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Clube-empresa: Por um outro ponto de vista

Por Rafael Inácio

No decorrer do ano de 2020 assistimos inúmeras ‘lives’ sobre o clube-empresa no Brasil. Defensores propagavam às mil maravilhas que a transformação dos clubes brasileiros, que seguem modelo associativo, em clubes empresas traria para os caixas dos respectivos clubes, transformando-os em potências mundiais.

O substitutivo ao Projeto de Lei 5082/2016 apresentado pelo então deputado federal do Rio de Janeiro Pedro Paulo tramitou com a máxima urgência pela Câmara Federal e parecia ser uma das prioridades do ano de 2020, tido como a salvação para os endividados clubes associativos do país.

Inúmeros exemplos positivos trazidos de Inglaterra, Espanha, Itália, França, Alemanha e até mesmo Portugal pareciam dar conta que o modelo empresarial também deveria ser adotado no futebol brasileiro. O surgimento do Red Bull Bragantino na Série A do Brasileirão, embora este só tenha se transformado em empresa no decorrer do ano de 2020, seria um sinal dos novos tempos.

Mas o ano de 2020 no futebol sul-americano veio demonstrar que a receita de sucesso prometida pelos entusiastas do clube-empresa e modelos similares nem sempre pode dar certo.

Na última temporada do campeonato peruano o tradicional Alianza Lima, detentor de 23 títulos de Primeira Divisão, fez em 2020 a sua pior participação na era profissional do futebol peruano vencendo apenas seis partidas, além de oito empates e 14 derrotas culminando no primeiro rebaixamento do clube na era profissional peruana.

O Alianza Lima vinha de dois vice-campeonatos peruanos consecutivos, além de sucessivas participações na Copa Libertadores, e então o que justificaria a repentina queda de nível de um dos maiores clubes do Peru?

Administrado por um fundo de credores denominado Fondo Blanquiazul o Alianza Lima passou por uma limpa em seu elenco vice campeão da temporada 2019 e a consequente contratação de inúmeros jogadores, sem que se adotasse qualquer critério técnico para seleção desses atletas, o que culminou em um time desentrosado com sucessivas trocas de técnicos, derrotas e o rebaixamento para a segunda divisão foi inevitável.

O Fondo Blanquiazul assumiu a direção do Alianza Lima que participava do programa de recuperação que o clube tinha com a Receita Federal peruana assumindo assim suas dívidas e o controle sobre as decisões administrativas e esportivas, que no final se demonstraram desastrosas para a tradicional equipe aliancista.

Outro mal exemplo vem do Chile, o tradicional Colo Colo, única equipe chilena a vencer a Copa Libertadores, além da Recopa Sul-Americana e de inúmeros títulos nacionais viveu na última temporada o seu pior momento.

O Colo Colo passou grande parte do campeonato nacional nas últimas posições, e só se salvou do rebaixamento a segunda divisão em uma partida de repescagem contra o Universidad de Concepcion, quando venceu por 1 a 0.

Em 2005 após sucessivas crises financeiras por meio da Lei 20019/2005 foi criada a figura da SADP (Sociedade Anónima Deportiva Profisionales), assim como possibilitou a concessão, onde seria possível que o clube associativo cedesse os ativos de seu departamento de futebol profissional para uma sociedade durante prazo determinado.

O modelo chileno foi pioneiro na América do Sul ao permitir que as SADPs e os clubes que optassem pela concessão oferecessem ações na Bolsa de Valores, o Colo Colo por meio da Blanco y Negro SA passou a ser negociado no mercado de ativos.

O Colo Colo não voltou a fazer alguma campanha memorável a nível internacional, e nacionalmente passou a ser utilizado como propaganda politica. Sebastian Pinera atual presidente do Chile se tornou o maior acionista da Blanco y Negro SA utilizando-se da imagem da equipe para se promover politicamente, chegando à presidência da República em 2010 e novamente em 2018.

No Brasil, o São Caetano, que tem seu futebol gerido pela São Caetano Futebol LTDA, passa por momentos financeiros e administrativos terríveis, em 2020 os jogadores do elenco profissional chegaram a entrar de greve em meio a Série D do Campeonato Brasileiro fazendo com que a equipe do ABC paulista entrasse em campo com jogadores do time sub-20, sofrendo uma estrondosa goleada de 9 a 0.

Já em 2021 a São Caetano Futebol LTDA teve seu pedido de falência requerido pela empresa World Sports por uma dívida de R$ 100.000,00, pelo volume da dívida é improvável que o Azulão seja liquidado, mas é uma possibilidade real, e pouco discutida quando o tema é tratado.

Tais exemplos práticos demonstram como clubes grandes em seus países e expressivos até a nível continental vivem dias tristes em suas histórias mesmo tendo adotado modelos próximos ao clube-empresa propostos pelo legislativo brasileiro, o que nos demonstra que a boa gestão, controle das finanças e resultados esportivos não são dependentes de modelo ‘X’ ou ‘Y’, e evidencia que o Clube-empresa no Brasil precisa de mais debate e menos propaganda.

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Rafael Inácio é advogado, graduado em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara, pós-graduando em Negócios no Esporte e Direito Desportivo pelo CEDIN.

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