No Brasil, atualmente, o firmamento da chamada cláusula do medo é quase generalizado nos contratos de cessão temporária (vulgo empréstimo), mesmo sem a descrição do seu nome e muito confundida com a cláusula de não concorrência.
Cláusula do medo significa uma avença descrita entre clube cedente e cessionário, envolvendo o atleta cedido no contrato de cedência, entabulando-se que nos jogos entre eles o jogador cedido fica obstado a jogar, geralmente, sob pena de o cessionário pagar uma multa contratual elevada ao cedente.
Na cláusula do medo há uma mera estipulação contratual na celebração do contrato de cessão que veda ao atleta profissional a atuação pelo clube cessionário contra o clube cedente nas partidas. Observe-se que, nada tem a ver com o resguardo de sigilo da atividade econômica do empregador e decorre durante a transferência temporária, tempo ainda de vigência do contrato principal do jogador com o clube cedente. São exemplos nos últimos anos:
- campeonato brasileiro da série A – o zagueiro Rodinei só pôde jogar a partida da penúltima rodada pelo cessionário Internacional contra o Flamengo cedente porque houve um pagamento de multa do referido cessionário ao cedente;
- o zagueiro Rever cedido ao Flamengo pelo Internacional não pôde jogar a partida entre eles no campeonato brasileiro série A de 2018, pois caso entrasse em campo, o cessionário Flamengo teria que quitar um milhão de reais (R$ 1.000.000,00) de multa ao cedente Internacional;
- O Ceará não pôde escalar o lateral direito Samuel Xavier cedido pelo Sport na partida entre eles no campeonato brasileiro série A 2018, por vedação pactuada no contrato de cessão temporária.
Além da referida cláusula impeditiva de confronto, houve época em que os próprios regulamentos das competições (normas federativas) previam e estimulavam o assentamento contratual de tais clausulados.
Por sua via, a cláusula de não concorrência trabalhista é um pacto firmado que limita temporariamente o livre exercício de trabalho do empregado para outro empregador após a extinção do contrato laboral com o atual empregador em face de um sigilo da atividade econômica a ser protegido e que permite tal restrição.
Em um contrato de trabalho comum, para que se possa celebrar tal cláusula são necessários basicamente dos requisitos: o atual empregador garantir os salários do empregado durante o tempo de inatividade ou a quitação de uma indenização equivalente e um verdadeiro sigilo da atividade econômica envolvida a ser protegido.
Exemplo de cláusula de não concorrência direcionada foi o caso entre o Atlético Mineiro e o Cruzeiro, em que após a extinção regular do contrato de trabalho do atleta, se este quisesse atuar pelo arquirrival teria que quitar um valor de dez milhões de reais.
Sobre a cláusula de não concorrência nos contratos de trabalho desportivo, entende-se inconstitucional e sem nenhuma razão de ser na atividade desportiva profissional, mesmo em casos como o do Fred entre Atlético Mineiro e Cruzeiro, pois a atividade laboral do jogador é pública e notória, sendo transmitida e exposta na mídia o tempo todo, inexistindo segredo a ser protegido.
A liberdade de trabalho tão cara aos atletas profissionais não pode ser restrita sem justificativa e com extensão de efeitos de cláusulas indenizatórias (multas) para além do prazo contratual, o que o art. 28 da Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé) não admite, principalmente se direcionando a apenas ao arquirrival, como no caso Fred, pois causa reflexivamente um abalo na concorrência geral entre os clubes e por tabela um desequilíbrio competitivo.
Por demais, aceitar cláusulas indenizatórias (multas) em recompensa de cláusula de não concorrência para além do prazo contratual regular do Contrato Especial de Trabalho Desportivo (CETD) pode ressuscitar o defunto passe, pois neste se permitia restrições à liberdade de trabalho dos atletas, mesmo após a extinção do contrato laboral desportivo, similar ao que se pretendia no caso Fred.
Por outra dimensão, acosta-se ao posicionamento de Albino Mendes Baptista quando afirmava que, “os regulamentos competitivos devem combater cláusulas contratuais laborais que vetem a participação de atleta cedido em favor do cessionário nos embates contra o seu cedente, significando um golpe frontal no instituto da cedência temporária, uma vez que se busca por esta via dos contratos uma maior mobilidade, atração e balanceamento qualitativo de contendores numa competição”.[1]
A ética desportiva, a verdade desportiva e o equilíbrio competitivo podem ser transgredidos por via de diversos métodos decrépitos utilizados pela corrupção no desporto, outras pelos próprios intervenientes, participantes diretos e indiretos na atividade esportiva, porém, para combater tais violações existem a Justiça Desportiva e a Justiça Comum, não devendo o ônus recair, por presunção de má-fé, sobre a liberdade de laborar do jogador[2].
Para ilustrar, o jogador cedido ou o jogador que enfrenta a “equipe do coração” estão sujeitos ao Poder Disciplinar parcialmente transferido ao empregador desportivo cessionário, proporcionando até uma ruptura do contrato de cessão e ao mesmo tempo sujeitos ao Poder Disciplinar da Justiça Desportiva, que pode punir severamente o praticante violador dos preceitos da ética desportiva, verdade desportiva e equilíbrio competitivo.[3]
Normas federativas não são apropriadas para reger matérias predominantemente trabalhista, como é a questão das cláusulas do medo (cláusulas impeditivas de confronto), deve-se restar ao cargo das normas trabalhistas e à negociação das partes, incluindo a consulta e anuência expressa do jogador empregado, sob pena de nulidade.
O ideal, salvaguardando a harmonia da liberdade de trabalho e da proteção trabalhista à autonomia privada das partes, seria permitir pactuação de uma cláusula do medo condicionada a como o jogador se sentiria para exercer a sua atividade laboral diante do seu empregador cedente, se afastando da partida se entender que não teria condições de se empenhar para o espetáculo e cumprir às regras, normalmente.
Outra solução, seria utilizar a cláusula impeditiva de confronto se fosse detectada alguma informação que pudesse resultar em desvio de conduta do jogador na sua atuação trabalhista e macular a imparcialidade da competição, como ocorre com as ofertas de mala preta ou assédio sobre o atleta para contratação.
Todavia, o mero estabelecimento entre contratantes cedente e cessionário de uma cláusula do medo em um contrato de cessão temporária (vulgo empréstimo), sem anuência expressa do jogador e sem nenhum motivo plausível para tal, apenas vislumbrando um novo mercado de pagamento de multas (indenizações) desmotivadas, corrói a liberdade de trabalho e o equilíbrio competitivo (par conditio), revelando-se inconstitucional.
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[1] Posicionamentos que se aproximam das teses de BAPTISTA, Albino Mendes. Estudos sobre o contrato de trabalho desportivo. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 130-133.
[2] O Estatuto de Defesa do Torcedor traz um capítulo específico sobre criminalidade no desporto, tipificando certas condutas dos agentes desportivos como crime específico.
[3] A respeito dos Poderes Disciplinares no contrato de trabalho desportivo, permite-se remeter a RAMOS, Rafael Teixeira., op. cit., 2010, p. 185 e ss.