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Cláusula de Não Competição inserta em resilição de contrato especial de trabalho desportivo

A chamada cláusula de não competição, nomenclatura de origem norte americana, denominada por eles de non compete clause, trata-se uma disposição contratual que tem por escopo reter um empregado talentoso, proteger informações confidenciais que esse empregado poderia ter acesso e prevenir a camada concorrência desleal. Na prática, é uma cláusula inserida no contrato de trabalho ou na rescisão contratual que estabelece uma penalidade pecuniária caso o empregado venha a estabelecer um vínculo com uma empresa concorrente. Como não há definição ou regras legais específicas, as partes são livres, dentro das diretrizes civis e trabalhistas para estabelecer prazos, preço e condições para essa avença.

No âmbito do direito do trabalho comum, a jurisprudência tem admitido a inserção da cláusula de não competição, entendendo que, se cumpridos alguns requisitos, é possível um ex-empregado ser obrigado a pagar uma indenização ao seu ex-empregador caso estabeleça um novo vínculo de emprego com um concorrente. O fundamento legal de validade dessa cláusula é o art. 444 da CLT, que estabelece a liberdade de as partes interessadas estipularem as condições, respeitadas as condições mínimas legais de proteção do trabalho e as normas coletivas.

Dentre os requisitos exigidos pela jurisprudência, especialmente a do Tribunal Superior do Trabalho, está a necessidade de se estabelecer uma contraprestação à cláusula de não competição. O empregado renuncia ao seu direito de não se empregar onde bem lhe aprouver em troca de algo. Sem essa contraprestação, essa cláusula é nula.[1]

A exigência de contrapartida financeira em cláusulas de não concorrência como pressuposto de validade reconhecido pela jurisprudência consolidada do TST está de acordo inclusive com o art. 122 do Código Civil que estabelece: “são lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes”.

Além da contrapartida financeira, há decisão do TST reconhecendo a necessidade de outras, como a abrangência territorial, por exemplo[2].

É possível ainda questionar a nulidade desse tipo de cláusula com base nos arts. 9º e 468 da CLT, se a disposição aparecer somente no instrumento de rescisão do contrato. Afinal, a alteração do pactuado em prejuízo do empregado, como sabido, é nula por reconhecida hipossuficiência do trabalhador.

A par do requisito descrito no item anterior de necessidade imperiosa de contraprestação a não competição e de limitação temporal e territorial, é preciso reconhecer a especificidade do contrato de trabalho desportivo. Além de disciplina legal prevista na CLT, o ajuste de trabalho desportivo ganha outras regras na Lei Pelé e nos regulamentos das entidades de administração do desporto.

Atualmente, entendemos aplicável os artigos 27-B e 27-C, III da Lei 9.615/98, o artigo 18bis da FIFA Regulations on the Status and Transfer of Players (FIFA RSTP) e o artigo 10º do Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol da CBF de 2017[3]. Pela letra dos dispositivos, são nulas quaisquer cláusulas que interfiram em livre exercício do trabalho, influenciando em transferências, interferindo em desempenho e influindo em assuntos laborais.

Pela própria natureza da pactuação, é inequívoco que a cláusula de não concorrência surtiria direta influência sobre a esfera jurídica de terceiro completamente estranho à relação laboral resilida. Isto porque, além de inaugurar uma obrigação de não fazer com contornos bem definidos a ser suportada pelo atleta (não pactuar contrato de trabalho especificamente com outro clube), a cláusula estabelece condição pecuniária com condão de exercer ingerência indevida e obrigatória a parte não signatária do termo de resilição.

Ademais, o principal objetivo dessa cláusula é impedir que o atleta firme contrato especificamente com clube adversário, o que configura motivação torpe, considerando que cláusulas de não concorrência, quando adequadamente pactuadas, visam resguardar o empregador da indesejada difusão de informações sigilosas após o termo do vínculo laboral, sem nunca possuir o condão de impedir ou sequer delimitar o exercício profissional.

……….

[1] RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA. INVALIDADE. A estipulação da cláusula de não concorrência após a rescisão contratual depende da observância dos seguintes requisitos: limitação temporal, limitação geográfica e indenização compensatória pelo período referente à restrição. No caso, o Tribunal Regional registrou expressamente que a cláusula de não concorrência não estipulou limitação territorial ou previsão de qualquer espécie de remuneração à autora. Consignou, ainda, incontroverso que a reclamante não recebeu compensação pela restrição de sua liberdade de trabalho, bem como não houve qualquer contraprestação pelo período da restrição, uma vez que a sua recolocação no mercado de trabalho não ocorreu por conta do outplacement fornecido pela reclamada, tendo em vista que sequer concluiu o curso realizado pela empresa De Bernt Consultoria. Nesse contexto, correta a decisão recorrida ao concluir pela invalidade da cláusula de não concorrência. Recurso de revista de que não se conhece.” (ARR – 217-05.2010.5.09.0006, Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, 7a Turma, DEJT 12/05/2017)

[2] RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.015/2014. CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA E CONFIDENCIALIDADE. ADITIVO AO CONTRATO DE TRABALHO. DESPROPORCIONALIDADE DAS OBRIGAÇÕES IMPOSTAS AO EMPREGADO. ALTERAÇÃO CONTRATUAL LESIVA. INVALIDADE. OBSTÁCULO PARA O INGRESSO NO MERCADO DE TRABALHO. No caso em tela, discute-se a licitude de cláusula de confidencialidade e de não concorrência firmada pela reclamada com o reclamante, mediante aditivo ao contrato de trabalho. A jurisprudência do TST tem se firmado no sentido de que, conquanto a estipulação de cláusula de não concorrência cinja-se à esfera de interesses privados do empregador e do empregado, imprescindível para o reconhecimento da validade de tal ajuste a observância a determinados requisitos, dentre os quais: a estipulação de limitação territorial, vigência por prazo certo e vantagem que assegure o sustento do empregado durante o período pactuado, bem como a garantia de que o empregado possa desenvolver outra atividade laboral. Tais requisitos, todavia, não restaram atendidos. Com efeito, da leitura da cláusula de confidencialidade e não concorrência transcrita no acórdão regional constata-se que não houve a estipulação de limitação territorial (o que pressupõe sua abrangência para todo o território nacional), nem de alguma espécie de contrapartida financeira ao reclamante durante o período da restrição temporária pactuada, o que vai de encontro com o disposto no art. 444 da CLT, que veda a estipulação de relações contratuais de trabalho que contrariem as disposições de proteção ao labor. Ademais, não pode olvidar que o art. 468 da CLT consagra o princípio da inalterabilidade do contrato de trabalho por ato unilateral de qualquer das partes, salvo se por mútuo consentimento e, ainda assim, desde que da alteração não resultem prejuízos diretos ou indiretos ao empregado. A cláusula de confidencialidade e não concorrência inserta em aditivo do contrato de trabalho do reclamante, ante a desproporcionalidade das obrigações e penalidades impostas a ele, dificultando sobremaneira o seu retorno ao mercado de trabalho após a rescisão do contrato, configura evidente prejuízo e caracteriza nítida alteração contratual lesiva vedada pelo art. 468 da CLT. Recurso de revista conhecido e provido. (RR – 1066-03.2014.5.12.0022 , Relatora Ministra: Delaíde Miranda Arantes, Data de Julgamento: 30/08/2017, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 08/09/2017)

[3] Art. 27-B. São nulas de pleno direito as cláusulas de contratos firmados entre as entidades de prática desportiva e terceiros, ou entre estes e atletas, que possam intervir ou influenciar nas transferências de atletas ou, ainda, que interfiram no desempenho do atleta ou da entidade de prática desportiva, exceto quando objeto de acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Art. 27-C. São nulos de pleno direito os contratos firmados pelo atleta ou por seu representante legal com agente desportivo, pessoa física ou jurídica, bem como as cláusulas contratuais ou de instrumentos procuratórios que: (…) III – restrinjam a liberdade de trabalho desportivo;

FIFA RSTP. 18.Bis. Influência de terceiros sobre Clubes. Nenhum clube poderá firmar contratos com qualquer outra parte contratante ou qualquer terceira parte para fins de adquirir a capacidade de influência na relação de emprego e nas transferências, e ainda em questões relacionadas a sua independência, suas políticas ou performance de seus times.

Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol da CBF de 2017. Art. 10º. Nenhum clube poderá ajustar ou firmar um contrato que permita a qualquer das partes, ou a terceiros, assumir uma posição em razão da qual influa em assuntos laborais e de transferências comprometendo a independência, as políticas internas ou a atuação desportiva do clube, em obediência ao art. 18bis do Regulamento sobre o Estatuto e a Transferência de Jogadores da FIFA e à legislação desportiva federal.

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