Em 1980, ano da primeira legislação referente à violência associada ao desporto em Portugal, proibiu-se a introdução, venda e consumo de bebidas alcoólicas em recintos desportivos.
Em 1985 surgiu uma convenção, no âmbito do Conselho da Europa, que Portugal assinou e ratificou, sobre a violência e os excessos dos espetadores por ocasião das manifestações esportivas, nomeadamente os jogos de futebol. Com lógica semelhante: (i) proibição de introdução, pelos espectadores, de bebidas alcoólicas; (ii) restrição e, preferencialmente, proibição de venda e distribuição de bebidas alcoólicas nos estádios; (iii) expulsão de pessoas sob influência do álcool.
Em 1998 nova lei instituiu a medida preventiva de controle de alcoolemia pelas autoridades policiais a quem apresentasse indícios de estar sob a influência do álcool e, por ocasião da Euro 2004, em outra lei, o não estar sob a influência do álcool foi plasmado como condição de acesso a um recinto esportivo, fixando-se a obrigatoriedade de especificação, em regulamento, pelo promotor do evento esportivo, da proibição da venda de bebidas alcoólicas.
E eis que em 2009, em nova lei, foi permitida a criação de áreas, no interior do recinto esportivo, onde é permitido o consumo de bebidas alcoólicas, as “zonas” que, na versão vigente da lei de 2013, se consideram “destinadas à venda, consumo e distribuição de bebidas alcoólicas no interior do anel ou perímetro de segurança”. O que explica que se beba álcool nos camarotes. Ademais, atualmente constitui contraordenação, punível com multa entre € 750 e € 10 mil, a introdução, venda e consumo de bebidas alcoólicas no anel ou perímetro de segurança.
Em 2016, Portugal assinou e ratificou uma nova convenção do Conselho da Europa, denunciando a anterior. Essa nova, focada mais no safety and security em manifestações esportivas, é omissa em relação ao álcool.
Constata-se, então, caro leitor, um percurso normativo convergente de dissociação entre esporte e álcool, em sintonia, diga-se, com o Código da Publicidade.
Assim, a proposta recentemente avançada pela Sporting, SAD e pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, de autorizar o consumo de cerveja e cidra nos estádios, surge de encontro à referida evolução normativa. Mas, pelo contrário, alinha-se com a UEFA, que, sem prejuízo de respeitar a lei nacional de cada Estado, permite, na Liga dos Campeões e na Liga Europa, a venda ou distribuição de álcool. Como encontra ainda exemplos comparados, no que respeita à cerveja, em países como Inglaterra (proibido na bancada, mas permitido nos corredores internos), Itália, Alemanha, Ucrânia, Bélgica, Holanda e Áustria (casos em que se pode mesmo beber no lugar). E não esqueçamos a legislação brasileira, quando do Mundial de 2014, evento patrocinado por cervejeira.
Temos, pois, soluções distintas, sem que se possa dizer que, proibindo o álcool, se afasta a violência, nem que, permitindo o álcool de baixo teor, se agrave a violência. Por isso penso que, pelo menos, deve haver espaço para refletir sobre o ora proposto. Até porque o atual sistema é paradoxal, não afastando o álcool dos estádios: comercializam-se, ao redor dos estádios, bebidas com pouco mas também com muito álcool; mostra-se difícil, nas revistas, a polícia ou os stewards detectarem em tempo útil quem está ou não alcoolizado. Para além da não despicienda questão das receitas que podem ser geradas para organizadores e promotores de espetáculos desportivos.