ou eliminação do atleta da prática competitiva, ter o condão de possibilitar ao empregador desportivo o acionamento do seu Pode Disciplinar Trabalhista para aplicar reflexivamente uma suspensão ou a própria extinção do contrato especial de trabalho desportivo.[2]

Esses tipos de sanções laborais reflexivas são possíveis porque as condenações definitivas dos Tribunais Desportivos Antidopagem comprovam por completo que o atleta apenado infringiu o seu dever (obrigação) especial em exercer a sua atividade desportiva profissional de acordo com as regras de sua modalidade, bem como consoante as normas que regem a disciplina e ética desportivas (art. 35, III, da Lei Pelé c/c art. 74, III, da Lei Geral do Esporte).

Os canais legais que viabilizam a utilização do Poder Disciplinar pela entidade empregadora desportiva para suspender o contrato laboral do atleta estão prescritos no art. 28, § 7o, da Lei Pelé c/c art. 88, caput, da LGE, desde que a culpa seja exclusiva do jogador, não podendo ser política do clube a dopagem e a condenação da Justiça Desportiva Antidopagem deve ser superior a noventa (90) dias, pois o ato de dopagem atlética não consentida pelo empregador desportivo se pode considerar conduta desvinculada da atividade profissional – doping é anti-esporte.

Assente-se, entretanto, que para a entidade empregadora desportiva poder aplicar a suspensão disciplinar trabalhista nessas situações deve existir uma cláusula expressa no contrato laboral desportivo, bem como do mesmo modo para a prática de uma possível prorrogação deste contrato decorrente da medida suspensiva (art. 28, § 8o, da Lei Pelé c/c art. 88, parágrafo único, da LGE).

O término com justa causa do contrato especial de trabalho desportivo por uma punição de eliminação ou de suspensão elevada, proferidas de maneira definitiva pela Justiça Desportiva Antidopagem, é possibilitado por se enquadrar perfeitamente nas hipóteses de indisciplina e mau procedimento, mediante a incidência subsidiária do diploma consolidado através da legislação esportiva (art. 28, § 4o, da Lei Pelé, art. 85, caput, da LGE usque art. 482, b), h), da CLT).

Na realidade quotidiana, comumente, quando decorre uma sanção severa transitada em julgado da Justiça Desportiva antidopagem o empregador desportivo mantém o contrato em situações de não eliminação ou realiza o distrato (art. 28, § 5o, I, da Lei Pelé c/c art. 90, I, da LGE), caso Dodô e Vasco da Gama, primeiro caso Jobson e Botafogo.

Neste caso do Gabigol, o seu empregador Flamengo já declarou publicamente que apoia o jogador, portanto, deve, no mínimo, manter o vínculo contratual laboral vigente com o atleta até o fim, independentemente do resultado dos recursos no processo perante a Court of Arbitration for Sport.

Todavia, diante do atual desencadeamento processual, em que é ainda possível a obtenção do efeito suspensivo até uma decisão definitiva da referida Corte Arbitral Suíça, é totalmente prudente por parte do Flamengo não instrumentalizar o seu Poder Disciplinar Laboral, pois o atleta pode ser absolvido em decisão definitiva, o que excluiria a motivação para aplicação de qualquer sanção trabalhista reflexiva no contrato especial de trabalho desportivo.

A simples concessão de um efeito suspensivo recursal permite ao jogador a continuidade de suas atividades profissionais normalmente até existir uma decisão definitiva do Tribunal Arbitral Suíço, o que por si só afasta a chance da fundamentação exposta acima para sancionar o empregado desportivo por ato indisciplina ou mau procedimento no espectro do contrato laboral desportivo.

O manuseio subsidiário pela entidade empregadora desportiva para aplicar a suspensão disciplinar laboral de trinta (30) dias sobre o atleta, prevista no texto celetista (art. 28, § 4o, da Lei Pelé, art. 85, caput, da LGE usque art. 474 da CLT), também não deve decorrer, uma vez que o processo antidopagem ainda está em trâmite e o jogador poder restar absolvido.

Em suma, aguarda-se as próximas fases processuais do caso Gabigol no sistema de Justiça Desportiva Antidopagem, mas as primeiras incursões na dimensão do contrato especial de trabalho desportivo são essas.

Crédito imagem: Flamengo/Divulgação

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


[1] GOMES, Fred; MARQUES, Letícia; ZARKO, Raphael. Defesa tentará efeito suspensivo para dar condição de jogo a Gabigol, do Flamengo; entenda. Disponível em: <https://ge.globo.com/futebol/times/flamengo/noticia/2024/03/25/defesa-tentara-efeito-suspensivo-para-dar-condicao-de-jogo-a-gabigol-do-flamengo-entenda.ghtml>. Acesso em: 29 mar. 2024.

[2] Etrevista concedida para BORGES, João Alexandre. Contrato, efeito suspensivo e mais: especialista tira dúvidas sobre o caso Gabigol. O dia. Disponível em: <https://odia.ig.com.br/esporte/flamengo/2024/03/6816732-contrato-efeito-suspensivo-e-mais-especialista-tira-duvidas-sobre-o-caso-gabigol.html>. Acesso em: 01 abr. 2024.

 

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.