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Cerveja patrocinar futebol: pode?

Criada pelos sumérios por volta de 2100 a.C., a cerveja teve sua primeira norma regulamentadora em 1760 a.C., a lei “Estela de Hamurabi”, que condenava à morte quem não respeitasse os critérios de produção da bebida. Essa norma tratava da comercialização, fabricação e consumo de cerveja, bem como estabelecia uma ração diária para o povo da Babilônia, a saber: dois litros para os trabalhadores, três para os funcionários públicos e cinco para a nobreza.

Quatro mil anos depois, ainda existem normas atinentes à cerveja, especialmente aquelas que limitam seu consumo.

No futebol brasileiro, o controle da venda e do consumo de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol começou nos anos 2000, sob o fundamento de que havia proibição no Estatuto do Torcedor e de que o seu consumo potencializaria a violência, apesar de não haver vedação expressa ou comprovação de que causasse violência.

Após a Copa do Mundo de 2014, quando se vendeu e consumiu cerveja nos estádios, gradativamente a bebida tem retornado às arenas nas partidas de competições locais.

Outro ponto que gera bastante debate é a vinculação de marcas de cerveja com atividades esportivas.

As propagandas de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas são tratadas pela Lei 9.294/96, que regulamenta o art. 220 da Constituição Federal:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 3º Compete à lei federal:

II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

§ 4º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.

Assim dispõe a Lei 9.294/1996:

Art. 1º O uso e a propaganda de produtos fumígeros, derivados ou não do tabaco, de bebidas alcoólicas, de medicamentos e terapias e de defensivos agrícolas estão sujeitos às restrições e condições estabelecidas por esta Lei, nos termos do § 4° do art. 220 da Constituição Federal.

Parágrafo único. Consideram-se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac.

As cervejas contêm teor alcoólico inferior a 13 graus; dessa forma, para fins das restrições à propaganda, a cerveja não é considerada bebida alcoólica.

Portanto, o patrocínio de entidades esportivas, atletas, competições e etc. é legal.

Não obstante isso, o Conar (Conselho de Autorregulamentação Publicitária), entidade civil privada, que não tem nenhuma autorização legal para estabelecer proibição, recomenda, em seu Anexo P, o seguinte:

3. Princípio do consumo com responsabilidade social: a publicidade não deverá induzir, de qualquer forma, ao consumo exagerado ou irresponsável. Assim, diante deste princípio, nos anúncios de bebidas alcoólicas:
l. não se utilizará uniforme de esporte olímpico como suporte à divulgação da marca.

O Conar foi criado nos anos 1970, durante a Ditadura Militar, como forma de impedir a ameaça governamental de censura prévia às propagandas, e sua função é manter a ética publicitária.

Já que é uma associação privada organizada por anunciantes, agências de publicidade e veículos de comunicação, as decisões do Conar não têm poder punitivo e são de cumprimento espontâneo.

Assim, além de não ser obrigatória, a proibição do Conar não é de cumprimento obrigatório, razão pela qual os clubes de futebol podem divulgar marcas de cerveja em suas camisas.

Destaque-se, nesse ponto, que não existe qualquer limitação para que árbitros, comissão técnica e outros personagens do evento esportivo que não sejam os atletas estampem marcas de cerveja em sua camisa. Não há limitação, também, para o futsal ou beach soccer, já que não são esportes olímpicos.

Em 2016, a marca espanhola Estrella Galícia patrocinou o Corinthians, mas acatou o Anexo P do Conar e somente veiculou sua marca de cerveja sem álcool – e apenas nas camisas de treino e de viagem.

A cerveja é a quarta bebida mais vendida no mundo (atrás do café, do chá e do suco de laranja), e o Brasil é um dos poucos países que trazem alguma limitação aos patrocínios de marcas de cerveja no futebol.

Por exemplo, na Argentina, a cerveja Quilmes, entre 1996 e 2001, patrocinou as duas equipes mais populares do país: Boca Juniors e River Plate; na Inglaterra, a Carlsberg patrocina o Liverpool há mais de duas décadas.

Ora, além de descabida, a vedação aventada pelo Conar não encontra respaldo constitucional e deve ser objeto de combate pelas entidades que o compõem e pela sociedade civil, pois, além de prejudicar a captação de patrocínio pelas grandes equipes de futebol, inviabiliza melhores condições financeiras e de promoção à saúde e ao desporto quando se fala de equipes pequenas e de futebol amador.

Considerando a relação intrínseca, é natural que as empresas cervejeiras queiram atrelar seu nome ao futebol, e acabam o fazendo ao patrocinar atletas e treinadores individualmente, bem como equipes fora do gramado e competições, como ocorreu com a Copa Kaiser de futebol Amador, realizada pela Federação Paulista de Futebol.

Ou seja, não faz sentido algum o fundamento ético que embasa a proibição do Conar.

Portanto, enquanto as agências de publicidade não se voltarem contra a norma da autorregulamentação do Conar e contratarem patrocínios para camisas de equipes de futebol, anualmente as grandes equipes perderão a oportunidade de receber investimentos milionários, e as equipes menores e amadores perdem a chance de existir.

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