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Circuito de Vôlei de Praia no Qatar tem atletas de biquíni. Mais um caso de irritação entre a Lex Sportiva e a Lex Pública

Começou a etapa de Doha do Circuito Mundial de Vôlei de Praia com a maioria das atletas de biquíni! Depois de muita pressão do movimento esportivo, o Qatar cedeu e decidiu não proibir o uso da roupa no evento.

O esporte praticamente obrigou um país a abrir mão de seus costumes e da legislação para que uma competição pudesse ser realizada em seu território. Essa decisão não demonstra um preconceito ocidental com relação a uma cultura local? Ou essa permissão mostra um entendimento necessário através de um diálogo entre regras esportivas e cultura local?

Jamais podemos esquecer que o esporte inclui, não exclui. Está na Carta Olímpica;

“6.Toda e qualquer forma de discriminação relativamente a um país ou a uma pessoa com base na raça, religião, política, sexo ou outra é incompatível com a pertença ao Movimento Olímpico.”

Claro que isso vale tanto para proteger a cultura local, como também para respeitar hábitos de quem pratica o esporte.

Escreveu no Lei em Campo o colunista Martinho Miranda: “O fato é que as federações esportivas do mundo ocidental precisam olhar para seus próprios atos e perceber que posturas como essa só contradizem o que apregoam lindamente em seus documentos e estatutos. A visão etnocentrista do mundo ocidental em detrimento da comunidade árabe e demais culturas não vem de hoje. O curioso é que, com o passar do tempo, essa postura não é rechaçada com a mesma veemência do que é visto quando se está diante de manifestações racistas, homofóbicas ou sexistas.”

É uma reflexão importantíssima.

Mas não se pode esquecer que uniformes também são pensados, discutidos e trabalhados com a ajuda da ciência para as diferentes modalidades esportivas. O desempenho também vem do hábito do uso, da forma como o atleta esta acostumado a competir e da tecnologia usada.

Regras esportivas (como o uso do uniforme) versus legislação do Estado (proibição do uso de biquínis por mulheres) .

Não existe um caminho fácil.

A verdade é que essa não é uma questão nova, e várias vezes o esporte se viu diante desse confronto entre a Lex Publica e Lex Sportiva (conjunto de regras, práticas e diretrizes do esporte).

E, cada vez mais, as decisões têm sido no sentido de proteger direitos humanos, buscando o caminho da inclusão no esporte, indo ao encontro dos princípios olímpicos de não discriminação e da prática do esporte como um direito humano.

Casos importantes com a cultura islâmica

As mulheres muçulmanas usam o hijab, um véu islâmico que cobre cabelo e pescoço. No dia a dia e também na prática esportiva. No Irã, por exemplo, o uso do véu pelas mulheres que se expõem publicamente é uma imposição do ordenamento jurídico. E isso trouxe inúmeros problemas às federações esportivas do país. No futebol, no judô, no basquete, no boxe.

O problema é que regras esportivas de várias modalidades vedavam o uso do hijab em competições, alegando que ele poderia comprometer a saúde dos atletas, aumentando o risco de lesões na cabeça e no pescoço. O cenário esportivo ajudava a afastar ainda mais as mulheres muçulmanas de competições esportivas internacionais. De novo, um conflito entre Lex Sportiva e Direitos Humanos.

Em 2011 a seleção de futebol feminino do Irã foi eliminada das eliminatórias para os jogos olímpicos de Londres 2012 porque as atletas se recusaram a tirar o hijab na partida contra a Jordânia. A decisão da FIFA repercutiu, e várias entidades muçulmanas, além de outras de direitos humanos, como também atletas, se uniram em uma campanha chamada “Let us play”.

Com o auxílio da tecnologia, os véus foram adaptados à prática esportiva, diminuindo a força dos argumentos daqueles que defendiam que ele era perigoso e ameaçava a saúde dos atletas. A FIFA cedeu e, em 2014, anunciou que permitiria o hijab em competições nacionais.

A cultura do esporte vem mudando depois de decisões como a da FIFA.

Em Londres 2012, pela primeira vez mulheres da Arábia Saudita e do Qatar puderam participar dos Jogos Olímpicos. Na Rio 2016, Ibtihaj Muhammad foi a primeira atleta americana a competir com o véu. Ganhou medalha de bronze na esgrima e subiu ao pódio de hijab.

Também no Rio uma imagem de um jogo de vôlei de praia que nem valia medalha ganhou destaque em todo o mundo. Na partida entre a seleção da Alemanha e a seleção do Egito, uma foto mostrou a disputa entre a alemã em trajes de praia e a egípcia com roupas cobrindo todo o corpo. Foi a primeira vez que o Egito participou da modalidade nos Jogos Olímpicos.

Existe caminho

Ou seja, existem caminhos. E ele passa necessariamente pelo diálogo necessário, entendendo os princípios do esporte e a necessária proteção de direitos humanos.

Cada vez mais a Lex Sportiva e os Direitos Humanos parecem caminhar na mesma direção com relação a importância de se entender e proteger a cultura local.

Ao conciliar a fé com a prática esportiva, o esporte dá um bom exemplo para a sociedade de como é possível, com diálogo, bom senso e flexibilidade, encontrar boas soluções também para importantes conflitos da nossa sociedade.

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