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Clássico fracasso

As caixas de pizza espalhadas pelo vestiário do Bahia, e filmadas por funcionários da limpeza do Vitória, no Barradão, após o clássico, pelo Campeonato Baiano, às 19:15 da noite de uma quarta-feira, para 1.500 pessoas de uma torcida única, completaram um cenário desolador e enriqueceram a percepção do que se tornou o clássico Ba-Vi: um evento abandonado, largado, tratado como resto.

Um confronto que chegou a acontecer 12 vezes em um só ano, em 1994, que já colocou mais de 100 mil pessoas, das duas torcidas, na Fonte Nova, em um só jogo, que consagrou historicamente heróis e vilões eternos e forjou milhões de torcedores, hoje é uma partida rara e, ao mesmo tempo, cada vez mais banal.

E a responsabilidade dessa decadência é dos clubes. A falta de competência na gestão das suas forças e, principalmente, de clareza sobre a diferença entre rivalidade e primitivismo, conduziu uma relação que seria de ganha – ganha, se bem conduzida, a um mero encontro de fracassados.

Um desperdício sem tamanho. Todo clássico é um potencial alavancador de receita e de potencialidades dos envolvidos. Bahia e Vitória estão em uma cidade turística como Salvador, salteada de atrativos históricos, naturais e culturais. São os principais clubes de um estado de proporções continentais, que, historicamente, pouco foi explorado por seus times locais, deixando o espaço que não ocuparam no coração de muito torcedor baiano para clubes de fora. Consolidados como as duas grandes forças sem qualquer ameaça real a essa condição, e, principalmente, sem questões políticas, históricas, econômicas, religiosas e até militares como catracas na relação entre eles, os clubes foram, nas últimas décadas, aceitando e, muitas vezes, fomentando situações que minam a força do evento.

Sem aspectos históricos e políticos profundos que afetam Barcelona e Real Madrid, sem aspectos religiosos, sociais e até sectários que envolvem Rangers e Celtic, em Glasgow, sem contextos político e militar sensíveis como em Estrela Vermelha e Partizan, a aproximação deveria ser facilitada. A rivalidade do Ba-Vi está restrita ao aspecto esportivo, em dois clubes de forte identidade com sua cidade e seu estado. Exemplos como Inter e Milan, que dividem o estádio Giuseppe Meazza (ou San Siro, a depender de quem joga), que se posicionam juntos por um novo estádio para os dois usarem, na Itália, e Ceará e Fortaleza, atualmente os únicos nordestinos na Série A do Brasileirão, que também fazem juntos a gestão de um palco como o Castelão deveriam servir de ponto de partida.

Na Bahia, as preocupações dos clubes são outras. Talvez ainda falte o básico. Em 1999, foram pra estádios diferentes no dia da decisão de um campeonato baiano. Em 2018, forçaram um fim de clássico precoce, por discordarem de decisões da arbitragem. De um lado, o Bahia foi jogar em Feira de Santana uma temporada inteira, em 2008, mas não aceitou ou não foi convidado (ou os dois) para mandar seus jogos no Barradão, em Salvador.

Do outro, o Vitória fez um contrato para jogar na Fonte Nova, em 2019, muito mais motivado pela ideia de que não podia deixar o Bahia ser o “time exclusivo da Arena Fonte Nova, um equipamento público” do que por questões evidentemente estratégicas. O Barradão estava funcionando perfeitamente. Nem o argumento da vantagem financeira convenceu. Tanto que após 4 jogos, o Vitória voltou ao seu estádio.

O Bahia, institucionalmente, não usa a palavra “vitória”, básica no esporte. E trabalha essa rejeição de uma maneira tão forte que personagens do clube se corrigem de forma constrangedora em entrevistas e depoimentos quando a “aquela palavra que não pode ser dita” escapa da boca.

O Ba-Vi ficou consolidado como clássico de torcida única e ambos os clubes parecem confortáveis com essa decisão. Preferem a exclusividade dos seus mandos a protagonizarem um acontecimento popular, diverso, festivo, que atravessaria o aspecto esportivo e invadiria o aspecto cultural. Talvez a mentalidade presente e constante nos clubes ajude a explicar a falta de relevância que o futebol da Bahia vem tendo em campo. Desde o ano 2000, a se destacar que o Vitória chegou na semifinal da Copa do Brasil duas vezes e na final uma. E ficou em 5º numa edição da série A, em 2013. Porém, está na série C depois de três anos seguidos na B. O Bahia nunca disputou uma semifinal de Copa do Brasil e não fica entre os 10 primeiros de uma série A desde 2001, quando foi 8º. E está na série B de novo.

O Vitória não disputa uma final de Copa do Nordeste desde 2010 e do Baiano desde 2018. Os clubes desidratam juntos. Há 3 anos que o clássico Ba-Vi tem, no máximo, duas edições por temporada. Em 2022, chances grandes de acontecer apenas uma vez.

Bahia e Vitória ignoram uma fonte de crescimento que é o fortalecimento conjunto do ecossistema do futebol no estado e vão definhando não só o clássico que antes era sinônimo de festa e que hoje é, no máximo, de medo da violência, como também suas próprias capacidades individuais de fazerem os torcedores felizes. Espero ver, em breve, presidentes dos dois clubes assistindo ao clássico juntos. E que outros clássicos pelo Brasil possam entender a força que têm. Sim: clássicos precisam ser considerados uma coisa só de responsabilidade de dois.

O Grenal, o Fla-Flu, o SuperClássico Mineiro, o Majestoso, o Choque-Rei, o SanSão, o Clássico das Multidões. Olha, eles já têm até nome. É meio caminho andado para se tornarem produtos lindos e desejados do mercado do entretenimento. Os clubes unidos têm o maior poder do futebol, são capazes de tudo. Então, que possam dialogar, respeitar, pensar no evento como um acontecimento que deve entreter e atrair. Que possam rir juntos, até. E que se for para falar de pizza, que sejam as pizzas enviadas pelos clubes para os sócio-torcedores. Ninguém é infeliz comendo pizza.

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Cáscio Cardoso é apresentador e comentarista esportivo da TV Aratu (SBT), da Rádio Sociedade da Bahia, do Podcast 45 Minutos e do Futebol S/A. Acredita em um futebol melhor a partir do aprofundamento das ideias e do equilíbrio na relação entre paixão e razão na condução do esporte mais encantador do mundo. É sócio do Futebol S/A.

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