Por Marcelo Azevedo
Para entendermos melhor o contexto atual que envolve a principal entidade estruturante do nosso futebol, será preciso voltar no tempo, quando o esporte bretão mal havia desembarcado em terras brasileiras. Somente retornando tanto no tempo é possível explicar como o poder estrutural do nosso futebol se unificou, ou mais que isso, em que bases foi criada a primeira entidade nacional que buscava organizar o esporte nacional, para assim podermos refletir de que forma as decisões de um passado tão distante ainda repercutem sobre a dinâmica estrutural do futebol brasileiro.
O histórico de conflitos e desavenças políticas pela hegemonia do poder está presente no ambiente do futebol brasileiro desde os seus primórdios e foram precisos algumas décadas até que a estrutura do nosso futebol estivesse razoavelmente pacificada. E é neste ponto que este texto pretende se ater. O que começou com uma disputa entre os dois maiores centros urbanos do país, que buscavam nitidamente expandir suas posições políticas a fim de se afirmar na ocupação do poder central do futebol brasileiro, deixou de herança para os dias de hoje uma lógica cartorial, sustentada por um colégio eleitoral subserviente, irresistente e submisso.
Antes de começar a contar esta história, um rápido parênteses para uma intrigante coincidência. Muitos antes de se chamar CBF, há 107 anos atrás, justamente nestes primeiros dias do mês de junho marcados pelos afastamento do Presidente Rogério Caboclo por denúncia de assédio moral e sexual, mais precisamente no dia 08 de junho de 1914, nascia uma espécie de avó da CBF, a FBS – Federação Brasileira de Sports, a primeira entidade poliesportiva criada para centralizar a gestão do esporte brasileiro. É muito interessante que estas duas datas separadas pelo tempo sejam marcos da origem e do caos da estrutura do futebol brasileiro.
Mas se a FBS é uma espécie de avó da CBF, porque será que ela não traz no seu nome a palavra futebol? Estranho, uma vez que desde aquela época a toda poderosa FIFA já previa no seu regulamento geral o reconhecimento apenas de entidades nacionais dedicadas exclusivamente à organização do futebol. Mas a documentação da época não deixa dúvidas, as razões existiam.
Pois bem, a FBS é criada no Rio de Janeiro e teve como fundadoras 08 entidades que representavam diferentes esportes e dentre elas estava a Liga Metropolitana de Sports Athleticos (LMSA), o gene do futebol no DNA desta nova entidade. Um detalhe nada irrelevante é que a LMSA também não trazia a palavra futebol na sua designação, embora fosse ela uma sucessão da Liga Metropolitana de Football (LMF), fundada em 1905. Esta dança de nomes é uma evidência de que o esporte nacional vivia ali um momento de intensa organização, mas notadamente de demarcação dos pontos cardeais que delimitaram a ocupação de espaços políticos e a consequente hegemonia de poder, e o poder amigos, o poder não aceita vácuo, já diria Renato Gueudeville, também colunista deste espaço.
Se uma entidade altera seu nome para excluir do título o esporte que justifica a sua principal finalidade, organizar torneios de futebol, isto parece revelar que a LMSA já trazia consigo desde a sua criação um caráter totalizante, fruto certamente da compreensão pelos seus dirigentes de que os alicerces do movimento olímpico estavam mais avançados que o do futebol, terreno ocupado muito recentemente pela FIFA.
Importante lembrar que o COI havia sido criado em 1894 e já dois anos depois acontecia em Atenas, na Grécia, a primeira edição dos Jogos Olímpicos. O futebol estreou nos jogos de 1900, em Paris, mas somente nos jogos de 1908 em Londres, mesmo ano da (re)fundação da LMSA, que o futebol se torna um esporte oficial da programação, quando passa a ser então considerado o 1o torneio de caráter internacional de seleções.
Em resumo, os dirigentes das entidades do Rio de Janeiro, liderados pelos representantes do futebol, atuaram para estabelecer na sede central do poder político nacional, uma entidade que também tivesse abrangência esportiva nacional, o que facilitaria a relação deles com a estrutura política de poder. Não estamos falando apenas da fundação de uma entidade esportiva, mas da definição dos limites fronteiriços que a política exige. E chegamos enfim ao ponto central do primeiro capítulo deste enredo que remonta a origem da CBF. Os dirigentes do Rio agiram assim tão meticulosamente, porque este foi um movimento no centro da disputa entre as entidades do Rio de Janeiro e de São Paulo em busca da hegemonia política do futebol brasileiro. E qual era o nome da entidade de São Paulo que se opunha politicamente a do Rio de Janeiro? A FBF – Federação Brasileira de Foot-Ball, criada em 1915 pela Liga Paulista de Foot-Ball, a primeira liga a ser fundada em no Brasil, já no longínquo 1901. Ou seja, a Liga Paulista de Futebol criou a Federação Brasileira de Futebol com objetivo de ser a legítima e exclusiva entidade que deveria comandar não o esporte brasileiro, mas o futebol brasileiro.
Estava claro que as duas entidades que pretendiam governar o nosso futebol tinham uma visão diferente de como fariam isso. Embora ambas fossem totalizantes, uma buscava a abrangência e a outra a exclusividade. Só que ainda que o futebol fosse um esporte em rápida expansão de interesse pela sociedade, era mais latente a necessidade de se atender naquele instante demandas esportivas que exigiam uma unificação de interesses entre as mais diferentes entidades que organizavam as modalidades esportivas no Brasil. O futebol era importante sim, mas parte da cartolagem, ávida por poder, já havia compreendido que o centro de gravidade naquele instante pendia claramente para a estruturação não apenas do esporte bretão, mas também do COB – Comitê Olímpico Brasileiro. Estávamos então há pouco mais de 2 anos das Olimpíadas de Berlim, previstas para acontecer em 1916.
No que isso tudo deu? Como quem conta a versão de uma guerra é sempre o lado vitorioso, uma boa pista é ver como a CBF trata no seu site oficial a FBF, e ainda observar em qual endereço está até hoje sediado o poder central do futebol brasileiro.
Pois bem, é esta FBS, que tem na sua origem esta intrigante história, que em 21 de junho de 1916, fundiu-se justamente a Federação Brasileira de Football, para originar a CBD – Confederação Brasileira de Desportos. Mas esta unificação, é óbvio, não aconteceu de forma tranquila, pois a tensão política havia atingido níveis tão alarmantes que foi preciso até a intermediação direta do Itamaraty para resolver o impasse instalado.
Itamaraty, Governo Federal, confusão, pelo visto, a realidade atual não é uma obra do acaso.
Em breve volto para contar a segunda parte desta incrível jornada no tempo, mas se até lá você quiser saber um pouco mais sobre a história da CBF, corre lá no canal do Futebol S/A no youtube e vai ouvir o programa que a gente postou sobre este assunto.
Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo
Marcelo Azevedo é formado em Administração de Empresas com MBA em Gestão de Negócios. Publicitário por adoção, atua há mais de 30 anos liderando áreas de gestão e finanças. É sócio do Futebol S/A