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Chilenos falam da crise, e alertam: “Final em Santiago seria imprudente”

A Conmebol está assustada, e os chilenos afirmam que a situação é muito grave.

O Chile vive uma convulsão social, e ela afeta diretamente o esporte. O campeonato chileno de futebol parou. O transporte público não anda. Mesmo assim, a Confederação Sulamericana de Futebol segue confirmando a final da Libertadores entre Flamengo e River para a capital Santiago, no dia 23 de novembro.  Uma troca de sede traria um prejuízo financeiro para a entidade.

Mas o próprio discurso da entidade demonstra a preocupação:

– o presidente da Federação Chilena, Sebastian Moreno, afirmou que “Conmebol está sendo informada do que se passa no Chile. O presidente Alejandro Dominguez ratificou que Santiago vai receber a final e é muito importante que se realize esse jogo. Mas temos que levar em conta a realidade nacional. Há um compromisso de que se jogue a final no Chile. Mas tem que ser realista. Todos esperamos a normalização. Mas insisto: há uma realidade nacional que é mais importante que o futebol nesse momento”.

– A entidade, em nota oficial, escreveu que “a data, local e horário inicialmente estipulado” estão mantidos para a realização da primeira final em partida única na que acontecerá no Estádio Nacional, mas – ATENÇÃO – ela levará em conta a “segurança dos clubes, jogadores, torcedores e meios de comunicação credenciados, para que o único protagonista seja o futebol sul-americano”.

– a entidade inclusive pediu reunião com presidente chileno para saber das condições de segurança para o jogo.

A entidade está com medo. E calejada. A Copa Sul-americana mudou de local por causa da crise social por que passa o Peru. Jogos da Libertadores Feminina foram adiados – e a competição correu risco de não sair – por conta dos protesto no Equador.

Tudo que a Conmebol não quer é um evento em lugar conturbado politicamente. Ter que cancelar uma final pelo segundo ano seguido seria uma vergonha gigantesca, já que ano passado a final entre Boca e River teve que sair da Argentina e ir para a Espanha.

Entenda: se você organiza uma festa de criança na rua, e a previsão do tempo fala que no dia pode chover, claro que você prepara um plano B. Uma entidade que lida com um grande evento não pode agir diferente. Isso é gestão de risco.

Quem está no Chile afirma: a situação é muito grave e, hoje, seria um risco jogar a final do país. E, mais, mesmo que tudo se acalme, ainda demorará um tempo para tudo voltar à normalidade.

Acompanhe o que diz Cauan Biscaia, jornalista brasileiro que vive no país há 8 anos. Ele ouviu jornalistas e advogados e conta a situação por lá, como ela afeta o esporte, o clima de insegurança, e as consequências jurídicas de uma troca de local.

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SERÁ PRUDENTE SANTIAGO?

 A convulsão social que toma conta do Chile caminha firmemente para sua segunda semana ininterrupta de manifestações por demandas de igualdade social, assembleia constituinte e o fim do sistema de previdência, entre outras diversas petições que se foram somando dia a dia. O que começou com uma insatisfação pelo aumento da tarifa no metrô de Santiago, ganhou proporções estratosféricas espalhando-se por várias cidades do país, reunindo multidões nunca antes vistas desde o final do regime militar de Augusto Pinochet em 1989. O último dia 25 de outubro foi o ápice da adesão popular aos protestos, quando as ruas da capital chilena foram ocupadas por um oceano de 1 milhão e 200 mil pessoas, em uma marcha convocada pelas redes sociais e batizada como “La Marcha Más Grande de Chile”, que também contou com mobilizações multitudinárias em grandes cidades, como Valparaíso, Concepción e Antofagasta. Um momento marcante na história do país, que uniu chilenos de todas as idades, classes sociais, tribos urbanas e até torcidas, retratadas na mais inesperada e inusitada cena de bandeiras da Universidad do Chile, Colo Colo e Universidad Catolica tremuladas e entrelaçadas na mesma sincronia, pelo mesmo ideal.

Após esta expressão massiva, e ainda no contexto de Estado de Emergência e toque de recolher, o presidente Sebastián Piñera, que dias antes havia decretado um pacote de medidas para aumentar o salário mínimo, congelar o preço de serviços básicos e aumentar a pensão mínima dos aposentados, foi além na sua intenção de apaziguar os ânimos e anunciou a troca quase completa do seu gabinete de ministros. Porém, os esforços do governo chileno não foram suficientes para esfriar as manifestações, que seguiram gerando convocatórias pelo país afora, e gradativamente aumentando as estatísticas de incêndios, saques, destroços, feridos, detidos e mortos, que já alcançam a cifra de 19 pessoas. Números negativos que continuam alimentando o cenário incerto sobre as condições do país em receber eventos de grande importância e que demandam enormes operativos de segurança. No dia 14 de novembro se realizará, com a presença confirmada do presidente americano Donald Trump (o presidente russo Vladimir Putin já cancelou sua assistência), a Conferência de Cooperação Econômica da Ásia e Pacífico (APEC), e para o dia 23 do mesmo mês está marcada a final única da Taça Libertadores de América entre Flamengo e River Plate, instância que se aproxima envolta em contradições entre a convicção da Conmebol de manter o Estádio Nacional como palco da partida, e rumores de um eventual plano B que até o momento não passa de especulação.

As opiniões entre os chilenos são quase unânimes: seria uma imprudência realizar a final da Libertadores em Santiago. Os fatores que sustentam esta afirmação vão desde as diárias manifestações que reúnem milhares de pessoas bloqueando as principais ruas e avenidas do centro da cidade, os constantes saques em comércios, e escombros acumulados pelas barreiras montadas no confronto com as Forças Especiais de Carabineiros de Chile, as repressões por parte da polícia com um desmedido uso de gás lacrimogêneo que está tornando o ar da capital irrespirável, o caos que impera no transporte público devido ao limitado funcionamento do metrô, fruto da depredação de 41 estações, 6 trens e 10 ônibus, a concentração nos pontos de conflitos da força policial e bombeiros para conter os protestos e apagar os frequentes incêndios, respectivamente, e os massivos congestionamentos que colapsariam qualquer logística de mobilização para grandes eventos. Se a situação atual já não dá abasto para normalizar o cotidiano dos santiaguinos, mais complexo ainda seria receber milhares de turistas de vários países do mundo, entre os quais 25 mil são torcedores flamenguistas e millonarios, além dos outros 20 mil simpatizantes que são esperados para lotar o recinto da comuna de Ñuñoa.

“Acho que é inconveniente a realização da final da Taça Libertadores em nosso país. Acredito que o clima de agitação que existe não permite assegurar a custódia necessária para a realização desta partida. Tudo isso considerando que as autoridades policiais não estão conseguindo controlar a situação de ordem pública, e também considerando a importância do evento e da rivalidade entre torcedores e brasileiros e argentinos que aqui estarão. Não há segurança para esta instância”, declarou Carlos Zárate, jornalista do Canal El Trece.

Opinião compartilhada por Constanza Sandoval, Chefe de Imprensa do Comitê Nacional de Esportistas do Chile, que enfatizou a falta de operativo de segurança para um evento de tamanha transcendência:

“Acho muito irresponsável que, num país paralisado por demandas justas, se realize um megaevento esportivo onde não estão garantidas as condições para a segurança do público que irá comparecer ao estádio. No há suficiente contingente para resguardar a situação do país e muito menos para um grande evento esportivo. Para mim, é absolutamente imprudente”.

Os reflexos do colapso social já afetaram o futebol chileno pelo terceiro final de semana seguido, e a ANFP (Asociación Nacional de Fútbol Profesional) se viu obrigada a suspender novamente a décima-segunda rodada da Primeira Divisão, agravando a difícil missão que terá a entidade organizadora para reformular o calendário, o que pode ameaçar a continuidade do torneio para 2019. Constanza Sandoval afirma que “existem rumores de que se poderia terminar o campeonato antecipadamente, escutei isso de uma autoridade que me confidenciou em off. Não é nada oficial, mas é uma possibilidade que a ANFP está considerando”, e agregou que não só o futebol foi prejudicado, mas também o esporte chileno em geral “se viu muito afetado pelas manifestações porque o Centro de Treinamento Olímpico e o Centro de Alto Rendimento não puderam abrir suas portas durante muitos dias, e isso tem dificultado o treinamento dos atletas na preparação para suas competições”.

Outra interferência do governo no esporte que gerou muitas controvérsias foi em relação à troca de ministros no gabinete do governo. O mandatário foi muito criticado por não realizar uma mudança real no ministério, apenas uma “dança das cadeiras”, onde a porta-voz Cecilia Pérez foi surpreendentemente transferida ao Ministério do Esporte, assumindo o lugar da ex-atleta de esqui Pauline Kantor. Para Carlos Zárate, a nomeação da ex-porta-voz  foi  “um prêmio de consolo” para esta advogada, que é figura intocável na equipe de Sebastián Piñera desde o seu primeiro mandato (2010 a 2014), e uma das mais criticadas pela opinião pública. Nas redes sociais, a troca no gabinete inflamou ainda mais a revolta da população, e os Ministérios da Educação, Saúde e Transportes, onde ecoavam as maiores exigências de mudanças, mantiveram-se com as mesmas caras. “Apagaram o fogo com gasolina”, manifestaram os chilenos.

Durante a semana os protestos voltaram à tona, se aderiram caminhoneiros, taxistas, professores, e profissionais da saúde motivados por convocatórias diárias de diferentes demandas, e com a suspensão do Estado de Emergência, a polícia chilena se encontrou sobrecarregada para conter um nível cada vez mais agressivo de alguns poucos infiltrados que perpetraram hecatombes pela principal avenida de Santiago, promovendo saques, destruição e incêndios de grandes proporções. Paralelamente, e com muitas denúncias por abusos e até assassinatos, Carabineros de Chile respondeu os protestos com uma repressão mais efusiva, o que chamou a atenção das ONU e sua Comissão de Direitos Humanos, que prontamente enviou três representantes ao país para investigar as intervenções desmedidas por parte de Forças Especiais. Esta visita, juntamente com o feriado longo do fim de semana de finados, surge como uma chama de esperança para que a fumaça baixe e a cidade recupere a normalidade para os grandes eventos que estão por vir. A Conmebol reafirmou o compromisso de realizar a decisão da Taça Libertadores em Santiago, porém, nos bastidores da entidade sul-americana já se ventilam algumas opções secundárias, como a transferência do jogo para Assunção, no Paraguai, ou inclusive a desistência da final única pela realização de dois jogos: o primeiro em Buenos Aires e o segundo no Rio de Janeiro.

Esta semana deve ser definitiva para a confirmação da final única no Chile. O presidente da ANFP, Sebastián Moreno, disse que todos os esforços estão sendo feitos para que se cumpra o programado, mas ao mesmo tempo as atenções estão pendentes de como evolui a situação no país. Hoje se abre o último período de venda de ingressos, reservado apenas para os torcedores de Flamengo e River Plate, e com praticamente 50% das entradas vendidas, este panorama dificulta ainda mais a troca de sede faltando apenas 3 semanas para a data do jogo. Iniciar um procedimento de reembolso dos ingressos, mais os possíveis processos que poderiam chegar à Conmebol por passagens aéreas compradas pelos milhares de turistas, além de toda a logística para modificar a ideia fixa do presidente Alejandro Domínguez, deixam a entidade em uma situação extremamente complicada.

A prudência e o bom senso indicam que o momento não é favorável para ter Santiago como destino da final, porém, o show deve continuar. A qualquer custo? Tudo dependerá da consciência dos políticos do futebol, porque se depender da sociedade chilena, os políticos do Palacio La Moneda não terão descanso tão cedo.

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