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Caso Robinho e a Justiça Desportiva

A repercussão do caso Robinho foi avassaladora nesta semana, especialmente depois da divulgação de trechos de conversas entre o atleta e amigos, constantes do processo em tramitação na Itália. Muito se debate sobre a culpa ou não do atleta, sobre o teor lamentável dos diálogos, sobre a forma como o Santos lidou com a situação e, acima de tudo, sobre a abominação do suposto crime. Esta coluna também debaterá o tema, mas sob o prisma foco deste espaço: a justiça desportiva.

É que 13 coletivos de torcedoras enviaram ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (“STJD”) uma notícia de infração disciplinar, requerendo o oferecimento de denúncia e a consequente anulação do registro do atleta. De forma sagaz, as torcedoras não fundamentaram a notícia de infração no suposto crime do atleta, mas na irregularidade do registro realizado no dia 12 de outubro, feriado nacional. O ato fere o regulamento nacional de registro e transferência de atletas de futebol, que prevê que “a publicação no BID dar-se-á em horário de expediente da CBF”.

E por que a estratégia das torcedoras foi sagaz? Porque se o fundamento da notícia de infração fosse o suposto crime cometido e as consequências sociais de uma entidade de prática de desporto ser integrada por um condenado por estupro (ainda que ainda caiba recurso da decisão), seria possível argumentar que não cabe à justiça desportiva julgar o caso. Digo “poderia” já que também cabe o contra-argumento de que a presença do atleta na competição, dadas as circunstâncias, poderia prejudica-la, seja pela retirada de patrocínios, pela repulsa de parte das torcidas, ou até mesmo de outros atletas. Mas, de qualquer forma, a competência da justiça desportiva (fosse este o argumento da notícia de infração) seria questionável.

Mas quando as torcedoras fundamentam a notícia de infração numa suposta infração ao regulamento, permitiria que a Procuradoria, se assim desejasse, apresentasse uma denúncia com base no artigo 191, III do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (“CBJD”) que pune quem deixa de cumprir o regulamento da competição.

Entretanto, ainda que tenha sido uma estratégia interessante, é provável que o tribunal não receba a notícia de infração apresentada pelas torcedoras. É que a despeito de o artigo 74 do CBJD prever que “qualquer pessoa natural ou jurídica poderá apresentar por escrito notícia de infração disciplinar desportiva à Procuradoria, desde que haja legítimo interesse, acompanhada da prova de legitimidade”, o torcedor não pode apresentar o documento.

Trata-se de entendimento firmado no STJD; o tribunal entende que o torcedor não tem legitimidade para apresentar uma notícia de infração. O entendimento se concretiza sob o argumento de que o Estatuto do Torcedor oferece ao torcedor meios próprios de manifestação por meio da Ouvidoria. O artigo 6º do Estatuto do Torcedor prevê que deve haver, em toda competição, o ouvidor que forneça “os meios de comunicação necessários ao amplo acesso dos torcedores”. Desta forma, portanto, o torcedor se manifestaria por meio da ouvidoria e esta, se assim entendesse, teria a legitimidade para formular uma notícia de infração a ser apresentada ao Tribunal. A procuradoria analisaria a notícia de infração e, se entendesse pertinente, ofereceria a denúncia e iniciaria o processo desportivo.

Como eu mencionei na coluna na qual abordo o papel do torcedor na justiça desportiva (aqui), não parece ser um acesso simples do ponto de vista do torcedor.

O caso do suposto registro irregular do atleta ilustra a necessidade de criar meios eficazes de acesso do torcedor à justiça desportiva. Ora, caso a procuradoria não oferecesse a denúncia ou se quaisquer dos legitimados deixasse de provocar o tribunal sobre isso, a questão passaria despercebida (claro, caso a ação não tivesse perdido o objeto, como ocorreu posteriormente).

Obviamente, o acesso individual do torcedor aos tribunais desportivos poderia inviabilizar a justiça desportiva. Mas meios estruturados poderiam ser desenvolvidos, de forma que um grupo de torcedores, munidos de um mínimo de assinaturas e da clara demonstração do legítimo interesse, pudesse apresentar a notícia de infração ao tribunal desportivo. Ainda, o acesso do torcedor poderia ser efetivado por meio de aperfeiçoamento da ferramenta que já existe: a ouvidoria. A ouvidoria poderia receber as notícias de infração dos torcedores e, se entender pertinentes, encaminhá-las ao tribunal, funcionando como uma espécie de filtro.

O torcedor é parte importante da competição, bem jurídico tutelado pela justiça desportiva. As decisões dos tribunais desportivos afetam os torcedores; é justo que sua participação não seja somente passiva.

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