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Clube-empresa: que PL o Senado irá analisar?

Como se sabe, será apreciado pelo Senado Federal o Projeto de Lei nº 5.082/16, que dispõe sobre a possibilidade das entidades de prática desportiva profissional se constituírem como sociedades empresariais mediante benefícios dispostos no PL – chamado popularmente como projeto de lei relacionado ao clube-empresa.

 Antes, porém, de especificar as minúcias das questões apresentadas aqui a respeito dos capítulos do PL que tratam da Recuperação Judicial e da Cessão dos Direitos de Propriedade Intelectual, é preciso enaltecer a louvável iniciativa do insigne Deputado Federal Pedro Paulo de contribuir positivamente com o futebol brasileiro, apresentando a solução dos problemas de endividamento e governança dos clubes, possibilitando também a preservação da identidade de cada entidade.

No entanto, conquanto seja majoritariamente positivo para o futebol brasileiro o referido PL, existem certas questões que devem ser revistas, a fim de que não seja desvirtuado o intuito da iniciativa.

Veja-se que a Lei nº 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, dispõe expressamente em seu art. 48 que: “Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente”.

A mens legis repousa na ideia de que esse período é importante para que a sociedade possa se estruturar sob as regras empresariais. É preciso que a empresa esteja sendo regida sob as disposições empresariais durante esse período de tempo para que se verifique a possibilidade da sociedade se reerguer.

Evita-se, assim, que sociedades recém-abertas, cujas chances de quebra – e fraude – são evidentemente maiores, se apoiem na recuperação judicial para tornar-se inadimplente perante os credores de forma maliciosa.

Pensa-se, pois, que se a empresa conseguiu se manter durante dois anos, ainda que com dívidas (sanáveis, diga-se, caso contrário deverá ser decretada a falência), é sinal de que a sociedade ainda pode ser viável economicamente, desde que corrigida a forma de administração, de modo que o sacrifício dos credores pode ser útil para a viabilidade da empresa e para a satisfação dos débitos existentes.

Ocorre que o parágrafo primeiro do art. 27 do PL afirma que “Não se aplica ao clube-empresa a obrigação de comprovar o exercício regular de suas atividades há mais de 2 (dois) anos prevista no caput do art. 48 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.”.

Em outras palavras, o parágrafo primeiro do citado artigo dispensa o prazo previsto na Lei de Recuperação Judicial e Falências, abrindo-se a possibilidade da entidade de prática desportiva, que recém se constituiu sociedade, requerer a recuperação judicial, mesmo que ainda não tenha sido administrada sob a égide das regras atinentes às empresas, cujas disposições, principalmente em se tratando de sociedades anônimas, são mais rígidas, dificultando-se fraudes e má administração, muito embora ainda ocorra. É importante lembrar que essas entidades já possuem altas dívidas com os mais diversos credores, tornando-se mais difícil sua administração, mesmo que se transformem em sociedades.

Diante desse cenário, ao assim dispor o PL, a recém-criada sociedade ainda poderá ser administrada com todos os vícios – os quais foram fundamentais para a inviabilidade da entidade enquanto associação – pois não terá o tempo hábil suficiente para se adequar as regras societárias, e mesmo assim poderá requerer recuperação judicial, sem ao menos tentar sanar suas dívidas com a nova forma de administração.

Essa situação, além de altamente prejudicial aos credores, poderá ensejar a falência do clube empresa, extinguindo-se a outrora associação, cuja existência, na maioria dos casos, é centenária. Explique-se.

De acordo com a Lei nº 11.101/2005, (a) caso não seja apresentado plano de recuperação judicial, no prazo legal; ou (b) seja o plano de recuperação rejeitado; ou (c) haja descumprimento das obrigações previstas no plano de recuperação; ou (d) seja deliberado na assembleia geral de credores, haverá a convolação do pedido de recuperação judicial em falência (art. 73 da Lei 11.101/05 – Lei de Recuperação Judicial e Falência).

Ou seja, a entidade de prática desportiva que se transformar em sociedade empresária, ao requerer imediatamente a recuperação judicial, poderá ser decretada falida pela vontade dos credores, ou por sua própria inércia/descumprimento. Caso os credores entendam que as dívidas não podem ser adimplidas com o referido plano de recuperação, mas somente agravadas, os credores podem não aceitar o plano apresentado. De igual forma, na hipótese de descumprimento de suas obrigações, também haverá convolação em falência.

Há, assim, a forte possibilidade de as entidades centenárias se extinguirem devido a essa previsão.

Não parece a medida mais adequada em prol do esporte, considerando a possibilidade quase imediata de falência. Há de se estipular um prazo de existência para a sociedade empresária se adequar às regras societárias e, então, requerer a recuperação judicial. Se o PL observar o prazo estipulado na Lei de Recuperação Judicial e Falência, o passivo da sociedade, se bem administrado, certamente será reduzido, de modo a tornar mais exitoso o eventual pedido de recuperação judicial – que poderá, inclusive, se tornar desnecessário.

Em suma, é necessário preservar o tempo de dois anos de atividade regular para que se nova sociedade de prática desportiva possa requerer o pedido de recuperação judicial, seja pela possibilidade de “calote” aos credores, caso aceitem o plano apresentado, ou pela possibilidade de extinção de instituições centenárias.

Mas não é só. Existem outros pontos no PL que deverão ser objeto de considerações.

O Projeto de Lei apresenta duas possibilidades de uma entidade de prática desportiva transformar-se em sociedade: (a) através da transformação parcial, que consiste em criação de uma pessoa jurídica que terá vínculo contratual com a associação; e (b) através da transformação total, que consiste na associação se transformar em sociedade empresária.

De acordo com o referido PL, salvo em estipulação contratual em contrário, nos casos em que o clube-empresa adote a transformação parcial, e, após, seja decretada a sua falência, haverá a rescisão automática do contrato de cessão dos direitos de propriedade intelectual.

Os símbolos e denominação voltarão à associação, de modo que ela poderá dispor da forma que melhor lhe convier. Por sua vez, a massa falida (patrimônio do devedor-falido) será objeto de liquidação pelo administrador judicial visando o pagamento de dívidas.

Mas, e se a falência ocorrer no meio do campeonato? O Clube, em sentido lato, permanecerá disputando o campeonato até o final? Existe a expressa previsão no Projeto de Lei dispondo que, caso o clube tenha seu pedido de recuperação judicial deferido, não poderá ser excluído da competição – art. 28 -, mas não há referência em caso de falência.

E mais. Poderá qualquer terceiro (associação ou nova sociedade) se valer da marca perante o órgão desportivo regulador da competição visando à continuidade? Caso não possa, quem terá a responsabilidade de com os salários dos jogadores, comissão técnica e demais contratados? A Massa falida, cujas dívidas não puderam ser adimplidas? Caso possa o terceiro se valer da marca, qual será o recurso destinado a esse terceiro, caso a falência ocorra no meio do campeonato? De que forma esses salários serão arcados pelo terceiro, uma vez que a receita terá sido obtida pela sociedade falida?

O estádio e o centro de treinamento pertencerão às sociedades recém-constituídas, ou à associação? Se pertencer à associação, qual patrimônio relacionado à sociedade restará para fazer frente às dívidas?

Por outro lado, sob o ângulo de transformação total, caso o clube entre em estado de falência, perde-se a denominação e os símbolos mencionados – enquanto associação isso não ocorreria.

Assim, considerando que a denominação e o símbolo podem ser tidos como ativos, uma vez que são intrinsecamente ligados à sua torcida, e poderiam ser adquiridos por terceiros no processo de falência? O PL dispõe que os símbolos são impenhoráveis e não responderão por “qualquer dívida civil” – art. 32. Não há nada que disponha na hipótese de falência.

Caso possam ser adquiridos, seria um novo clube, haja vista que terá novo CNPJ (o antigo pertencera à massa falida)? Por outro lado, a torcida, principal ativo de um clube, seria a mesma. Ele entraria em qual divisão? Seria responsabilidade da CBF dispor sobre acesso e queda de divisão?

Por fim, também poder-se-á dizer que o previsto no § 3º do art. 27 do referido Projeto de Lei – de que não há necessidade de utilizar a expressão “Em Recuperação Judicial” – não tem aplicação prática, uma vez que a mera retirada da expressão nada esclarece aos possíveis investidores; ao contrário, mascara a situação da sociedade.

Portanto, ante ao exposto, esses são pontos que deverão ser objeto de emendas ao PL no Senado Federal, sob pena de imensurável prejuízo ao futebol brasileiro.

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Pedro Henrique Wright é advogado.

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