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Charlie Brown Jr e Legião Urbana podem tocar?

A coluna de hoje realiza uma pausa no Direito Desportivo, como já decorreu esporadicamente outras vezes, para tratar do Direito do Entretenimento ou da Música, segundo descrevem os juristas espanhóis e norte-americanos.

O breve e resumido tema de hoje traz a indagação sobre a possibilidade jurídica de integrantes remanescentes das bandas Legião Urbana e Charlie Brown Jr poderem formular turnês/shows, ou seja, continuarem tocando com os respectivos nomes dos grupos musicais que ajudaram a construir.

É sabido que houve, recentemente, conflitos judiciais entre os herdeiros dos vocalistas originários das referidas bandas em pauta e os componentes remanescentes acerca de organização de certos shows, turnês inerentes às datas comemorativas.

Concisamente e coincidentemente, o objeto principal de tais querelas giram em torno do confronto entre o uso econômico exclusivo da marca (nome das bandas) por seus titulares com registro no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Intelectual) e a sua utilização paralela pelos integrantes vivos que não são detentores, coproprietários, cessionários ou licenciados para tocar em shows (turnês, eventos, festivais).

A despeito de várias críticas bem fundamentadas por especialistas nos estudos do Direito de Marcas e Patentes, concorda-se com a última ponderada e equilibrada decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no caso já transitado em julgado entre o herdeiro de Renato Russo (falecido vocalista) e integrantes remanescentes da Banda Legião Urbana. Desde já vale a reprodução de trechos deste acórdão de Recurso Especial desprovido em Ação Rescisória:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E DIREITO MARCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA. COTITULARIDADE DE MARCA. PEDIDO NÃO EXAMINADO. MERA AUTORIZAÇÃO. USO LIMITADO. CONTROVÉRSIA ENTRE PARTICULARES. INTERESSE DO INPI. AUSÊNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. PROVIMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO MANIFESTA DE NORMA JURÍDICA. INEXISTÊNCIA. INTERPRETAÇÃO RAZOÁVEL. RESCISÃO DO JULGADO. INVIABILIDADE. UTILIZAÇÃO DA AÇÃO RESCISÓRIA COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. DESCABIMENTO. RECURSO DESPROVIDO.

3.2. Em que pese a previsão legal de que ao titular da marca é outorgado o uso exclusivo da propriedade industrial, no caso concreto a extensão e os limites dessa prerrogativa foram examinados pelo julgador que proferiu a sentença rescindenda sob o enfoque da participação dos músicos na criação da expressão marcária e no sucesso alcançado pelo grupo musical que ela representa. Além disso, ofereceu fundamentação amparada no princípio constitucional da função social da propriedade, ressaltando a repercussão negativa da restrição de seu uso sobre a difusão da cultura e também sobre o livre exercício dos direitos autorais correlatos.

3.4. De fato, o comando sentencial não foi além de permitir a utilização limitada e excepcional da marca – o nome que identifica o extinto conjunto musical e também seu primeiro álbum – por aqueles que, a par de figurarem como seus cocriadores e que contribuíram diretamente para seu sucesso, dela necessitam para o pleno exercício de sua atividade profissional, no contexto de importante e desejada disseminação da cultura nacional.

3.5. Por sua vez, a autoidentificação dos recorridos, invocando a qualidade de ex-integrantes do extinto grupo musical, traduz direito da personalidade cuja limitação não poderia encontrar fundamento no direito marcário. A titularidade da marca “Legião Urbana”, ostentada pela recorrente, não se afigura suficiente para impedir os réus-recorridos de se apresentarem como os componentes da banda homônima, conquanto extinta por força do precoce falecimento de seu vocalista. Trata-se, com efeito, de qualidade ínsita à sua própria identidade, pessoal e profissional, que não será eliminada de suas respectivas biografias tão só pelo fato de que o nome do grupo musical foi levado a registro para fins de proteção marcária.

5. Recurso especial a que se nega provimento.

Acórdão

Após renovação do julgamento e o voto de desempate do Ministro Marco Buzzi negando provimento ao recurso especial, acompanhando a divergência, a Quarta Turma, por maioria, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto divergente do Ministro Antonio Carlos Ferreira, que lavrará o acórdão. Vencida a relatora e o Ministro Luis Felipe Salomão.

Votaram com o Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira os Srs. Ministros Marco Buzzi e Raul Araújo. (STJ – Proc. REsp  1860630. 4a Turma. Rela. Min. Maria Isabel. Rel. Ac. Min. Antôno Carlos Ferreira. Data de Julgamento: 29/06/2021. Data de Publicação: 04/10/2021).

Segundo se extrai dos trechos do acórdão do STJ supracitado, confirmou-se a decisão de mérito de primeira instância transitada em julgado, para reafirmar que, de maneira excepcional e restrita ex-integrantes, cofundadores de bandas, podem utilizar os nomes de origem para exercer a sua profissão, arte (tocar, fazer shows), mesmo quando os seus titulares de registros no INPI para explanação comercial seja um terceiro, como é o filho do vocalista falecido, Renato Russo.

O que não se verifica firme e claro na decisão judicial supradelineada é saber quais são esses limites, até que ponto ex-integrantes de bandas que não possuam a titularidade da marca possam a usar para realizar shows?

Pelos termos descritos na fundamentação do acórdão, “limitadamente e excepcionalmente”, a prestigiar os direitos da personalidade, a função social da propriedade, o livre exercício profissional, desde que sejam componentes do grupo musical originário e tenham um envolvimento histórico de criação cultural da marca, podem tocar em datas comemorativas e de maneira esporádica.

Isso para a situação que envolve a famosa banda Legião Urbana em que o descendente possui a titularidade da marca nominal perante o INPI. Já o caso da não menos famosa banda, Charlie Brown Jr, é mais delicado, pois há alegações dos integrantes originários de que jamais existiu registro, compra de propriedade intelectual, compra de direitos autorais, há vários conflitos conexos que não evidencia titularidade do herdeiro sobre a marca.

Desse modo, os membros originários da banda Charlie Brown Jr até conseguiram realizar uma turnê comemorativa no passado ano de 2022, muito confiantes em orientações jurídicas observadoras da decisão do STJ acima descrita.

Em síntese, inexistindo o registro de marcas nominais de bandas no INPI, integrantes de origem podem utilizar, irrestritamente, o seu nome para realizar shows e continuar exercendo livremente a sua profissão, arte, no caso da música, também exercício de cultura. Por outro lado, se houver um detentor de titularidade da marca, registrada no INPI, o seu uso só poderá ser de maneira bem restrita, em datas comemorativas, simbólicas para a banda, esse parece ser o entendimento da Quarta Turma do STJ, o que se reputa bastante razoável.

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