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Caso Guerrero

Quando a bola foi levantada para a área do Caxias por Camilo, Paolo Guerrero subiu não só para colocar a bola na rede e levantar a torcida do Internacional no Beira-Rio, mas também para pôr fim a um pesadelo. Foram 281 dias sem marcar um gol. Uma eternidade para quem vive desse ofício.

O atacante peruano cumpriu pena por doping, numa discussão jurídica que movimentou o mundo esportivo.

Com a volta de Guerrero, é importante relembrar esse caso, que mostra como a questão do doping é tratada com rigor no mundo esportivo.

No dia 3 de novembro de 2017, a Comissão Disciplinar da FIFA decidiu punir o atacante preventivamente por 30 dias. Um mês antes, o exame antidoping feito após o jogo do Peru contra a Argentina pelas eliminatórias para a Copa do Mundo apontou a presença da substância benzoilecgonina, encontrada na cocaína e nos chás feitos à base da folha de coca. Ela é proibida pela Agência Mundial Antidopagem, a WADA.

A WADA é rigorosa. Segundo o Código Mundial de Dopagem, que existe desde 2004, a pena prevista é de dois anos ou mais. E o doping é tratado como uma responsabilidade objetiva. Ou seja, independe de culpa. É o atleta que tem de provar que ingeriu a substância sem a ideia de ganhar desportivamente. A situação de Guerrero, e de todos os flagrados no antidoping, era mesmo difícil.

A defesa alegou que o doping foi involuntário e se deu após a ingestão de um “chá de anis” no hotel. Segundo a defesa, a jarra, a xícara poderiam estar contaminadas. A presença da substância proibida na amostra foi de 50 ng/ml. Normalmente, em casos de doping julgados no Brasil, a presença da substância ficou acima de 500 nl/ml. Para a defesa, seria mais uma prova de que nunca houve a intenção do atleta de ganhar rendimento e de que a substância foi ingerida pelo chá.

Mesmo assim, em dezembro a Comissão Disciplinar puniu Guerrero por um ano. Ele ficaria fora da Copa. Uma apelação ao próprio Comitê reduziu a pena para seis meses. Ele poderia jogar na Rússia. Mesmo assim, nem atleta nem WADA aceitaram o resultado e decidiram apelar. O caminho agora seria o Tribunal Arbitral do Esporte, o TAS.

O TAS analisou o caso e entendeu que o atleta não tentou melhorar seu desempenho com a ingestão da substância proibida, mas teve culpa por não ter tomado medidas para se proteger do risco. Ou seja, a responsabilidade objetiva de que falamos. Portanto, o tribunal acatou o pedido da WADA e aumentou a pena, que passou de 6 para 14 meses de suspensão. A decisão era final, não caberia mais recursos na esfera desportiva. Só restava o caminho do Tribunal Suíço, cuja competência a FIFA reconhece para dirimir questões de direito, mas não de mérito.

No dia 31 de maio de 2018, menos de um mês antes do início da Copa, veio a decisão. O Tribunal Suíço liberou Guerrero de forma provisória por considerar exagerada a punição dada pelo TAS, sobretudo porque houve entendimento geral de que o jogador acabou se dopando de forma involuntária. Além disso, o Tribunal Suíço levou em consideração o fato de Guerrero ter 34 anos e os efeitos negativos que a exclusão da Copa representaria na vida do jogador. Ou seja, ele seria punido duas vezes pelo mesmo erro, no direito conhecido como bis in iden.

“O presidente do Tribunal de Primeira Instância de Direito Civil do Tribunal Federal concede efeito suspensivo de forma superprovisória ao recurso interposto pelo futebolista peruano Paolo Guerrero contra a sentença injustificada proferida pelo Tribunal Arbitral do Esporte (CAS). O aumento do CAS de seis para catorze meses da duração da suspensão do apelante por violação dos Regulamentos Antidoping da FIFA é assim provisoriamente privado de efeito. Como resultado, Paolo Guerrero poderá participar da próxima Copa do Mundo da FIFA, que acontecerá de 14 de junho a 15 de julho de 2018 na Rússia.”

Ou seja, o tribunal suíço não entrou no mérito, apenas concedeu um efeito suspensivo da decisão do TAS, permitindo que ele jogasse o Mundial. Por isso, logo em seguida o Tribunal Arbitral revogou o efeito suspensivo, e ele voltou a cumprir a suspensão.

O caso de Guerrero abriu várias discussões no esporte.

Uma com relação ao rigor da WADA. Antes da copa, a FIFPro, federação internacional dos atletas, emitiu comunicado dizendo que a punição era “o exemplo mais recente de um Código Mundial Antidpoing que muitas vezes leva a sanções inapropriadas”.

Outra crítica à falta de critério do TAS. Em 2009 o tenista francês Richard Gasquet foi flagrado com substância proibida no organismo. Ele alegou ter sido contaminado ao dar um beijo em uma pessoa que teria feito uso da droga. O tribunal inocentou o tenista.

A conclusão é de que o esporte pune doping com rigor elevado, maior até do que a legislação brasileira lida com quem cometeu crime. A explicação pode estar no fato de o doping ir na contramão de um princípio dos mais caros ao esporte, o da paridade de armas.

Mesmo assim, é importante refletir. Não seria o caso de o doping involuntário ter um peso maior na decisão, diminuindo a pena do atleta? É sabido, dois anos na vida de um profissional do esporte representa uma perda gigante na carreira dele.

Entender que o atleta é considerado o principal responsável por tudo que seu corpo contém é fundamental. Cabe a ele manter-se informado de tudo que vai consumir e ingerir todos os dias. A lista de substâncias proibidas é pública. Dizer que não sabia, ou que o doping foi involuntário, independentemente da quantidade, não tem sido suficiente nos julgamentos de doping. Paolo Guerrero sentiu isso por 251 dias da sua carreira como jogador.

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