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Cláusulas obrigatórias do contrato especial de trabalho desportivo

Por Rogério Ribeiro

O Contrato Especial de Trabalho Desportivo é aquele celebrado entre a entidade de prática desportiva (o clube) e o jogador. Aplicam-se aos atletas profissionais as normas gerais da legislação trabalhista e da Seguridade Social, ressalvadas as peculiaridades constantes na Lei n. 9.615/98 – Lei Pelé.

Existem nesses contratos cláusulas obrigatórias? Se sim, quais seriam elas? E qual o motivo dessa eventual existência?

Para responder essas perguntas, faz-se necessário apresentar um breve resumo histórico das legislações brasileiras e traçar um paralelo com o caso do atleta Bosman.

O Decreto n. 53.820/64, em seu artigo 2º[1], estabeleceu o instituto do passe. Mas, foi através da Lei n. 6.354/76 que ele foi regulamentado, conforme previsão do artigo 11 da citada legislação:

Art. 11 Entende-se por passe a importância devida por um empregador a outro, pela cessão do atleta durante a vigência do contrato ou depois de seu término, observadas as normas desportivas pertinentes.

Portanto, passe era o valor devido por um clube que queria contratar um jogador de clube, ao qual o atleta estava vinculado. Segundo a legislação, o valor era devido durante a vigência do contrato ou após seu término.

Ou seja, ainda que se encerrasse o vínculo trabalhista do jogador com o clube ele ficava proibido de atuar por outra agremiação que queria contar com seu futebol, até que houvesse o pagamento do passe.

 O caso Bosman, muito bem narrado por Andrei Kampff, na matéria “Caso Bosman mudou relação de jogadores no mundo todo”, publicada neste portal no dia 07/01/2019[1], foi um marco para os atletas. O jogador acionou a Corte Europeia de Justiça a fim de poder atuar pelo Dunkerque, da França, após o seu contrato com o Liège, da Bélgica, chegar ao fim e o clube não aceitar que ele fosse trabalhar em outra agremiação sem que pagassem o valor do passe.

Em dezembro de 1995 veio a sentença que mudou para sempre a legislação desportiva. O pedido de Bosman foi aceito pelo Tribunal Europeu. A partir de então, com o final do contrato entre jogador e clube, o atleta está livre para jogar por qualquer time que queira contratá-lo. Foi extinto o passe.

Com a decisão tomada na Europa, fez-se necessário a alteração da legislação no Brasil. Então, em 1998, surge o artigo 28[2] da Lei Pelé, que põe fim de uma vez por todas ao passe e traz em sua redação a cláusula penal.

A cláusula penal era obrigatória em todos os contratos celebrados entre clubes e atletas profissionais. Seu valor máximo era de 100 (cem) vezes o valor do salário anual recebido pelo atleta.

Contudo, criou-se uma discussão, pois a jurisprudência divergia quanto a aplicabilidade da cláusula penal. Nas palavras de Mauricio da Veiga:

“Até o ano de 2008, a jurisprudência trabalhista oscilava no tocante a aplicação da cláusula penal. Alguns juízos entendiam que a multa era devida apenas pelo atleta e outros diziam que em razão do princípio isonômico, a sua aplicação seria bilateral.” [4]

Logo, a divergência presente nos Tribunais Trabalhistas trouxe à tona a necessidade de se criar uma nova lei, determinando a aplicação ou não da cláusula penal aos clubes ou somente aos atletas.

Assim, é publicada em 2011 a Lei n. 12.395, que altera, entre outras, o previsto, até então, no artigo 28 da Lei Pelé, extinguindo-se a cláusula penal e estabelecendo a cláusula indenizatória desportiva e a cláusula compensatória desportiva, incluídas pelos incisos I e II do citado artigo, respectivamente, as quais passam a ser obrigatórias no contrato especial de trabalho desportivo.

O artigo 28, I e II, da Lei n. 9.615/98 passa a vigorar com o este texto:

Art. 28. A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente:

I – cláusula indenizatória desportiva, devida exclusivamente à entidade de prática desportiva à qual está vinculado o atleta, nas seguintes hipóteses:

II – cláusula compensatória desportiva, devida pela entidade de prática desportiva ao atleta, nas hipóteses dos incisos III a V do § 5º.

Sobre o tema, Domingos Zainaghi se manifestou neste sentido:

“A cláusula compensatória desportiva, bem como a indenizatória desportiva, a qual começamos a analisar, são sucessoras da polêmica cláusula penal, que previa que para os casos de rescisão antecipada do contrato de trabalho, a cláusula penal seria de até 100 vezes a remuneração anual do atleta.”[5]

Portanto, a cláusula indenizatória desportiva e a cláusula compensatória desportiva, vieram pôr fim à discussão que pairava sobre a aplicação da cláusula penal em favor do atleta ou somente do clube.

A cláusula indenizatória desportiva é aquela que mais se assemelha à cláusula penal, tendo como principal objetivo proibir que um atleta, durante a vigência de seu contrato, mude para outro time sem que o clube com o qual detém vínculo seja ressarcido pelos investimentos realizados.

Tem sua previsão legal no artigo 28, I, da Lei Pelé. Logo, pode o atleta se transferir a qualquer momento para outro clube, ainda que durante a vigência do contrato com outro, bastante que para isso faça o pagamento da cláusula indenizatória.

Na prática, o clube interessado em contratar o jogador, entra em contato com o time com o qual ele detém vínculo e tenta negociar a rescisão contratual em valor abaixo do previsto na cláusula indenizatória desportiva. Não havendo negociação, poderá pagar a multa e o atleta estará livre para se transferir.

O valor máximo da cláusula indenizatória será de até 2.000 (duas mil) vezes o valor do salário médio contrato para transferências nacionais. Já para as transferências internacionais não haverá uma quantia máxima, devendo clube e jogador, no momento da negociação, estabelecer um valor de comum acordo.

A cláusula compensatória desportiva é aquela devida pelo clube ao jogador, tendo como principal objetivo dar garantia ao atleta que o estipulado em contrato será cumprido. Está prevista no artigo 28, II, da Lei n. 9.615/98.

O valor da cláusula compensatória desportiva será de no máximo 400 (quatrocentas) vezes o valor do salário mensal no momento da rescisão contratual e no mínimo a quantidade total de salários mensais a que teria direito o atleta até o término do contrato, conforme previsão do artigo 28, II, § 3º, da Lei Pelé. Logo, se o contrato ainda tivesse 10 (dez) meses de vigência, o valor a ser pago pela cláusula compensatória seria o montante do salário vezes 10 (dez).

As hipóteses de aplicação da cláusula compensatória desportiva estão previstas no artigo 28, II, § 5º, III a IV, da Lei Pelé, e são elas: rescisão decorrente do inadimplemento salarial, de responsabilidade da entidade de prática desportiva empregadora, nos termos da Lei 9.615/98; rescisão indireta, nas demais hipóteses previstas na legislação trabalhista – hipóteses previstas no artigo 483 da CLT; e com a dispensa imotivada do atleta.

A primeira hipótese de aplicação da cláusula compensatória desportiva é, portanto, aquela ocorrida quando há inadimplemento salarial e, com isso, a rescisão indireta do contrato.

O artigo 31 da Lei Pelé estabelece como requisito para a solicitação da rescisão do contrato especial de trabalho desportivo, com o eventual pagamento da cláusula compensatória desportiva, o período de 03 (três) meses sem o pagamento de salário ou direito de imagem, no todo ou em parte. O não depósito de FGTS pelo mesmo período também dá ensejo ao término antecipado do contrato, conforme recente decisão do TST[6].

Ainda, como segunda possibilidade de dissolução do contrato especial de trabalho desportivo, e que dá ensejo ao recebimento do valor previsto na cláusula compensatória desportiva em favor do atleta, são aquelas previstas no artigo 483 da CLT. [7]

Todas as situações previstas no mencionado artigo darão possibilidade da rescisão unilateral do contrato, fazendo o atleta jus ao recebimento da cláusula compensatória desportiva.

Por fim, a última hipótese do pagamento da multa compensatória é com a dispensa imotivada do atleta. Não é tão comum de se acontecer no futebol como ocorre com trabalhadores de outra profissão, pois uma vez que o clube conhece a legislação vai tentar negociar o jogador com outro clube a fim de evitar que tenha de pagar a multa.

Portanto, conclui-se que existem cláusulas que são obrigatórias no contrato especial de trabalho desportivo, sendo elas a cláusula indenizatória desportiva e a cláusula compensatória desportiva.

A primeira tem como fim ressarcir o clube dos investimentos que tenha feito, em uma eventual transferência de um atleta, com o qual tenha vínculo, para outra agremiação desportiva. A segunda tem como condão dar garantia ao atleta de que o clube irá cumprir com o previsto no contrato.

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Rogerio Eduardo Ribeiro é advogado, especialista em direito do trabalho e direito desportivo, membro do TJD/PR do Futsal e da Comissão de Direito Desportivo da OAB Londrina-PR.

[1] Art. 2º Na cessão de atleta profissional de futebol, a associação desportiva empregadora cedente poderá exigir da associação desportiva cessionária o pagamento de uma indenização ou “passe”, estipulado na forma das normas desportivas internacionais, dentro dos limites e nas condições que venham a ser estabelecidas pelo Conselho Nacional de Desportos.

[2] KAMPFF, Andrei. Caso Bosman mudou relação de jogadores no mundo todo. Lei em campo. Disponível em: https://leiemcampo.com.br/caso-bosman-mudou-relacao-de-jogadores-no-mundo-todo/. Acessado em: 17 de janeiro de 2020.

[3] Art. 28. A atividade do atleta profissional, de todas as modalidades desportivas, é caracterizada por remuneração pactuada em contrato formal de trabalho firmado com entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito privado, que deverá conter, obrigatoriamente, cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral.

[4] DA VEIGA, Mauricio de Figueiredo Correia. Manual de direito do trabalho desportivo. 2ª Ed. São Paulo: LTR, 2017. p. 112.

[5] ZAINAGHI, Domingos Sávio. Os atletas profissionais de futebol no direito do trabalho. 3ª Ed. São Paulo: LTR, 2018. p. 58.

[6] TST – Recurso Ordinário n. 6983920-17.5.09.0000, Relator: Douglas Alencar Rodrigues, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 24/11/2017.

[7] Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato; b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo; c) correr perigo manifesto de mal considerável; d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato; e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama; f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.

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