O vôlei brasileiro está rachado. No final desta terça-feira (2), a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) divulgou uma nota repudiando a decisão do Conselho de Ética do Comitê Olímpico do Brasil (CECOB) que puniu a confederação com seis meses de desfiliação por permitir que o oposto Wallace, do Sada Cruzeiro, entrasse em quadra na final da Superliga.
O CECOB entende que a escalação de Wallace configurou descumprimento da suspensão de 90 dias que havia sido aplicada em abril ao jogador e que estava prevista para se encerrar nesta quarta-feira (3).
Na nota, a CBV classifica como “absurda” a determinação de suspensão do repasse de recursos do COB à confederação e a recomendação para que entidades públicas/privadas retirem seus patrocínios e apoios. A entidade ainda cita que a decisão é “totalmente desproporcional e pouco razoável”.
Segundo a CBV, a suspensão de repasses prejudica gravemente a preparação do vôlei brasileiro para os Jogos Olímpicos de Paris 2024 e impede a participação das equipes nos Jogos Pan-Americanos, nos Mundiais de base e nas etapas do Circuito Mundial de vôlei de praia.
Buscando esclarecer as principais dúvidas sobre o caso, o Lei em Campo conversou com especialistas em direito desportivo.
– Que riscos o vôlei brasileiro corre?
“O vôlei brasileiro está sofrendo retaliações por respeitar a legalidade e as instituições do desporto. A CBV recebeu duas decisões contraditórias, uma do CECOB e outra do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva). Por prudência, acionou o órgão nominado pelo mesmo COB pra dizer qual ela deveria cumprir. A CBMA estabeleceu que deveria cumprir a decisão do STJD. Assim foi feito. A CBV sem os recursos e com o afastamento do presidente (Radamés Latari) terá o seu ciclo olímpico prejudicado. Vale dizer que em Paris seriam 6 chances reais de medalha e o que o vôlei é a modalidade que mais trouxe medalhas pro COB nos Jogos Olímpicos na história”, avalia Gustavo Lopes, advogado especializado em direito desportivo.
“Trata-se de um dos casos mais complexos envolvendo o esporte recentemente, especialmente porque envolve algum tipo de disputa política cujo pano de fundo não é verdadeiramente conhecido, caso contrário as partes envolvidas não levariam a celeuma às últimas consequências”, diz Carlos Henrique Ramos, advogado especializado em direito desportivo.
– Vôlei do Brasil pode ficar fora de competições internacionais?
“Neste momento, o vôlei não está de fora de competições, uma vez que a decisão trata de competições em que o vôlei representa o COB e a próxima será o Pan no início de novembro. A suspensão vencerá na véspera do Pan, portanto, o vôlei brasileiro poderá disputar. Agora, sem recursos e acéfala institucionalmente, seguramente a preparação não ocorrerá e a CBV poderá desistir da disputa. Aliás, diante do ocorrido, a CBV deveria desistir do Pan e dos Jogos de Paris. Acredito que há grande chance de judicialização. Caso isso ocorra, pelos estatutos do COI (Comitê Olímpico Internacional) e da FIVB (Federação Internacional de Voleibol), o Brasil pode ficar de fora das competições de vôlei, do Pan e dos Jogos Olímpicos”, explica Gustavo Lopes.
“Mantido o quadro atual, de fato o vôlei brasileiro corre risco de ficar de fora de competições internacionais caso persista descumprindo as decisões do COB, especialmente caso este seja apoiado pelo COI e pela FIVB”, avalia Carlos Henrique Ramos.
– Qual o caminho para a CBV recorrer?
“No fundo, a questão deverá ser resolvida na mesa de negociação. Certamente o COB vem esticando a corda certamente para manter uma posição privilegiada no momento de negociar. A situação é desagradável e, agora envolvendo restrição a patrocínios, poderá desembocar na Justiça Comum”, entende Carlos Henrique Ramos.
– Jogo do Cruzeiro (x Minas, pela final da Superliga) pode ser anulado?
“Quem tem competência pra anular é somente o STJD, portanto, a resposta natural seria não, não corre o risco de ser anulado. No entanto, diante de todos os fatos e decisões ocorridas em dissonância com as normas desportivas, não me causaria estranheza alguma decisão exarada por órgãos incompetentes de anular a partida”, diz Gustavo Lopes.
“A partida final da Superliga em si, não me parece estar sob risco de anulação. Em última análise e, no máximo, o caso poderia ser enquadrado em escalação irregular de atleta no máximo, o que não seria amparado pela Justiça Desportiva, que liberou o atleta”, entende Carlos Henrique Ramos.
– Como é vista a punição do CECOB? Comitê pode executar os recursos do vôlei?
“Entendo que a decisão do CECOB é ilegal e inconstitucional porque: a) viola a autonomia das entidades desportivas ao afastar Presidente; b) viola a Lei Pelé ao impedir repasse de verbas (trata-se de obrigação do COB vinculada ao cumprimento de requisitos objetivos); c) viola o próprio estatuto do COB que nomeia a CBMA como órgão para solução de controvérsias; e d) viola o princípio da legalidade, da anterioridade, do devido processo legal e da ampla defesa ao aplicarem penalidades não previstas sem respeitar as normas processuais e materiais desportivas”, opina Gustavo Lopes.
“Wallace fez mais pelo desporto olímpico brasileiro do que a maioria dos dirigentes (em sentido lato) e, com 35 anos, acredito que vá buscar todos os meios pra aposentar-se dignamente, sem essa ‘marca’ da suspensão. O caso Wallace não é mais só dele. Tal como foi Bosman, Wallace hoje fala por todo um sistema que deve ficar alheio a pressões e interesses políticos. Wallace fala por um sistema autônomo e que deva cumprir suas próprias normas. Os Conselhos de Ética são de vital importância pro desporto, mas devem atuar dentro da sua restrita competência. Independente do resultado de todo esse imbróglio, o sistema desportivo como um todo já saiu derrotado”, encerra Gustavo Lopes.
Crédito imagem: Cruzeiro/Agência i7
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