Uma decisão proferida nesta terça-feira (11) pode abrir um importante precedente no esporte. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) entendeu que a atleta sul-africana Caster Semenya sofreu discriminação ao ser impedida de participar de competições femininas por se recusar a passar por um tratamento para reduzir seu nível de testosterona.
“A Corte Europeia de Direitos Humanos inaugura mais um capítulo nessa historia repleta de tensões, irritações e provocações sofridas pela Lex Sportiva, dessa vez pelo sistema jurídico supranacional dos direitos humanos. Cabe às organizações esportivas compreender que seus regulamentos e normas não estão indenes ao crivo de outros sistemas, especialmente em matérias de direitos humanos”, opina Vinicius Calixto, advogado especializado em direito desportivo.
“Mais uma vez o tensionamento entre conflitos da ‘lex sportiva’ e direitos humanos é notícia, isto porque, a prevalência dos direitos do homem, por parecer obvio, muitas vezes não se concretiza em decorrência da mola propulsora dos valores éticos e morais. O direito à igualdade, pilar da dignidade humana, é fonte majoritária para as relações humanas sociais, e esta foi a decisão que prevaleceu no presente caso da atleta Semenya”, aponta Alessandra Ambrogi, advogada especializada em direito desportivo.
A advogada reforça que o direito a não discriminação é preceito básico de qualquer Estado Democrático.
“Longe de adentrar as nuances dos dispositivos conflitantes, e fixando a acertada decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, o direito a não discriminação é preceito básico de qualquer Estado Democrático, e a sua inobservância pelo Estado Suíço, consubstancia violação à dignidade humana, que é valor fonte supremo de toda comunidade internacional”, avalia Alessandra Ambrogi.
Para Andrei Kampff, jornalista e advogado especializado em direito desportivo, a decisão reforça que o esporte não está separado dos direitos humanos. “A vitória é gigante. A decisão reforça necessidade de o movimento esportivo entender que não existe caminho longe da proteção de direitos humanos. Semenya teve reconhecido o direito de ser quem ela é”.
O TEDH respondeu a um recurso de Semenya, que tem hiperandrogenismo, contra a Justiça da Suíça, que em 2020 decidiu que a atleta deveria ser submetida a um tratamento hormonal caso desejasse continuar competindo nas provas de 800 metros.
“A Suíça extrapolou a limitada margem de apreciação que possuía neste caso, que se referia à discriminação com base no sexo e nas características sexuais, que só poderia ser justificada por ‘considerações muito fortes’”, decidiu o tribunal.
Na ocasião, a Justiça suíça confirmou uma decisão da Corte Arbitral do Esporte (CAS), última instância da justiça desportiva a nível mundial, que por sua vez validou o regulamento da ‘World Athletics’ (Federação Internacional de Atletismo) sobre o limite máximo de testosterona.
Em uma votação de quatro juízes contra três, o TEDH considerou que o Governo da Suíça violou a Convenção Europeia dos Direitos Humanos quanto à proibição da discriminação, ao direito ao respeito da vida privada e a um recurso efetivo.
Caster Semenya, campeã olímpica dos 800 metros em Londres-2012 e no Rio-2016, apresenta um excesso natural de hormônios sexuais masculinos, segundo a World Athletics. A entidade afirma que isso dá a sul-africana e a outros atletas como ela uma vantagem injusta sobre outras corredoras. Por conta disso, Semenya trava a mais de uma década uma disputa judicial com a federação.
Em abril de 2018, com base na opinião de especialistas da área, a World Athletics definiu um limite máximo de testosterona (5 nanomoles por litro de sangue) para autorizar a presença de atletas na categoria feminina em distâncias que variam de 400 metros a uma milha (1.609 metros). Nessa faixa está a prova dos 800 metros, a especialidade de Semenya.
Apesar da importante vitória na Justiça, Semenya ainda não poderá voltar às competições de atletismo. A decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos não modifica as regras da World Athletics, porém, abre espaço para que a sul-africana volte discuti-las.
Posição da World Athletics
Após a decisão do TEDH, a World Athletics divulgou um comunicado afirmando que mantém seu posicionamento sobre o uso de testosterona e consequentemente o impedimento de Semenya de atuar.
A federação responsável por gerir o atletismo a nível mundial disse ainda que vai entrar em contato com o governo suíço para recorrer da decisão.
Crédito imagem: Sky Sports
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